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Há alguns anos, inúmeros levantamentos têm apontado o significativo crescimento do número de leitores infantojuvenis no Brasil. Para citar um exemplo, a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, divulgada pelo Instituto Pró-Livro em 2008, revela que crianças e jovens leem mais que adultos. Leitores entre 11 e 13 anos leem, em média, 8,5 livros por ano. Contudo, o que seria uma excelente notícia, merece um olhar mais criterioso. No livro “Adolescentes na era digital”, de Lidia R. Aratangy, a autora – que publicou pela Primavera Editorial os livros O anel que tu me deste – o casamento no divã e o Livro dos Avós – destaca uma pesquisa do Instituto Ipsos conduzida em 10 países. De acordo com a psicoterapeuta, o Brasil e o México são os países nos quais os jovens menos cultivam o hábito da leitura: 43% dos pais afirmaram que os filhos nunca leem.
Um outro tema me preocupa – a qualidade dos livros que estão disponíveis para crianças e jovens. Por vício profissional, tenho observado alguns excessos de editoras na classificação de obras adequadas a esse público leitor. Para explicar melhor a minha estranheza, remeto a clássicos como Alice no País das Maravilhas, Chapeuzinho Vermelho, O Mágico de Oz, As Crônicas de Nárnia, O Sítio do Pica Pau Amarelo, os livros da coleção Vaga-Lume… obras que estiveram presentes na minha infância e pré-adolescência. Posicionados como literatura infantojuvenil – destinada a leitores entre 10 e 15 anos, em uma livre classificação – esses livros têm em comum a capacidade de transportar os pequenos leitores, que são extremamente exigentes, a um patamar de fantasia e criatividade muito elevado. Acredito, seriamente, que no futuro esse contato torna-se o alicerce para uma vida mais criativa e emocionalmente saudável.
Lidia Aratangy defende, inclusive, que a leitura é mais uma experiência emocional do que intelectual; por isso, recomenda que as crianças comecem a ler histórias que mobilizem sentimentos. Na prática, os pais devem conversar sobre o que foi lido, relacionar os episódios do livro com experiências da criança. Falar sobre as próprias emoções mobilizadas pela história são atividades que fortalecem o vínculo com o livro e ampliam o hábito da leitura. Acredito, inclusive, que o hábito da leitura deve ser alimentado pelo interesse dos pais! Mas ando preocupada mesmo é com os excessos dos conteúdos apresentados como infantojuvenis.
Embora a Primavera Editorial não publique livros infantojuvenis, tenho o hábito – mais por esmero profissional – de acompanhar notícias de lançamentos para leitores de diferentes perfis. Costumo me inteirar, inclusive, sobre os livros que amigos e familiares estão lendo; gosto de saber sobre títulos idolatrados por leitores de diferentes vertentes e idades. Qual não é a minha surpresa ao me deparar com livros inadequados que estão sendo lidos por filhos de amigos e conhecidos! Inadequados na abordagem de uma violência que antecipa a angústia para as crianças; que rouba delas o direito de ler uma obra adequada ao amadurecimento pessoal. Não sou a favor da “censura” na literatura infantojuvenil, apenas acredito que realmente devemos ter responsabilidade com a leitura dos pequenos. Temos que estar próximos e preparados para apoiá-los! A atenção combinada à orientação é o ideal, porém, quando os pais se deparam com um rótulo da obra literária – seja ele qual for –, há sempre uma tendência a “relaxar” a supervisão. Nesse contexto, os pais podem ser levados ao equívoco.
O mais desagradável, na minha percepção, é que esses livros estão sendo classificados como adequados para o público infantojuvenil. Eu me reservo o direito de discordar! E, até mesmo, de questionar se essa classificação está sendo feita para atender a interesses monetários, justamente em um momento que se divulga a expansão da leitura entre o público infantojuvenil. Na minha visão não há soluções prontas, mas cabe debater de forma mais ampla o tema. Não estou questionando a escolha de livros paradidáticos indicados pelos professores, pois os exemplos de inadequação que vi são em livros selecionados por crianças e jovens em livrarias; os livros escolhidos para o lazer. Os pais, por sua vez, ao checar a classificação na hora da compra – e se depararem com o selo infantojuvenil – são induzidos ao erro. Uma boa prática seria os pais lerem, mesmo que simultaneamente, os mesmos livros escolhidos pelos filhos e que promovam conversas sobre a obra
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A qualidade dos livros que as crianças e pré-adolescentes estão lendo deve ser objeto de atenção não apenas de pais e professores, mas de toda a sociedade. É claro que a tarefa requer muito trabalho e dedicação, no entanto, não há um caminho fácil para garantir que a experiência emocional da leitura seja plena, saudável e ética.
Lourdes Magalhães é presidente da Primavera Editorial. Executiva graduada em matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com mestrado em Administração (MBA) pela Universidade de São Paulo (USP) e especialização em Desenvolvimento Organizacional pela Wharton School (Universidade da Pennsylvania, EUA). Com experiência como consultora por 20 anos, a executiva atua no mercado editorial nacional e internacional desenvolvendo parcerias e contratos com agentes literários na avaliação de obras para a compra de direitos autorais, além de participar ativamente de feiras internacionais do setor. Lourdes Magalhães atuou em editoras consideradas referência.
Fonte: Responsabilidade Social
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