O estudo e a leitura da Bíblia devem ser considerados como desencadeadores de uma espiritualidade que possa fazer sentido para hoje.
A tradição protestante já se deu conta disso há mais tempo. Porém, apesar dos 500 anos de evangelização católica na América Latina, um esforço de popularização da leitura da Bíblia só aconteceu com o estímulo do Concílio Vaticano II, a partir da década de 1960, e o surgimento das comunidades eclesiais de base, na década de 1970.
Só posteriormente que se passou ao estudo nas paróquias e dioceses, independentemente das liturgias dominicais, com o aumento do desejo das pessoas de conhecer e entender melhor a Bíblia.
Essa iniciativa se espalhou rapidamente nas diversas regiões do Brasil e da América Latina, sempre tentando encontrar as relações entre a vida e a Palavra de Deus. Surgiu, então, um interesse crescente pela Bíblia, e muitos textos começaram a ser lidos e comentados pelo povo mais pobre, com a ajuda de agentes de pastoral preparados para isso.
O interesse era de tornar a compreensão dos textos escriturísticos mais próximos das camadas populares, desenvolvendo-se um método que acessível às pessoas mais simples.
Carlos Mesters foi um dos autores que se tornou conhecido por desenvolver uma metodologia adequada a essa iniciativa. Mesters, nascido na Holanda, veio para o Brasil aos 17 anos (em 1949) junto com os carmelitas e desenvolveu seus estudos filosóficos e teológicos.
Em 1978, fundou em Angra dos Reis o Centro de Estudos Bíblicos – CEBI, entidade que vem promovendo encontros, cursos, publicações e divulgação de subsídios destinados à pastoral bíblica, buscando ao mesmo tempo o aprofundamento do método exegético a partir dos pobres.
Com uma extensa obra, Mesters se destaca pela preocupação com um projeto de leitura global da Bíblia, como é o caso de Leitura Orante da Bíblia, publicado a partir de 1990, depois chamado de Tua Palavra é a Vida.
Um itinerário pode ser traçado para o seu método:
a) a elaboração de um diagnóstico sobre a falta de adequação entre a proposta dos representantes e agentes da igreja e a mentalidade religiosa popular;
b) a escuta e observação atenta das pessoas das camadas populares com suas características e contribuições, com a constatação de uma fé, ainda que não alinhada com a ortodoxia, revelava uma ação do Espírito Santo; c) o desenvolvimento de uma atitude pessoal de aprendiz, fazendo-se “aluno da realidade” e “discípulo dos pobres”, do mesmo modo como antes aprendera a se fazer aluno dos bancos acadêmicos e discípulo da Bíblia e da igreja;
d) a simplicidade na relação entre a Bíblia e a própria vida;
e) ênfase no fato de que a leitura popular da Bíblia é essencialmente comunitária;
f) emprego de um instrumental científico básico, que é o método histórico-crítico, que permite o acesso ao sentido literal e original do texto bíblico;
g) a mudança na mentalidade dos pobres a partir da descoberta de que a Bíblia lhes é acessível e de que eles podem ser protagonistas na vivência do Evangelho; h) a fidelidade consciente ao magistério da igreja; i) e o alcance do objetivo principal da leitura, que é interpretar a vida com a ajuda da Bíblia.
O método é baseado em um triângulo, no qual o autor faz notar que há um pré-texto (realidade) e um contexto (comunidade de fé) que determinam o “lugar” de onde se lê e interpreta o texto. Desse lugar é que surge o “novo olhar” com que o povo lê a Bíblia hoje na América Latina.
O novo sujeito hermenêutico são as pequenas comunidades de fé, que leem a Bíblia buscando uma resposta para sua vida e para o sofrimento cotidiano. Elas constituem o que ele chama de “contexto” em que a Bíblia é lida de tal maneira que faz soar a mensagem do Espírito para a igreja de hoje.
O cristão atua como sujeito que lê as Escrituras, qualquer que seja o seu lugar social, cuja tendência é projetar sobre o texto não só a luz da fé, mas também aquela que vem da realidade na qual está inserido.
É ele intérprete como sujeito histórico, com uma leitura condicionada por uma compreensão prévia, que surge do seu contexto vital, de pobreza e luta, conflito e esperança que o caracteriza.
Faz com que se reconheçam em certos episódios e personagens bíblicos, tornando desta maneira o texto do passado algo vivo e interpelador ou estimulante no presente.
O método empregado por Mesters se assemelha à proposta “Ver – Julgar – Agir”, da Ação Católica, e retoma ao mesmo tempo os passos da Lectio Divina. Sua forma simples de aplicação nos círculos bíblicos, no entanto, vem despertando novas perspectivas, sobretudo com o avanço tecnológico e a globalização.
Aspectos como os de gênero e que os que contemplam pessoas que sofrem discriminação são levados também em consideração nas propostas de leitura popular da Bíblia.
Além disso, o crescente problema da violência nos contextos urbanos exige novas iniciativas de ler a Bíblia a partir do contexto vital.
Até mesmo a definição do que vem a ser pobre deve incluir não só os desprovidos de bens e serviços, mas também todos os pecadores e destituídos de esperança.
O que se pode chamar de novo pobre é vítima de um sistema muitas vezes injusto e violento, dando margem a preconceitos e moralismos
Irenio Silveira Chaves, pastor, filósofo e teólogo. Nascido em Salvador, BA, em 22 de março de 1959
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