Amor e Fidelidade se encontram, Justiça e Paz se abraçam! (Sl 85,11)
O que é solidariedade? Vamos tentar responder esta pergunta com um caso altamente eloqüente. Êi-lo: Dona Rita vive na favela. A pobreza é grande. Muitas vezes, os filhos não têm o que comer. Cada manhã sai de casa para trabalhar. É empregada no bairro rico da cidade. Há dias que também passa fome. Mesmo assim, trabalha com afinco. Certa feita, ao meio-dia, lhe trazem um prato feito e abundante. Dona Rita não come. Apenas chora. Momentos depois, lhe trazem um copo de suco de caju. Perguntam:
“Dona, Rita, por que não come? Por que deixou o prato de lado?”
Dona Rita diz: ”Meus filhos em casa estão passando fome. Como posso comer se eles não comem?”
“Que é isso, Dona Rita?, atalha um outro empregado. A senhora não está com fome?”
“Sim estou, respondeu ela.”
“Então, coma! O que tem a ver isso com os seus filhos? Mate a fome, para poder ainda ajudar em casa e ter força para trabalhar.”
“Não, hoje não como, respondeu determinada Dona Rita. Se eu comer, esta comida me faz mal. Prefiro sentir o que meus filhos sentem, a fome, em vez de comer esta comida. Se não que mãe sou eu? Não quero deixar de ser mãe, por causa de um prato de comida.”
Dona Rita certamente não sabia definir o que é solidariedade. Mas a viveu plenamente. No seu sentido mais profundo e radical. Lá, naquele nível em que as pessoas se identificam com o destino das outras, no sofrimento e na alegria, na dor, na fome, na prostração, aí está a solidariedade.
Ser solidário é viver a vida a partir do outro e não a partir de si mesmo(a).
A Solidariedade pode ser comparada com uma escada: tem vários degraus; quanto mais sobe, mas alto se coloca. A solidariedade para ser eficaz deve ir gradativamente se qualificando, o que se dá subindo os seguintes degraus da solidariedade:
1.
Solidariedade em sentido único: Pode ser feita através de ajuda econômica. Não pode recair em esmola, nem em assistencialismo ou paternalismo. Não pode ser para aliviar a consciência de quem dá e nem mesmo criar a idéia que se está comprando um “passaporte para o céu”. Não pode gerar dependência.
2.
Solidariedade em dupla direção: Acontece no intercâmbio aonde A dá X e recebe Y e B dá M e recebe N. É uma “universidade mútua”. Por exemplo, A ajuda economicamente e recebe “em troca” lições de valores para a vida pessoal. Pode se verificar em intercâmbios entre Igrejas Irmãs, escolas irmãs, municípios irmãos, ONGs, Organizações de Solidariedade nacional e/ou internacional etc.
3.
Apoiar Movimentos Populares que estão na luta por Libertação. Dar um prato de comida a uma pessoa que bate na nossa porta é muito diferente do que dar um prato de comida para um sem terra que está em um acampamento (ou participando de manifestações de luta pela Reforma Agrária). A solidariedade para com quem está na luta coletiva e organizada é um gesto revolucionário: potencializa quem está no campo de batalha para transformar as causas da injustiça. Por exemplo, invés de adotar uma criança, adotar um “educador popular”. Quem adota um “educador popular” adota indiretamente centenas de crianças, “um povo inteiro”.
4.
