sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Mudança climática: a última coisa que a África precisava







Se as temperaturas continuarem aumentando, será muito difícil fazer algo para se adaptar em muitas partes do planeta.

Com um mundo dois graus mais quente, a escala real do problema da segurança alimentar na África exigirá enormes investimentos.

A África será uma das regiões mais atingidas pela mudança climática, o que ameaçará a segurança alimentar do continente, adverte um estudo que será publicado em janeiro.

A previsão é de que, já em 2035, se as temperaturas mundiais aumentarem dois graus, a África austral poderá ter um aumento médio de 3,5 graus em suas temperaturas.

A África será uma das regiões mais atingidas pela mudança climática, o que ameaçará a segurança alimentar do continente, adverte um estudo que será publicado em janeiro. A previsão é de que, já em 2035, se as temperaturas mundiais aumentarem dois graus, a África austral poderá ter um aumento médio de 3,5 graus em suas temperaturas.

O Centro Hadley do escritório britânico de meteorologia alertou que as temperaturas mundiais média podem alcançar um aumento de quatro graus em 2060 se não diminuírem as emissões de dióxido de carbono e de outros gases de efeito estufa. “O prognóstico para a agricultura e a segurança alimentar na África subsaariana em um mundo quatro graus mais quente é funesto”, escrevem os autores de uma edição especial do “Philosophical Transactions of the Royal Society”, que será publicado em janeiro.

“Um aumento de quatro graus será horrível e deve ser evitado a todo custo”, disse Philip Thornton, do Instituto Internacional de Pesquisa em Pecuária de Nairobi, co-autor de um informe para essa publicação especial intitulado “Four Degrees and Beyond: The Potential for a Global Temperature Increase of Four Degrees and its Implications” (Quatro graus e mais: O potencial de um aumento de quatro graus nas temperaturas globais e suas implicações). “Esta edição especial é um chamado à ação, para que possamos evitar semelhante futuro”, disse Thornton a IPS/Terra Viva.

Ainda que surja um novo tratado climático na 16ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (COP-16), que se realiza até 10 de dezembro, em Cancún, o aumento de dois graus parece inevitável, sustentou. Em uma perspectiva realista, ninguém espera um tratado climático exaustivo por vários anos. Isso significa que a África austral poderá ser 3,5 graus mais quente e muito mais seca no futuro, acrescentou Thornton. “As coisas serão muito difíceis para a agricultura que se alimenta de chuvas nesta região”, advertiu. Mesmo um aumento de dois graus seria devastador para África do Sul, Zimbabwe, Botswana e outros países vizinhos, disse Lance Greyling, integrante do parlamento sul-africano.

“Não podemos ter (um aumento de) mais de 1,5 graus no mundo, e essa tem sido a posição da África desde a COP de Copenhague”, que se realizou há um ano, disse Greyling em uma entrevista realizada no México, no fórum sobre mudança climática da Organização Global de Legisladores para o Equilíbrio Ambiental (Globe). A água é uma enorme limitação que pesa sobre a agricultura e a economia da África do Sul, dado que 98% dos recursos de água doce já estão assinalados. Será preciso trabalhar muito para ajudar os agricultores a se adaptarem a estas novas condições, o que incluirá o desenvolvimento de variedades resistentes ao calor e às secas, acrescentou Thornton.

Aprender de outras regiões com condições similares às esperadas na África austral entre os próximos 20 e 30 anos, assim como trazer sementes dessas regiões, terão que fazer parte da estratégia de adaptação. Isso também significa que cultivos que requerem grandes quantidades de água, como o milho, terão que ser substituídos por mandioca, sorgo e outras gramíneas. Isso implicará uma mudança social, dado que a população local prefere amplamente o milho e a preparação dos demais cultivos é diferente e pode ser mais difícil. “É um desafio enorme”, opinou Thornton.

As projeções climáticas para o resto da África subsaariana estão menos claras em um mundo dois graus mais quente. As mudanças nos padrões que regem estações e chuvas vêm ocorrendo há 20 ou 30 anos, e a previsão é de que elas continuem. Temperaturas mais elevadas significam que os cultivos necessitarão de mais água, e se prevê que as chuvas serão similares ou menos abundantes, especialmente nas regiões secas. E, o que é mais importante, é provável que as chuvas diminuam, com a ocorrência de períodos secos mais extensos na média, o que dificultará a atividade agrícola à medida que o planeta se aqueça.

O estudo conclui que em um mundo dois graus mais quente, o custo para alcançar o Objetivo de Desenvolvimento das Nações Unidas para o Milênio para a segurança alimentar – reduzir pela metade a proporção de pessoas com fome em 2015 – ficará entre 40 e 60 bilhões de dólares anuais. “E mesmo com esse investimento, os sérios danos causados pela mudança climática não serão evitados”, disse.

Para 2050, os países do Sahel, região situada ao sul do deserto do Saara, experimentarão condições de cultivo que atualmente não tem parâmetro no mundo, disse Sonja Vermeuleun, subdiretora de pesquisas no programa sobre Mudança Climática, Agricultura e Segurança Alimentar, lançado semana passada em Cancún. Trata-se de uma iniciativa de pesquisa que receberá 200 milhões de dólares e buscará estudar os impactos da mudança climática sobre a agricultura. Espera reduzir 10% a pobreza em regiões pontuais e diminuir 25% a quantidade de produtores rurais desnutridos em 2020. Essas condições climáticas sem precedentes tornam difícil, senão impossível, cultivar alimentos. Não há possibilidade de adaptação sem recursos significativos procedentes do exterior, assinalou Vermeulen em um comunicado.

Os crescentes riscos da mudança climática vão mais além do atual espectro de abordagem das comunidades locais ou das instituições nacionais, disse Janice Jiggins, da Universidade e Centro de Pesquisa de Wageningen, na Holanda. Em tese, as perdas da África poderiam ser compensadas com os ganhos derivados da produtividade em regiões mais ao Norte, como Canadá e Rússia. No entanto, contar com isso é uma estratégia muito arriscada, sustentou. “Não podemos confiar na redistribuição de recursos via comércio como um mecanismos de adaptação”, disse Jiggins a IPS/Terra Viva.

Estudos prévios mostraram que, com um aquecimento inferior a dois graus, os preços mundiais dos grãos provavelmente duplicarão em 2050 ou antes. “Outros 25 milhões de crianças poderão estar desnutridas”, disse Gerald Nelson, pesquisador do Instituto Internacional de Investigação sobre Políticas Alimentares, com sede em Washington. Esses estudos só se fixaram nas mudanças de temperaturas e de chuvas e as mudanças mês a mês foram drásticas, disse Nelson a IPS/Terra Viva.

Todavia, falta incorporar os impactos sobre o gado. Se as temperaturas continuarem aumentando três, quatro graus, será muito difícil fazer algo para se adaptar em muitas partes do mundo, assinalou. Inclusive com um mundo dois graus mais quente, a escala real do problema da segurança alimentar na África tem sido subestimada e exigirá enormes investimentos, concluiu Thornton. “É completamente injusto que a África, mesmo não sendo realmente responsável pelo problema, receba o maior impacto negativo sobre seu setor agrícola. “A última coisa que a África precisava era a mudança climática”, resumiu.


Stephen Leahy - IPS/Terra Viva

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