quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Pacote Cancún




Não se esperava da 16ª Conferência das Partes (COP-16) da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima, no México, que resultasse em um novo tratado para substituir o Protocolo de Kyoto. O mau resultado de Copenhague (COP-15), há um ano, contaminara toda a atmosfera de negociação. Com expectativas tão rebaixadas, o Pacote de Cancún --como está sendo chamado-- até que não decepcionou por inteiro.

A meta da negociação é chegar a um acordo internacional para redistribuir entre os 194 membros da convenção parcelas no esforço de conter o aquecimento global. O meio são cortes nas emissões de gases como o dióxido de carbono (CO2), que retêm radiação do Sol na atmosfera e a esquentam. Em Kyoto, só países desenvolvidos assumiram compromissos de redução.

Tais reduções exigem grandes investimentos, como na migração para fontes renováveis de energia. Dependendo do grau de dependência de uma nação em relação a combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural, grandes fontes de CO2), sua competitividade internacional pode ser afetada de modo significativo.

Kyoto expira em 2012, e seu substituto já deveria estar pronto para detalhamento em cada país e adoção como lei pelos respectivos Parlamentos (ratificação). Os EUA nunca ratificaram o protocolo, e o Japão chegou a Cancún dizendo que não aceitaria um segundo período do tratado se na COP-16 não surgisse um acordo com obrigações para os americanos e grandes países em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil.

O impasse em Cancún foi superado pela via clássica da diplomacia: adiou-se a decisão para Durban, na África do Sul, onde se realizará a COP-17. Ganha-se, assim, um ano para mais tratativas. Ou perde-se, se o resultado for encarado do ângulo do combate e prevenção da mudança do clima.

A cada ano que passa, torna-se mais difícil alcançar o objetivo de manter o aquecimento da atmosfera abaixo de 2ºC. Para isso, seria preciso que as emissões conjuntas de todos os países fossem cortadas entre 25% e 40% até 2020.

Tal coisa é impossível de realizar sem os EUA. Estes mal se moveram nessa direção e têm dificuldade de fazê-lo, agora, sob o duplo efeito da crise econômico-financeira e do avanço do Partido Republicano, que impede aprovar legislação para reduzir emissões. É pouco provável que a situação se altere até Durban, deixando pouco espaço para um acordo vinculante com a participação dos EUA, mesmo após um ano adicional de negociações.

De todo modo, Cancún não ficou refém desse impasse. A COP-16 oficializou o maldenominado Acordo de Copenhague, que, apesar de incluir compromissos voluntários de redução de gases do efeito estufa por China, Índia, Brasil e vários outros países, não chegara a ser adotado de modo formal em plenário. Agora, um ano depois, essas metas passam a fazer parte de um documento da ONU sob a égide da Convenção sobre Mudança do Clima.

Ainda que não se tenha decidido se Kyoto terá um segundo período, e qual ou com quais metas, pelo menos o protocolo não saiu aniquilado. Chegou-se a um acordo sobre as regras básicas para dar partida na remuneração da preservação de florestas, o chamado Redd (redução de emissões por desmatamento e degradação florestal).

Lançou-se também um Fundo Verde, que será provisoriamente administrado pelo Banco Mundial, para gerir os recursos que já haviam sido prometidos em Copenhague pelos países mais ricos (US$ 30 bilhões até 2012, mais o compromisso de chegar a 2020 com US$ 100 bilhões anuais). Criou-se um Comitê de Adaptação, para organizar a destinação de metade desses valores à preparação das nações mais pobres e vulneráveis para enfrentar enchentes, erosão e doenças, por exemplo.

A maior conquista de Cancún, porém, foi ter conseguido evitar que o sistema multilateral de negociação sobre o clima entrasse em colapso. Esteve perigosamente perto disso, com o obstrucionismo inflexível da Bolívia, que no entanto perdeu o apoio de Venezuela e Cuba e terminou isolada.

O pacote de documentos de Cancún foi aprovado contra o voto boliviano, situação inusitada no contexto da ONU, onde é praxe adotar decisões por consenso. Para a maioria dos negociadores em Cancún, a seriedade da questão do clima justifica esse desvio da regra básica do multilateralismo. A questão não respondida é se esse é de fato o processo mais indicado para chegar a decisões racionais sobre algo tão central para a economia de cada país.


MARCELO LEITE

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