Solidariedade com os excluídos e luta com os incluídos para destruir o sistema neo-liberal assassino da humanidade e para construir um sistema justo economicamente, democrático politicamente, equo socialmente, sustentável ecologicamente e ecumênico religiosamente. Não podemos esquecer que o neoliberalismo é um Dragão internacional que tem “o cérebro e o coração” no “1° Mundo” (nas transnacionais, países ricos e oásis de 1° Mundo no nosso meio) e “o rabo e patas” sobre o “3° Mundo” (os excluídos, exilados na própria terra). No “3° Mundo” se sente as conseqüências do que é planejado e realizado no “cérebro e coração” do Dragão neo-liberal. Golpear o coração da Idolatria do Mercado deve ser o nosso objetivo maior. No livro do Apocalipse se diz que o Dragão tem sete cabeças (Ap 12,3). Podemos considerá-las como sendo:
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Cabeça Econômica, que coloca o Mercado como o único absoluto;
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Cabeça Política, que faz democracia formal e aprova exclusão social, agressões militares etc;
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Cabeça cultural, que trombeteia a cultura do egocentrismo, do consumismo, da aparência, da beleza física, do ter, prazer, do gozar;
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Cabeça Religiosa, que abandona o Deus Libertador e se agarra ao Ídolo Capital construindo uma Religião da Idolatria do Mercado, aonde os Shopping Centers, Bolsas de Valores e Bancos são as catedrais adoradas por tantos;
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Cabeça Científica, que impulsiona uma ciência que corre atrás da produção transgênica, da biotecnologia, das máquinas sofisticadas, etc …. que é acessível somente aos bilionários. Com este tipo de ciência um cirurgião no Japão opera, através de computador, uma pessoa nos EUA, mas deixa morrer “na cruz” 1/3 da humanidade, vítimas de doenças originadas pela desnutrição. (Precisamos de uma “medicina” alternativa, popular, ecológica e gratuita, como está em gestação pelo Brasil afora através da Saúde alternativa: sistema bio-energético, cura pelo ferrinho, barroterapia, urinoterapia, fragancioterapia, soro caseiro etc);
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Cabeça Filosófica, que produz uma “Filosofia” do saber (sem sabor) para imperar, que nega o diferente, que impõe uniformidade, que defende o mito do racionalismo;
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Cabeça Militar, que investe somas astronômicas na corrida armamentista (U$ 800 bilhões por ano) produzindo armas (de guerra e pessoais) e incentivando as pessoas a se armarem como se vivêssemos entre leões. Até os juros exorbitantes da Dívida E(x)terna que pagamos movimenta a indústria bélica no mundo. Quantos milhões de irmãos nossos africanos já foram assassinados com as minas anti-homem? Quantos estão mutilados? Será necessário mais de 50 anos para eliminar as minas anti-homem espalhadas pela África a fora.
A cabeça do Dragão (neoliberalismo) que mais aparece é a econômica, mas esta impera graças às outras “cabeças” que a sustentam.
O profeta destemido Dom Pedro Casaldáliga, na homilia da Celebração da Terra Sem Males, no 10° INTERECLESIAL em Ilhéus, disse, entre outras coisas: “No princípio era uma COMUNIDADE de amor, a Santíssima Trindade. Tudo foi feito por Deus para a eternidade. Deus se encarnou em Jesus, nascido de mulher, em uma colônia do Império… Todo movimento que desencarna a fé cristã é idolátrico. No sonho de Deus está o nosso sonho: a Terra Sem Males. Deus é quem quer a Terra Sem Males. Não é somente uma causa nossa, é a causa de Deus. Nós devemos ser testemunhas desta luz. Nos últimos 500 anos tivemos uma evangelização violenta e violentadora, prostituída e prostituidora… As trevas de hoje são pecados, mas têm um nome próprio para os indígenas, porque eles não são capital, não são ídolos, não são qualidade total. Se não quisermos cometer os pecados do passado devemos denunciar o Neoliberalismo como o maior MOLOC de todos os tempos, que gera a maior guerra de todos os tempos. O neoliberalismo hoje é na verdade uma Globocolonização… A trindade Divina foi diminuída, foi rebaixada, com o massacre indígena. Mas a Terra Sem Males é o sonho de Deus, é o maior sonho que a humanidade pode ter.”
Frei Gilvander
Frei e padre carmelita
Formou-se em Filosofia e Teologia e é Mestre em Exegese Bíblica. Realiza trabalhos pastorais em Comunidades Eclesiais de base nas periferias de Curitiba, Belo Horizonte e São Paulo. É assessor da Comissão Pastoral da Terra - MG, acompanhando romarias e formação de lideranças rurais, entre outras atividades.
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