sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

EUA: Foram os pobres que causaram a crise?

"As consequências adversas caíram especialmente sobre os relativamente incultos e mal pagos, que agora perderam suas casas, empregos e as esperanças para seus filhos. Essas pessoas não provocaram a crise. Mas estão pagando por ela", analisa Simon Johnson, ex-economista chefe do FMI, é co-fundador de um importante blog de economia, professor na Escola Sloan de Administração e Negócios, do MIT, e membro sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional, e publicado pelo jornal Valor, 21-01-2011.

Eis o artigo.

Os EUA continuam cindidos por um acalorado debate sobre as causas da crise financeira em 2007-2009. Será o governo culpado e, em caso afirmativo, em que sentido?

Em dezembro, a minoria republicana na Comissão de Investigação sobre a Crise Financeira (FCIC, em inglês), considerou uma narrativa discordante. De acordo com esse grupo, políticas governamentais equivocadas, visando ampliar a posse de casas próprias por pessoas relativamente pobres, induziu muita gente a assumir financiamentos de quitação incerta (subprime) que não conseguiriam honrar.

Essa narrativa pode conquistar muita adesão, especialmente numa Câmara dos Deputados controlada pelos republicanos e na campanha para a eleição presidencial de 2012. Mas, embora os republicanos na FCIC escrevam com eloquência, têm eles alguma prova em apoio a suas afirmações? Terão sido os pobres nos EUA os responsáveis pela mais grave crise mundial em mais de uma geração?

Não, de acordo com Daron Acemoglu, do MIT (e co-autor, comigo, na análise de outros tópicos), que apresentou suas conclusões na reunião anual da American Finance Association no início de janeiro. (Os slides estão em sua página no site do MIT).

Acemoglu divide a narrativa republicana em três questões distintas. Em primeiro lugar, haverá evidências de que políticos americanos são sensíveis às preferências ou desejos do eleitorado de baixa renda?

As evidências sobre esse ponto não são tão categóricas quanto se poderia desejar, mas o que temos - por exemplo, com base no trabalho de Larry Bartels, da Universidade de Princeton - sugere que nos últimos 50 anos praticamente toda a elite política americana deixou de compartilhar as preferências do eleitorado de baixa ou média renda. As opiniões dos ocupantes de cargos públicos aproximaram-se bem mais das comumente encontradas no topo da distribuição de renda.

Existem várias teorias sobre por que essa mudança ocorreu. Em nosso livro "13 Bankers" (13 banqueiros), James Kwak e eu enfatizamos uma combinação do crescente papel do aumento das contribuições para campanhas - a "porta giratória" entre Wall Street e Washington - e, acima de tudo, uma mudança ideológica: a opinião de que financiar é bom e quanto mais financiamento sem restrições é melhor. Há um corolário evidente: as vozes e os interesses das pessoas relativamente pobres em nada contam na política americana.

A avaliação de Acemoglu sobre resultados de pesquisas recentes sobre a atividade lobista é de que partes do setor privado desejavam que a regulamentação financeira fosse relaxada e empenharam-se arduamente, e gastaram muito dinheiro, para obter esse resultado. O impulso para criação do grande mercado subprime veio de dentro do setor privado: "inovações" implementadas por financiadoras habitacionais gigantes, como a Countrywide, a Ameriquest e muitas outras, apoiadas pelos grandes bancos de investimento. E, para sermos bastante claros, foram algumas das maiores instituições financeiras de Wall Street, e não mutuários não alavancados, que receberam generoso socorro governamental no rescaldo da crise.

Acemoglu em seguida indaga se há indícios de que a distribuição de renda piorou nos EUA no final de 1990, induzindo os políticos a reagir afrouxando as rédeas dos empréstimos concedidos às pessoas que estavam ficando para trás. A renda nos EUA tornou-se, efetivamente, muito mais desigual nos últimos 40 anos, mas o "cronograma da desigualdade" não se encaixa, de modo algum, nessa história.

Por exemplo, dos trabalhos que Acemoglu realizou com David Autor (também do MIT), sabemos que as rendas dos 10% mais ricos cresceram sensivelmente durante os anos 1980. As rendas semanais cresceram lentamente tanto para os 50% como para os 10% mais pobres na época, mas o extremo inferior da distribuição de renda na realidade avançou relativamente bem na segunda metade da década de 1990. Assim, ninguém estava em dificuldades maiores do que tinha estado no início de 2000, no período que conduziu à loucura do "subprime".

Usando dados de Thomas Piketty e Emmanuel Saez, Acemoglu também ressalta que a dinâmica da distribuição de salarial no 1% de americanos com maior renda é outra. Como sugeriram Thomas Philippon e Ariell Reshef, o forte aumento do poder aquisitivo desse grupo parece mais interrelacionado com uma desregulamentação do setor financeiro (e, possivelmente, de outros setores). Em outras palavras, os grandes beneficiários de todo tipo de "inovações financeiras" durante as últimas três décadas não foram os pobres (nem mesmo a classe média), mas os ricos - as pessoas já muito bem remuneradas.

Finalmente, Acemoglu analisa o papel do apoio do governo federal ao setor habitacional. Não há dúvida de que os EUA vêm há muito tempo aportando subsídios a mutuários que residem em seus imóveis financiados - principalmente mediante dedução de juros financeiros do imposto de renda. Mas nada, nesse subsídio, explica o momento em que ocorreu o "boom" no setor habitacional e os absurdos nos empréstimos para compra de casas.

Os republicanos na FCIC apontam o dedo firmemente contra a Fannie Mae, Freddie Mac e outras empresas patrocinadas pelo governo que alimentaram os empréstimos para compra de moradias mediante garantias de vários tipos. Eles estão certos em dizer que Fannie e Freddie eram "grandes demais para (que o governo permitisse que viessem a) falir", o que lhes autorizou a tomar empréstimos mais baratos e assumir mais riscos -com muito pequeno lastro de capital próprio para garantir sua exposição.

Mas, embora Fannie e Freddie tenham se envolvido em hipotecas duvidosas (especialmente aquelas apelidadas de "Alt-A") e tivessem se envolvido em financiamentos com as financeiras originadoras diretas de empréstimos de quitação incerta, isso envolveu coisas relativamente pequenas - e, no fim do ciclo, (por exemplo, em 2004-2005). O principal sopro que inflou a bolha veio de toda a maquinaria de securitização de "bandeira privada" - que era exatamente isso: privada. Na verdade, como ressalta Acemoglu, os poderosos atores do setor privado tentaram sistematicamente marginalizar Fannie e Freddie e excluir as duas instituições dos segmentos de mercado em rápida expansão.

Os republicanos na FCIC têm razão em colocar o governo no centro do que deu errado. Mas esse não foi um caso de regulamentação excessiva e demasiadamente abrangente. Ao contrário, 30 anos de desregulamentação financeira, viabilizada pela captura dos corações e mentes dos legisladores e dos políticos dos dois partidos, deram a uma pequena elite do setor privado - principalmente em Wall Street - quase todos os benefícios da bolha habitacional.

Os eventos adversos foram empurrando para o resto da sociedade, especialmente os relativamente incultos e mal pagos, que agora perdeu suas casas, seus empregos, suas esperanças para seus filhos - ou todas as alternativas. Essas pessoas não provocaram a crise. Mas estão pagando por ela.


Fonte IHU

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