“Sinal dos tempos. Um novo sopro.” Foi assim que Dom Tomás Balduíno expressou sua percepção quanto à renovação de forças que defendem a democratização de terras no Brasil. O fato que serviu de base para a percepção é o tamanho do público que conferiu as palestras proferidas por ele em dois dias seguidos nos estados de Goiás e Piauí.
Envolvido na defesa deste direito humano há várias décadas, Dom Balduíno tem grande vivência e legitimidade para seu indicador subjetivo, que atesta a crescente mobiização social em prol da divisão das terras, ser levado em consideração.
A fala de Dom Balduíno na mesa de abertura do I Encontro Nacional de Acesso à Terra no Semiárido, realizada 10/08/2011, no Centro de Artesanato Mestre Dezinho, em Teresina, foi de quem conhece profundamente a história de privatização da terra no Brasil. E por conhecer a fundo, é capaz de levar a plateia a fazer um passeio pelos ciclos de maior ou menor pressão social a favor da democratização das terras.
Com voz pausada e tranqüila, típica de religiosos, o bispo ressaltou alguns fatos relevantes da história do Brasil que influenciaram a consolidação da concentração de terras e o movimento de resistência e luta das organizações camponesas. Ele destacou como ponto de início para a mobilização social o Concílio da Igreja Católica que marcou a abertura da igreja para o mundo. Na América Latina, as orientações do concílio foram referendadas em Medelín e foi validada a opção da igreja na defesa dos pobres. “A igreja aparece como uma força de consenso e grande credibilidade junto à sociedade.” Daí, começam a surgir as comunidades eclesiais de base, que “percebem as pessoas como sujeito, autor de sua própria emancipação. Elas não eram mais vistas pela igreja como objetos de ação caritativa.”
A mobilização destas comunidades é ameaçada com o golpe militar de 64, que segundo o bispo “quebra a espinha dorsal das organizações camponesas.” “Porém, no meu testemunho pessoal na diocese de Goiás tínhamos um centro de treinamento de líderes, os lavradores se reuniam lá com assessoria que eles mesmos convidavam. Para os militares, os homens estavam reunidos para oração. Na verdade, era o nascimento das organizações populares. Não digo que foi só a única força, mas que atuou na área indígena e camponesa, em vista de transformação. Houve uma nova força dentro do país no sentido de mudança. As organizações camponesas começaram a se articular e foram elas que finalmente colocaram um operário no governo, Lula. Graças a essa força das bases, essas massas populares conscientizadas e formadas com suas lideranças próprias. O que veio depois? O marasmo. O próprio Lula não incentivou a reforma agrária. Qual o plano da reforma agrária? Nenhum.”
Em seguida, ele pontua as leis que institucionalizam cada vez mais a propriedade de terra nas mãos da elite. A primeira lei de privatização da terra foi a Lei da Terra, em 1850, trinta anos antes da abolição da escravatura. A segunda, foi em 1931, no governo de Getúlio Vargas, que dificultou a posse da terra pública pelo instrumento jurídico do usocapião, quando é comprovado que a família ou comunidade vive naquela terra há mais dez anos. A terceira fase de medidas legais que dificultaram ainda mais a divisão das terras, de acordo com o bispo, ocorreu no governo Lula com as medidas provisórias que regularizam a grilagem na Amazônia.
Diante do cenário apresentado de aumento da posse da terra em mãos de poucos, o Dom proferiu uma tese defendida há 25 anos pela Comissão da Pastoral da Terra (CPT), da qual foi fundador, presidente e hoje é membro. “A solução é ocupar. Se for esperar que seja dividida entre os necessitados, isso não acontece de forma alguma. Tanto que saiu uma sentença de um ministro do Superior Tribunal de Justiça dizendo que a ocupação não é uma furto, nem roubo de terra. É uma forma de mostrar ao país, ao governo, que não há reforma agrária, não se faz reforma agrária. É um testemunho de indignação.”
O bispo também salienta que toda a luta pela terra foi no sentido de mudança social, não só de sobrevivência pela posse da terra. E cita o movimento Zapatista do México que defende a ideologia da mudança da sociedade a partir da inclusão dos pobres. E, por fim, evoca: “Não basta tomar o poder. Precisamos levar uma visão diferente do mundo, do homem, da mulher.”
Veronica Pragano
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