quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Por uma cidadania planetária


Marcelo Barros


Nesta semana, exatamente, no dia 10 de dezembro, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU completará 62 anos. Ao festejar este aniversário, a humanidade pode comemorar o fato de que, por todo o planeta, se enraíza uma consciência ética de que todo ser humano é portador de direitos inalienáveis. Muitos destes direitos estão incluídos nas leis e constituições nacionais. De 1948 para este começo de século, a ONU se firmou como interlocutora de muitos conflitos internacionais. Apesar de ainda se deixar dominar pelos governos mais poderosos do mundo, tem colaborado para o diálogo e a paz entre os povos. Atualmente, além dos países, a ONU admite em sua assembléia geral representantes de organizações indígenas, consultores da sociedade civil e tem um diálogo construtivo com organismos internacionais como o Tribunal Internacional de Justiça e várias organizações que no mundo inteiro trabalham pela consolidação dos direitos humanos individuais e também coletivos (direitos dos povos, das nações indígenas e das diversas culturas).

Problemas novos e antigos se acumulam e a ONU se revela frágil e incapaz de resolvê-los. Apesar de que a Declaração dos Direitos Humanos, assinada em 1948 por 190 países, afirma que as pessoas têm o direito de migrar e de morar em qualquer rincão do planeta Terra, as nações ricas constroem muralhas mais discriminatórias e odiosas do que a cortina de ferro destruída em Belém há 21 anos. As mercadorias circulam de um continente a outro. As pessoas que tentam passar as fronteiras de um país a outro são presas e punidas. O governo francês persegue impunemente os ciganos e os expulsa sumariamente do país, um território onde eles transitam por séculos. Em nome da segurança nacional, vários governos se sentem com o direito de desnudar pessoas em aeroportos e expor os passageiros ao risco de radiações até hoje não controladas em aparelhos para detectar metais. Governos ricos que detêm centenas de mísseis nucleares em suas bases militares ameaçam invadir um país pobre se este construir uma usina para processamento de urânio, mesmo que seja para fins médicos ou de engenharia civil. Tudo isso para manter nos Estados Unidos o lucrativo monopólio do enriquecimento de urânio.

Nesta última década, a novidade maior é que a sociedade civil tem reagido a estes problemas e tem se organizado internacionalmente. Hoje há uma consciência de cidadania universal que se revela nos diversos fóruns sociais e temáticos, além de se manifestar pela paz e pela ecologia em diversos momentos dos anos recentes. O governo dos Estados Unidos pode manter o seu poderio militar e continuar torturando presos políticos no campo de concentração de Guantânamo. Mas, não tem mais moral para falar de democracia e de direitos humanos, nem se arvorar como juiz de outros povos.

No mundo inteiro, se fortalece o movimento para se criar uma ONU não só de governos, mas da sociedade civil internacional. Fóruns como o recente que ocorreu no Cazaquistão em outubro pedem uma Constituição internacional da humanidade que defina uma ética comum a partir da qual os povos possam construir a consciência de uma cidadania planetária e de paz. Sem dúvida os meios de comunicação social têm uma função importantíssima neste processo educativo dos povos. De fato, no interior do Brasil, as pessoas já se sentem envolvidas com um acidente que vitimou mineiros do outro lado do mundo (Nova Zelândia) ou a história de uma criança de três anos que caiu em um poço na Argentina e foi salva depois de sete horas de luta intensa e risco de vida dos bombeiros. Entretanto, é preciso não só sentir compaixão, mas reagir solidariamente diante da epidemia de cólera que vitima o povo haitiano já tão sofrido pelas continuas dominações dos Estados Unidos e pelo recente terremoto que destruiu parte do país.

Nesta preparação do Natal, Igrejas e organizações da sociedade civil estão propondo às pessoas que, ao organizar seus gastos de Natal, reservem uma espécie de dízimo de solidariedade que não precisa ser necessariamente a décima parte, mas uma cota efetiva e significativa para a solidariedade ao povo do Haiti e, mesmo em nosso país, a construir uma sociedade de paz. Então, sim, veremos se realizando no mundo o que vários séculos antes de Cristo, o profeta Isaías já prometia e as Igrejas proclamam cada ano na noite de Natal: "O povo que perambulava na escuridão viu uma grande luz. Para as pessoas que jaziam sob a sombra da morte, uma luz resplendeu. (...) A canga de escravos que lhes pesava no pescoço, a vara que lhes batia nos ombros, o chicote dos seus algozes... foram quebrados. Toda bota militar que pisa forte o solo e o fardamento sujo de sangue serão jogados ao fogo porque nasceu-nos, hoje, uma criança. Um filho nos foi dado. O seu nome é Conselheiro Maravilhoso e Artífice da Paz" (Is 9, 1- 6).

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