Por José Cláudio Souza Alves - do Rio de Janeiro
Nós que sabemos que o “ inimigo é outro ”, na expressão padilhesca, não podemos acreditar na farsa que a mídia e a estrutura de poder dominante no Rio querem nos empurrar .
Achar que as várias operações criminosas que vem se abatendo sobre a Região Metropolitana nos últimos dias , fazem parte de uma guerra entre o bem , representado pelas forças publicas de segurança , e o mal , personificado pelos traficantes, é ignorar que nem mesmo a ficção do Tropa de Elite 2 consegue sustentar tal versão .
O processo de reconfiguração da geopolítica do crime no Rio de Janeiro vem ocorrendo nos últimos 5 anos .
De um lado Milícias , aliadas a uma das facções criminosas, do outro a facção criminosa que agora reage à perda da hegemonia .
Exemplifico. Em Vigário Geral a polícia sempre atuou matando membros de uma facção criminosa e, assim , favorecendo a invasão da facção rival de Parada de Lucas. Há 4 anos , o mesmo processo se deu. Unificadas, as duas favelas se pacificaram pela ausência de disputas . Posteriormente , o líder da facção hegemônica foi assassinado pela Milícia . Hoje , a Milícia aluga as duas favelas para a facção criminosa hegemônica .
Processos semelhantes a estes foram ocorrendo em várias favelas . Sabemos que as milícias não interromperam o tráfico de drogas , apenas o incluíram na listas dos seus negócios juntamente com gato net, transporte clandestino , distribuição de terras , venda de bujões de gás , venda de voto e venda de “ segurança ”.
Sabemos igualmente que as UPPs não terminaram com o tráfico e sim com os conflitos . O tráfico passa a ser operado por outros grupos : milicianos, facção hegemônica ou mesmo a facção que agora tenta impedir sua derrocada , dependendo dos acordos .
Estes acordos passam por miríades de variáveis : grupos políticos hegemônica na comunidade , acordos com associações de moradores, voto , montante de dinheiro destinado ao aparado que ocupa militarmente , etc.
Assim , ao invés de imitarmos a população estadunidense que deu apoio às tropas que invadiram o Iraque contra o inimigo Sadan Husein, e depois , viu a farsa da inexistência de nenhum dos motivos que levaram Bush a fazer tal atrocidade , devemos nos perguntar: qual é a verdadeira guerra que está ocorrendo?
Ela é simplesmente uma guerra pela hegemonia no cenário geopolítico do crime na Região Metropolitana do Rio de Janeiro .
As ações ocorrem no eixo ferroviário Central do Brasil e Leopoldina, expressão da compressão de uma das facções criminosas para fora da Zona Sul , que vem sendo saneada, ao menos na imagem , para as Olimpíadas .
Justificar massacres , como o de 2007, nas vésperas dos Jogos Pan Americanos , no complexo do Alemão , no qual ficou comprovada, pelo laudo da equipe da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República , a existência de várias execuções sumárias é apenas uma cortina de fumaça que nos faz sustentar uma guerra ao terror em nome de um terror maior ainda , porque oculto e hegemônico .
Ônibus e carros queimados, com pouquíssimas vítimas , são expressões simbólicas do desagrado da facção que perde sua hegemonia buscando um novo acordo , que permita sua sobrevivência, afinal , eles não querem destruir a relação com o mercado que o sustenta .
A farsa da operação de guerra e seus inevitáveis mortos , muitos dos quais sem qualquer envolvimento com os blocos que disputam a hegemonia do crime no tabuleiro geopolítico do Grande Rio , serve apenas para nos fazer acreditar que ausência de conflitos é igual à paz e ausência de crime , sem perceber que a hegemonização do crime pela aliança de grupos criminosos , muitos diretamente envolvidos com o aparato policial , como a CPI das Milícias provou, perpetua nossa eterna desgraça : a de acreditar que o mal são os outros .
Deixamos de fazer assim as velhas e relevantes perguntas : qual é a atual política de segurança do Rio de Janeiro que convive com milicianos, facções criminosas hegemônicas e área pacificadas que permanecem operando o crime ? Quem são os nomes por trás de toda esta cortina de fumaça , que faturam alto com bilhões gerados pelo tráfico , roubo , outras formas de crime , controles milicianos de áreas , venda de votos e pacificações para as Olimpíadas ? Quem está por trás da produção midiática, suportando as tropas da execução sumária de pobres em favelas distantes da Zona Sul ? Até quando seremos tratados como estadunidenses suportando a tropa do bem na farsa de uma guerra , na qual já estamos há tanto tempo , que nos faz esquecer que ela tem outra finalidade e não a hegemonia no controle do mercado do crime no Rio de Janeiro ?
Mas não se preocupem, quando restar o Iraque arrasado sempre surgirá o mercado financeiro, as empreiteiras e os grupos imobiliários a vender condomínios seguros nos Portos Maravilha da cidade .
Sempre sobrará a massa arrebanhada pela lógica da guerra ao terror , reduzida a baixos níveis de escolaridade e de renda que , somadas à classe média em desespero , elegerão seus algozes e o aplaudirão no desfile de 7 de setembro , quando o caveirão e o Bope passarem.
José Cláudio Souza Alves é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo e professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
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