quarta-feira, 22 de junho de 2011

''Bento XVI dinamitou todas as pontes com a modernidade''



Teólogo crítico da atual hierarquia da Igreja Católica, Juan José Tamayo publicou o livro Juan Pablo II y Benedicto XVI, "Del neoconservadurismo al integrismo".
Próximo da Teologia da Libertação, em 2003, a Conferência Episcopal Espanhola tachou-o de "herege".
"Minha crítica é extrema e radical, mas a Igreja Católica está mudando desde a base".
Entrevista com Juan José Tamayo

O senhor acaba de publicar Juan Pablo II y Benedicto XVI. "Del neoconservadurismo al integrismo". Sua tese parece definida...

Tanto João Paulo II quanto Bento XVI se movem no mesmo modelo de Igreja, a concepção restauracionista. Questionam o modo de entender a Igreja do Concílio Vaticano II e retrocedem a etapas anteriores e a momentos históricos que não correspondem ao atual. Interrompe-se o diálogo com a modernidade e o ateísmo, com as religiões cristãs e com os não cristãs. Bento XVI e, em parte, João Paulo II dinamitaram todas as pontes de diálogo com a modernidade, responsabilizando-a da crise do cristianismo. Também romperam as pontes com o mundo da incredulidade e das iniciativas ecumênicas de fases anteriores. Tiveram uma atitude condenatória às religiões não cristãs e, no caso de Bento XVI, muito especialmente com o Islã. Outra ponte que conseguiram quebrar foi a do encontro com as teologias da libertação e as Igrejas comprometidos com os pobres no Terceiro Mundo.

O senhor denuncia que a mulher na Igreja não tem voz nem voto.
Essa é uma das incoerências mais graves dos dois pontificados. A mulher é maioria silenciosa e silenciada na Igreja. O comportamento de ambos os papas significou uma humilhação para a mulher, porque ela não é reconhecida como sujeito de direitos morais. João Paulo II usou um discurso de excelência: a mulher é o mais maravilhoso da criação divina, mas é excluída de todas as esferas de responsabilidade ou diretivas. Mas a exclusão mais grave é a do âmbito de elaboração da doutrina. As mulheres têm um acesso muito difícil aos estudos teológicos, à docência em teologia e à elaboração dos princípios morais do cristianismo. Princípios que, depois, lhes são impostos no que se refere ao corpo, à sexualidade, à reprodução ou à vida de família, casal e matrimônio.

O senhor considera que a beatificação de João Paulo II por parte de Bento XVI é "uma troca de favores".

Ela tem a sua própria lógica. Bento XVI deve tudo a João Paulo II no âmbito de seu poder doutrinal e administrativo em Roma. E, como diz o ditado, "é de bem-nascido ser agradecido". João Paulo II levou Ratzinger ao Vaticano e o pôs à frente da poderosíssima Congregação para a Doutrina da Fé, que se encarrega de vigiar a ortodoxia e os teólogos que dela se afastam e são qualificados com facilidade de "heterodoxos" ou "hereges". O cardeal Ratzinger adquiriu um poder extraordinário para controlar as revistas, os livros, a docência, as cátedras e a formação dos estudantes de teologia. Ele teve um poder absoluto, como ninguém teve em seu posto nem na instituição anterior, o Santo Ofício. Durante os mais de 20 anos em que ele governou a congregação, ele se comportou com grande dureza e rigidez. Expulsou teólogos da cátedra, incluindo colegas seus, por não coincidirem com suas opiniões, impôs censura a livros, fechou revistas e pôs a muitos teólogos no papel de ter que renunciar a seu projeto intelectual. Interveio de maneira ativa na eleição de bispos nas dioceses importantes que estavam totalmente identificados a sua teologia neoconservadora. João Paulo II lhe nomeou sucessor "in pectore". Mas há mais.

A saber...

Por trás de beatificação de João Paulo II por Bento XVI, há uma busca de lavagem de crimes. Ambos estiveram envolvidos até o pescoço no conhecimento dos casos de pedofilia. Durante os mais de 30 anos de governo de ambos os papas, ocorreram crimes desumanos contra crianças e jovens. E, nesse tempos, eles foram cúmplices de silêncio. Os casos desse tipo chegavam à Congregação para a Doutrina da Fé, que era a responsável direta e única para tomar medidas.
E não eram tomadas ...

Nunca se tomou uma decisão sancionatória contra os culpados. Produz-se uma cumplicidade por silêncio, a mais grave de todas as cumplicidades. Perante as críticas que se fortaleciam, por exemplo, pela permissividade de João Paulo II com Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, o papa pensa que a melhor forma é declarar João Paulo II beato. E assim lava seus próprios crimes.

Bento XVI se caracterizou por sua dureza na condenação da pedofilia na Igreja.

Como corresponsável pelos crimes de acobertamento, ao chegar ao papado, a bomba explodiu em suas mãos. São tantos os casos e em tantos países que ele não pode manter a situação. Nos documentos e nas declarações, ele responsabiliza os pedófilos ou os bispos, por exemplo, os da Irlanda. Mas nunca reconheceu a sua responsabilidade, que é a mais importante. E não pediu perdão. Os documentos ficam na fumaça se essas pessoas não são excluídas do sacerdócio e não são postas nas mãos da justiça. E tem havido obstruções à justiça.
O senhor também critica a rápida beatificação de Escrivá de Balaguer.
É um caso escandaloso na Igreja Católica. Dentre os novos movimentos religiosos neoconservadores, o Opus Dei e os Legionários de Cristo situam-se no lugar social dos poderes estabelecidos. Esses dois papas se colocam ao lado desse tipo de movimento e se afastaram dos setores mais fiéis ao Vaticano II e dos mais comprometidos com os pobres.
Joxe Arregi apresenta sua palestra hoje, ele que deixou o hábito franciscano devido ao seu enfrentamento com o bispo Munilla.

O caso de Joxe Arregi, assim como o meu sete anos antes, é a prova mais fidedigna de que o Santo Ofício continua fazendo o seu trabalho. É um teólogo valente, comprometido e coerente. Eu o defendi por solidariedade corporativa, mas, acima de tudo, por solidariedade com as pessoas que veem seus direitos negados ou recortados na comunidade em que vivem. Padeci essa limitação por parte da hierarquia católica, em minha carne.

A Igreja irá mudar?

Apesar da dura análise que eu faço e da minha crítica extrema e radical, penso que a situação está revertendo. A realidade está mudando dentro da Igreja Católica. Não na cúpula ou nos setores intermediários, mas sim nas bases. E desenvolve-se um movimento comunitário muito promissor. Isso acontece com o gelo. Debaixo dele, há água, que vai emergindo por pequenos poros, até que se converte em um grande oceano. Aqui acontece o mesmo. O projeto da Igreja participativa, igualitária e solidária com os pobres que foi desenhado no Concílio Vaticano II está nascendo em grupos e organizações.

Jornal Diario Vasco, 20-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Fonte: Domtotal

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