sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Vantagens e Inconvenientes da globalização comercial


Aqui está o paradoxo: o comércio aberto é mais fundamental que nunca para a economia mundial e um sistema de comércio multilateral, baseado em regras, nunca foi de tão vital importância para a prosperidade e a paz globais como agora. E isso não é fácil. As rapidamente emergentes potências, como China, Índia e Brasil jogam atualmente um papel que era inimaginável até 20 anos atrás. Mas, dado que o número de atores cresce e que sua participação se fortalece, a cooperação se torna mais difícil, especialmente quando os interesses são divergentes.
A análise é de Pascal Lamy



GENEBRA, Nov (IPS) – O panorama do comércio mundial mudou profundamente na última década e penso que o fez mais profundamente do que podemos compreender.

Essas mudanças estão sendo impulsionadas parcialmente pela abertura do mercado, mas principalmente pelas tecnologias do transporte, as comunicações e a informação. Agora custa menos levar um contêiner de Marselha a Shangai, o que significa recorrer meio mundo, do que manda-lo de Marselha a Avignon, cuja distância entre si é de 100 quilômetros.

Um resultado dessas mudanças é a globalização continuada do comércio. Apesar da crise recente, as exportações mundiais foram 30% mais altas em 2009 do que em 2000 e uns 150% maior que em 1990. Nem todos os setores estão se expandindo no mesmo ritmo: as exportações de produtos industrializados estão subindo, as de matérias primas estão crescendo ininterruptamente e as agrícolas estão em grande medida estáticas. Mas a tendência é em direção à aceleração do crescimento. Nunca antes a economia mundial esteve tão relacionada com o comércio.

Outro resultado é a virada no que concerne ao poder econômico do Leset e do Sul, que se registra à medida em que os países em desenvolvimento aproveitam a globalização para “alcançar” o Ocidente industrializado. A participação dos países em desenvolvimento no comércio mundial cresceu em um terço a mais da metade só em 15 anos. É claro que nem todos os países em desenvolvimento são beneficiados por essa expansão, mas alguns que se converteram em grandes exportadores, como China, Índia, Brasil e outros estão crescendo a taxas historicamente sem precedentes.

Outra novidade é a proliferação de cadeias de produção integradas globalmente. Com efeito, indústrias globais localizam diversos setores de sua produção nos mercados com custos mais eficientes. No entanto, pensamos que o comércio mundial se efetua entre nações, como o entendia Adam Smith no século XVIII, mas na realidade a maior parte do comércio agora tem lugar dentro de companhias multinacionais e de seus provedores. Não é a competição entre China e Estados Unidos que se torna tão relevante, frente que há entre, por exemplo, as cadeias produtivas da Nokia e da Samsung. Em lugar de “made in China” a marca de um iPhone deveria dizer “Feito no mundo”, dado que os microchips são japoneses, o design é estadunidense, as telas planas de cristal líquido são coreanas e a montagem é chinesa.

Estas novas realidades também nos forçam a reexaminar como analisar o conceito de “comércio internacional”. Com tanto comércio que envolve hoje companhias estrangeiras dentro de jurisdições nacionais e com tantos componentes que atualmente se entrecruzam as mesmas fronteiras em múltiplas oportunidades, que necessitamos de um novo enforque para as estatísticas comerciais que meçam o valor agregado em cada fase da cadeia de produção e não só no lugar em que o produto foi terminado.

Aqui está o paradoxo: o comércio aberto é mais fundamental que nunca para a economia mundial e um sistema de comércio multilateral, baseado em regras nunca foi de tão vital importância para a prosperidade e a paz globais como agora. E isso não é fácil. O sistema comercial se tornou mais difícil de administrar à medida que também se tornou mais importante do que nunca. A espetacular redução das barreiras fronteiriças pôs em evidência diferenças estruturais mais profundas em parâmetros, regras ou sistemas legais, que estão gerando novas “fricções entre sistemas” as quais estão se demonstrando árduas de resolver.

Dado que o comércio se converteu em algo tão importante para as estratégias de desenvolvimento, estas também se tornaram cada vez mais importantes para o sistema. De fato, o desenvolvimento ocupa o centro do cenário nas atuais negociações comerciais da Rodada de Doha. E as regras do sistema em seu conjunto tiveram de se tornar mais técnicas, ter maior ingerência e ser mais vinculantes em relação a economias que, embora diversas, são muito mais interdependentes.

À medida que o sistema se torna mais importante, também exerce um enorme impulso gravitacional sobre os países para que estes se associem e participem. A Organização Mundial do Comércio (OMC) se expandiu e de apenas 23 membros que tinha em 1947 passou a ter hoje 153 e facilmente poderia chegar a 180, dentro de uma década. Estados Unidos, União Europeia e Japão seguem sendo atores-chave na OMC, mas já não são mais dominantes. As rapidamente emergentes potências, como China, Índia e Brasil jogam atualmente um papel que era inimaginável até 20 anos atrás. Mas, dado que o número de atores cresce e que sua participação se fortalece, a cooperação se torna mais difícil, especialmente quando os interesses são divergentes.

(*) Pascal Lamy é Diretor Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Tradução: Katarina Peixoto

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