segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Issao Aoki , "Adeus, padre do povo! "



O padre Aoki sai neste domingo (30) de Bauru em direção a São Paulo. De lá vai para Madri, na Espanha, onde ficam seus superiores.  Passa cinco dias na Europa e em seguida viaja para Tóquio, no Japão, para assumir seu novo cargo.
O padre Aoki vai para Madri, na Espanha, onde ficam seus superiores. Passa cinco dias na Europa e em seguida viaja para Tóquio, no Japão, para assumir seu novo cargo.

Issao Aoki, famoso pelo trabalho social junto às comunidades carentes, volta ao Japão após 33 anos

Quando chegou ao Brasil, o padre marianista Issao Aoki, 66 anos, também conhecido como João Batista, sentia sede.

Estava cansado da longa viagem de avião e carro quando desembarcou em Gália, na região de Marília, sua primeira paróquia. Pediu água. Recebeu um copo pequeno, que virou. Era pinga.

Trinta e três anos depois, rindo, até hoje leva as mãos à garganta para mostrar como a bebida desceu queimando.

E não parou por aí.

Os anfitriões disseram que era melhor experimentar com limão. Depois sugeriram bastante gelo. Foram três copos de cachaça, uma estreia tipicamente brasileira.

“Fui batizado logo no primeiro dia”, brinca.

Na casa paroquial, outra surpresa. Na rua, dezenas de carros buzinavam. Motoristas e passageiros cantavam alto uma música desconhecida para o religioso oriental. Era o hino do Corinthians, campeão após 23 anos sem títulos importantes.

“Não dormi por causa do barulho e da cabeça zonza”, diverte-se, ao recordar.

Teve também o conhecido calor humano. Os abraços, fartos, ao atordoado recém-chegado. O padre não estava acostumado. Assustou. No Japão que havia deixado para trás, homens e mulheres não se tocavam na hora dos cumprimentos. Tudo era formalidade. Aqui, encontrou o avesso.

Nas três décadas em que morou no Brasil, o religioso viveu fases diferentes.

Os primeiros dez anos foram de estranheza e dificuldades com a língua. Uma certa rejeição ao Brasil, país em desenvolvimento. Tentativa de manter a autoestima no meio do turbilhão de novas informações, clima diferente, gente à vontade.

Na década seguinte, dedicado ao trabalho com as Comunidades Eclesiais de Base e orientado pela polêmica teologia da libertação, protagonizou um caso de amor com o povo humilde com quem conviveu.

O cenário era Bauru, para onde mudou em 1978.

“Fui muito feliz. Comecei a valorizar o Brasil profundamente”.

A última década foi de conciliação entre a igreja social e até revolucionária, da qual era um dos protagonsitas, e os novos tempos de Renovação Carismática, de valorização da espiritualidade.


Gargalhada
Agora, chegou a hora de ir embora. O padre deixa Bauru nesta segunda. Foi chamado para ser superior regional da Congregação Marianista em Tóquio, no Japão. Na bagagem, leva o calor humano que aprendeu a admirar. E a capacidade de dialogar e coordenar ações, desenvolvida aqui.

“É onde aprendi a gargalhar”, resume, emocionado.

O religioso recebeu o BOM DIA na Casa Marianista, no Jardim Redentor, onde mora desde 1989. Vestia camiseta com a inscrição “A paz é fruto da justiça”, da campanha da fraternidade de 2009.

Uma síntese de sua trajetória.

Ele sabe que no novo cargo não poderá mais circular como gosta. De camiseta, chinelos no pé, sem pose. Terá de usar terno e gravata.

Faz gesto de enforcamento para mostrar que a ideia não agrada muito. Diz detestar ficar dentro de gabinetes, ser chefe, dar ordens.

Também deixará o clima quente para encontrar temperaturas perto de zero grau.

“Haverá um choque térmico”, conforma-se. E um choque de culturas. Terá de refazer sua relação com o Japão, onde vivem irmãos e sobrinhos.

Será preciso acostumar novamente com o sistema formal, a hierarquia vertical, em forma de pirâmide.

Mas o padre quer temperar tudo com o que aprendeu por aqui: o sistema servindo ao ser humano, e não o contrário; a valorização do diálogo, da capacidade dos outros, a conciliação entre os diferentes.

“Sinto que sou querido. E isso é importante para mim”.


Adaptação
Nos primeiros anos no Brasil, era difícil para Aoki elaborar os sermões.

Ele não dominava o português, usava o dicionário o tempo todo e contava com a ajuda de uma professora, que riscava e corrigia as palavras erradas.

Nas celebrações, lia os sermões, com as devidas correções já anotadas.

“Falava a homilia, mas ela não era minha”.

Nas mesas de almoços e jantares, ficava perdido quando todos riam de alguma piada ou frase engraçada.

Até que aprendeu a fazer o mesmo. E gargalhou vida afora.

O padre também não esquece o primeiro natal em terras tropicais. Suou muito de calor e demorou para assimilar a data religiosa sem neve e frio.

Ele é nascido em Kobe, no Japão. Foi batizado no final da infância, quando a família se converteu ao catolicismo - antes era protestante.

No Japão, menos de 1% da população é católica ou protestante.

Aoki é um poliglota. Além da língua de origem, o japonês, e do português, aprendeu francês [por causa da convivência com missionários franceses no Japão], espanhol [devido às reuniões com os líderes espanhóis da Congregação Marianista], latim, inglês e até grego, na época da pós-graduação.

É um intelectual que optou pela convivência popular, pé no chão, com jovens, crianças, sem-terra.

Sobra sensibilidade social.

“Andou a pé pelas terras ou buracos do início da comunidade da Imaculada, na Rua dos Limoeiros, onde nasceu a comunidade que hoje tem aqui sua matriz, pelas terras ainda ociosas do Carolina, o antigo fura-bucho, levou infinitas procissões pelas erosões do Parque Bauru, caminhando, cantando, tocando sua flauta, pelos buracos, areião e lama do Ferradura Mirim e Tangarás”, diz texto de despedida preparado pela Diocese de Bauru.

O religioso veio para o Brasil para ajudar na implantação da Congregação Marianista.

É um dos seis padres japoneses no país. Em Bauru, até o final do ano passado, foi pároco da Maria Mãe do Redentor.

Na segunda-feira, dia 24, as comunidades que contaram com a participação do padre celebraram uma missa de despedida.

Ele recebeu uma estola com fotos de vários momentos do trabalho realizado em Bauru.

O padre prometeu não chorar - e cumpriu.

A partida é definitiva. Ele não vai mais trabalhar aqui. Mas voltará de dois em dois anos, para renovar o visto. E reabastecer. De afeto.


Cristina Camargo

Fonte: Agência Bom Dia

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