quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

‘A Colômbia tornou-se a Israel da América Latina para desestabilizar a região’




O advogado de direitos humanos Jorge Molano relata a violação de direitos humanos na Colômbia e a impunidade de militares e paramilitares diante da Justiça

María José Esteso Poves


Jorge Eliécer Molano é um advogado colombiano que está há 23 anos na defesa dos direitos humanos. Cuidou de casos como o desaparecimento de 11 presos depois da tomada do Palácio de Justiça em 1985; o massacre na comunidade de São José de Apartadó, em que duas crianças foram degoladas por militares e paramilitares; o vínculo de quatro generais colombianos na criação de grupos paramilitares; o assassinato de um estudante durante a invasão de militares na Universidade. Agora, Molano denuncia a atuação do serviço de inteligência da Colômbia, o Departamento Administrativo de Segurança (DAS), depois das revelações da Procuradoria da Colômbia que trouxeram à luz que, durante o mandato de Álvaro Uribe, o DAS investigou políticos, sindicalistas, jornalistas e defensores de direitos humanos (colombianos e espanhois) para difamá-los. Durante esses anos, Molano foi ameaçado.

Por parte de que setores o senhor foi ameaçado por sua defesa dos direitos humanos?

Jorge Molano - As ameaças vieram do Ministério da Defesa e foram transmitidas pela vice-presidência da Colômbia em 2008. Me disseram que corria um risco extraordinário, perguntei de onde vinha esse risco, mas não responderam. Nesse ano o governo me disse que, depois de se reunir com a Junta de Generais e o ministro da Defesa, os militares não viam bem meu trabalho porque estava "atacando a honra militar" e, inclusive, pediram que saísse do país.

Um dos casos que você denunciou é o desaparecimento dos presos depois da tomada do Palácio de Justiça em Bogotá em 1985.

Esses fatos ocorreram há 25 anos. Agora a Justiça colombiana proferiu a sentença. Onze pessoas do grupo guerrilheiro M19 foram tiradas pelo Exército colombiano do Palácio, em pleno centro da capital, com câmeras de televisão que registraram essa saída. Nunca mais se soube deles. Foram levados a prisões militares e morreram por torturas. Isso foi denunciado e fez-se um processo judicial, em que as intimidações foram uma prática recorrente. Passados 13 anos, o advogado responsável pelo caso conseguiu abrir a vala, de onde foram exumados os corpos, mas foi assassinado em 18 de abril de 1998. O juiz que condenou em julho o general Plazas Vega teve que abandonar o país por ameaças 15 dias depois de proferir a sentença. A promotora que orientou o caso foi afastada do cargo por pressões do Exército e de setores políticos. Estamos esperando que se julguem vários generais, isso é positivo, mas o governo não tem vontade de cumprir isso. O general Plazas Vegas já foi condenado a 30 anos por todos esses acontecimentos. Mas está preso em sua residência, uma casa de 600 por 400 m². Além disso, no ano passado, enquanto estava submetido a julgamento, Plazas Vegas foi contratado pela Universidade Militar para ensinar a disciplina de Guerra Jurídica, em que os advogados de Direitos Humanos somos considerados - depois da guerrilha - como a segunda frente de subversão do país.

Que envolvimento tem o ex-presidente Álvaro Uribe nas investigações ordenadas ao serviço secreto DAS contra defensores de direitos humanos?

Durante oito anos de governo de Uribe estivemos diante de um presidente incapaz, que não sabia o que se passava, ou diante de um presidente que dirigiu uma empresa criminal. A ação do DAS, além disso, ultrapassou fronteiras, foi uma ação feita com a Operação Liberdade em diferentes países contra cidadãos europeus, deputados espanhois e membros do Parlamento Europeu. Essas ações de espionagem estão relacionadas com assassinatos posteriores, deslocamentos da população e atentados. Todos esses fatos podem ser considerados como um crime contra a humanidade, como reconhece a ONU. Uribe tem que responder [por isso]. Será julgado pela Comissão de Acusações do Congresso, que alguns preferem chamar de comissão de absolvições, porque nos últimos 50 anos não resolveu nenhum caso sob o argumento de que todas as denúncias são infundadas. Temos dúvidas de que o promotor atue contra os quatro diretores do serviço secreto ligados a atividades criminosas. O novo governo também tem dado cargos aos envolvidos. Quando se conhecem os fatos, a Promotoria ordena confiscar os computadores e a documentação do DAS. A decisão passa pelo diretor do DAS. Mas os detetives guardaram muita informação para se proteger. O que mais preocupa é que o diretor atual do DAS é a pessoa que recebeu o aviso da ação e que mandou destruir as provas.

Que implicação tem a CIA e que interesses econômicos se escondem atrás desses fatos?

A maioria dos equipamentos com os quais foram feitas as escutas foram fornecidos pelos Estados Unidos. Inclusive as chaves dos escritórios do DAS na capital estavam em poder de membros da embaixada dos Estados Unidos. A Colômbia tornou-se a Israel da América Latina e tem realizado um papel desestabilizador na região. Em um dos informes da Promotoria, fica claro que o serviço secreto da Colômbia estava financiado pela CIA com o propósito de se infiltrar na representação diplomática da Venezuela, Equador e Cuba. A pressão internacional aumentou, mas a União Europeia, que está ciente dos assassinatos que foram cometidos e dos vínculos entre militares e paramilitares, prefere olhar para outro lado. Avançou, ganhando inclusive espaço na União Europeia, a assinatura de um acordo de livre comércio. É incrível que prevaleçam os interesses econômicos sobre os direitos humanos.

Qual o número de desaparecidos políticos nos últimos anos?

As estatísticas oficiais falam de 42 mil desaparecidos desde 1980. Segundo a Medicina Legal, um organismo da Promotoria Geral, nos últimos três anos 7.060 colombianos desapareceram forçadamente. Diante disso se afirma que a Colômbia é a democracia mais antiga da América Latina. Qualquer um pode pensar que temos vivido uma ditadura. Os números superam amplamente os desaparecidos na ditadura de Pinochet, no Chile, as juntas militares argentinas e as ditaduras do Uruguai e Paraguai.

Massacre de Apartadó: "Provou-se que militares e paramilitares atuaram juntos"

Que avanços foram feitos na investigação do massacre de San José de Apartadó?

Esse processo é bastante doloroso. Como defensor dos direitos humanos, o que mais me comove é pensar na imagem de Santiago, um bebê de 18 meses que foi degolado. O argumento dos que o degolaram era que o mataram para que, quando fosse adulto, não fosse um subversivo e para que não reconhecesse os assassinos. Primeiro o governo atribuiu os fatos às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). O que ocorreu foi que um coronel do Exército colombiano recebeu dinheiro dos paramilitares para comprar testemunhos que acusaram as Farc. Depois de três ou quatro anos, conseguimos que a investigação fosse aberta. Vinculou-se uma pessoa da Brigada 17 que havia atuado com os paramilitares. Ficou comprovado que os paramilitares foram convocados para chegar de diferentes lugares. Dois dias depois, o Exército foi convocado para se reunir com paramilitares no mesmo lugar. Durante cinco dias militares e paramilitares marcharam juntos, dormiram no mesmo lugar e, durante o massacre, estiveram juntos. A Justiça colombiana decidiu processar os dez militares, um julgamento ao qual assistiram observadores da Espanha, Suécia e Estados Unidos, entre outros países. A juíza decidiu em 4 de agosto deste ano absolver os militares porque considerou que não ficou provado que tinham um pacto com os paramilitares e considerou que não é um crime desmembrar uma menina de quatro anos e um bebê de 18 meses.


Brasil de Fato

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