terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A libertação teológica dos direitos das crianças




Esta semana nos dedicaremos a uma avaliação do cenário nacional dos direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil, a partir do seu principal órgão de articulação, mobilização e deliberação de políticas- o CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes.
Na última semana a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República reuniu todos os órgãos colegiados de sua estrutura administrativa e política- conselhos de direitos e comitês, num evento para apresentar suas expectativas e proposições de 2013.
Inteligente e decisão, pois sem sobre de dúvidas estes órgãos são o principal termômetro da nossa condição de um estado de direito, pois a partir deles se mede o binômio direitos humanos-democracia participativa.
Todos foram reunidos no auditório para ouvir entre outros expositores, nada mais nada menos que Leonardo Boff, o idealizador na década de sessenta da Telogia da Libertação.
Paralelo a este evento, o CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes fazia de forma intercalada durante a semana, seu planejamento estratégico para os dois próximos anos, 2013 e 2014.
Na pauta do CONANDA, entre outros debates, a hegemonia de um grupo de organizações vinculadas a Igreja Católica que há muitos anos seguem no espaço, considerando que o Regimento Interno do Conselho assegura reconduções intermináveis de mandatos para as instituições e pessoas.
Mera coincidência? Talvez! Mas sem sobra de dúvidas, uma grande oportunidade para, nas asas da liberdade das palavras de Leonardo Boff, entender como efetivamente se situa este debate que encontrasse na ordem do dia do movimento social dos direitos das crianças e adolescentes.
Primeiramente, é preciso entender que a história dos direitos das crianças e adolescentes, outrora menores, se confunde com a história da Igreja Católica pela sua vocação solidária, fundamento cristão que todos devemos nos curvar e reconhecer.
Sabemos que nos marcos doutrinários e históricos dos direitos das crianças, tivemos a Indiferença, a Situação Irregular e a Proteção Integral.
Desde o século XVI até o século XIX, a partir da Doutrina da Indiferença quando as crianças eram entendidas como um ser indiferente ao adulto, oneroso e até mesmo propagadoras de doenças, a Igreja Católica ocupou um importante papel de acolhimento das crianças, especialmente as abandonadas e havidas por relações paralelas ao casamento.
Neste momento fincou-se na área da infância e adolescência toda uma carga de solidariedade cristã que com os anos foram se consolidando sob o prisma da caridade e da filantropia.
Por sinal este é um belo debate: a filantropia caritativa e os direitos humanos de crianças e adolescentes.
É através da Igreja Católica que os primeiros orfanatos e abrigos são criados na história sob a denominação de "Instituições da Roda", aonde eram "depositadas" as crianças indesejadas.
Muitas foram cuidadas e salvas. Outras morreram, mas sem a condição de pagãs.
Sem hesitar, podemos dizer que a Igreja Católica cumpriu papel fundamental em favor de crianças e adolescentes, inclusive, pela omissão e indiferença do Estado nas suas variadas conformações de estrutura e poder.
Substituindo a Doutrina da Indiferença tivemos no século XIX a passagem para a Doutrina da Situação Irregular.
Mas uma vez, a Igreja Católica, desta vez aliada ao Estado, esteve a frente dos cuidados de crianças e adolescentes( menores), fazendo a gestão de orfanatos e instituições totais.
Numa continua interlocução com o poder público, neste caso com o Poder Judiciário, para a intermediação de "menores" que eram criminalizados e abandonados pelas famílias por motivos diversificados como drogas, pratica de delitos, desvio de personalidade, transtorno social, etc., os acolheu em nome da fé e da solidariedade.
Com a passagem da Doutrina da Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral, no século XX, não foi diferente!
A consolidação normativa da Doutrina da Proteção Integral através da Constituição Federal de 1988, da Convenção dos Direitos das Crianças da ONU e do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90, deve-se entre outras forças políticas da sociedade civil, a Igreja Católica.
Firme e exigente pelas mudanças necessárias em nome de um novo projeto fundado nos direitos humanos como elemento chave para a cidadania infanto-juvenil, a Igreja Católica cumpriu fundamental papel neste contexto.
No grande processo de mobilização para pressionar o Congresso Nacional visando a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, no final da década de oitenta, na esteira do processo de redemocratização do Estado brasileiro, a Igreja Católica se posicionou ao lado da sociedade civil organizada, e desta trincheira fez ecoar e soprar os novos ares libertadores da doutrina da proteção integral.
Nesta linha do tempo histórica, nas passagens dos marcos e concepções doutrinárias, especialmente no Brasil, não resta dúvidas de que a Igreja Católica foi protagonista na gestão dos direitos das crianças e adolescentes.
É claro que como toda e qualquer instituição, com suas contradições e desafios.
Mas acima de tudo com uma marca que não se pode negar e deixar de reconhecer, a solidariedade cristã em favor da população infanto-juvenil.
Este quadro pode de alguma forma explicar a situação que o CONANDA vive no momento de sua reforma política, quando se debate a presença significativa de entidades vinculadas a Igreja Católica de forma direta ou indireta no seu espaço.
Pode explicar. Mas não justifica.

CARLOS NICODEMUS

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