Manifestação em Brasília pede agilidade na reforma agrária,
como forma de combater pobreza. Luta por direitos humanos diária e
antiga no campo (Marcello Casal Jr/ABr)
São Paulo – A importância da interação entre a Teologia da
Libertação, os partidos de esquerda e os grupos que lutavam pela reforma
agrária é uma experiência de reinterpretação da história dos direitos
humanos e de seu sentido, na visão da professora de sociologia da
Universidade de São Paulo (USP) Rossana Rocha Reis.
Além dela, outros pesquisadores – reunidos em um debate sobre as relações entre desigualdade e direitos humanos realizado esta semana em São Paulo – afirmam que é comum associar a luta pelos direitos individuais e coletivos no Brasil à ação de grupos urbanos, principalmente durante o período militar. No entanto, concluem, as concepções de direitos humanos no país passam necessariamente pela história dos conflitos agrários, especialmente nos estados do Norte, onde a igreja católica atuou priorizando as causas sociais.
Segundo Rossana Reis, "o que chama a atenção no Brasil é a reivindicação da terra como direito humano, na ideia da terra como garantia da dignidade humana", pontuou. Por sua vez, Ricardo Rezende, antropólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), deu como exemplo a história do sul do Pará, onde os frades dominicanos tiveram forte influência em um cenário de intensas passagens da história de luta pelos direitos humanos.
"Em 1968 há uma atualização das discussões, até então egocêntricas, que começou a eclodir na América Latina. Em Medelín, na Colômbia, os bispos escrevem um documento no qual eles afirma que a igreja precisava optar pelos pobres. Era a Teologia da Libertação", sublinhou. "Com a Guerrilha do Araguaia a igreja ficou sensível à violência contra os trabalhadores pelas mãos do Exército. Os militares começaram a desconfiar que a igreja era comunista e que acobertava a guerrilha. Aí começaou um dos piores e mais sangrentos conflitos no Brasil rural", disse o pesquisador.
Também durante o período de ditadura (1964-85) outros problemas agrários recorrentes nos dias de hoje começavam a aparecer, como é o caso dos posseiros. O governo federal, na tentativa de aumentar a população nos estados da região da Amazônia, oferecia terras a empresas que passavam a ser proprietárias de grande parte daquele território. Porém, ao chegar às áreas determinadas, se deparavam com populações que ali já viviam.
Vindos de outros estados – tanto vizinhos, como os do Nordeste, mas também distantes, como os do Sul do país –, eles representavam uma classe média local que também tinha posse de propriedades rurais. Havia também as tradicionais populações ribeirinhas e indígenas. "E é nessa região que estoura o problema dos posseiros. Até então ninguém brigava por causa de terra", explica Rezende.
Rezende – que viveu no Pará durante 20 anos e conheceu Irmã Dorothy Stang e outras lideranças dos movimentos pela reforma agrária, – participou da criação, em 1975, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que nasceu, dentro da igreja católica, com o intuito de registrar as mortes ocorridas no Brasil rural e que, até então, eram esquecidas.
O fim da ditadura, mesmo com sindicatos rurais e a igreja livre da patrulha do Estado, não significou resolução dos conflitos agrários. Para o antropólogo, foi apenas uma transição para outros tipos de violência. "Foi a partir de então que a CPT começava a usar a Organização dos Estados Americanos como instrumento de pressão sobre o governo brasileiro. Depois disso nós tivemos a discussão da questão dos direitos humanos, quando a igreja discutia se ficaria na defesa dos direitos individuais e abarcaria questões como a reforma agrária, por exemplo. Discutindo esse assunto com organizações internacionais, com a Anistia Internacional", concluiu.
Para Rossana Rocha, por uma série de razões, a história da luta pelos direitos humanos no Brasil acabou compreensivelmente privilegiando a dimensão urbana e o eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Ela afirma, no entanto, que é evidente que uma história importante ocorria paralelamente nos estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e também no Nordeste, particularmente em Pernambuco. "Tinha-se um desenvolvimento bem importante na luta pelos direitos humanos no Brasil que não passou pelos eixos mais conhecidos", defende. A releitura e a recuperação da memória daqueles movimentos deverá ampliar a base de conhecimentos sobre a história da luta pelos direitos humanos no país.
Virginia Toledo
Rede Brasil Atual
Além dela, outros pesquisadores – reunidos em um debate sobre as relações entre desigualdade e direitos humanos realizado esta semana em São Paulo – afirmam que é comum associar a luta pelos direitos individuais e coletivos no Brasil à ação de grupos urbanos, principalmente durante o período militar. No entanto, concluem, as concepções de direitos humanos no país passam necessariamente pela história dos conflitos agrários, especialmente nos estados do Norte, onde a igreja católica atuou priorizando as causas sociais.
Segundo Rossana Reis, "o que chama a atenção no Brasil é a reivindicação da terra como direito humano, na ideia da terra como garantia da dignidade humana", pontuou. Por sua vez, Ricardo Rezende, antropólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), deu como exemplo a história do sul do Pará, onde os frades dominicanos tiveram forte influência em um cenário de intensas passagens da história de luta pelos direitos humanos.
"Em 1968 há uma atualização das discussões, até então egocêntricas, que começou a eclodir na América Latina. Em Medelín, na Colômbia, os bispos escrevem um documento no qual eles afirma que a igreja precisava optar pelos pobres. Era a Teologia da Libertação", sublinhou. "Com a Guerrilha do Araguaia a igreja ficou sensível à violência contra os trabalhadores pelas mãos do Exército. Os militares começaram a desconfiar que a igreja era comunista e que acobertava a guerrilha. Aí começaou um dos piores e mais sangrentos conflitos no Brasil rural", disse o pesquisador.
Também durante o período de ditadura (1964-85) outros problemas agrários recorrentes nos dias de hoje começavam a aparecer, como é o caso dos posseiros. O governo federal, na tentativa de aumentar a população nos estados da região da Amazônia, oferecia terras a empresas que passavam a ser proprietárias de grande parte daquele território. Porém, ao chegar às áreas determinadas, se deparavam com populações que ali já viviam.
Vindos de outros estados – tanto vizinhos, como os do Nordeste, mas também distantes, como os do Sul do país –, eles representavam uma classe média local que também tinha posse de propriedades rurais. Havia também as tradicionais populações ribeirinhas e indígenas. "E é nessa região que estoura o problema dos posseiros. Até então ninguém brigava por causa de terra", explica Rezende.
Rezende – que viveu no Pará durante 20 anos e conheceu Irmã Dorothy Stang e outras lideranças dos movimentos pela reforma agrária, – participou da criação, em 1975, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que nasceu, dentro da igreja católica, com o intuito de registrar as mortes ocorridas no Brasil rural e que, até então, eram esquecidas.
O fim da ditadura, mesmo com sindicatos rurais e a igreja livre da patrulha do Estado, não significou resolução dos conflitos agrários. Para o antropólogo, foi apenas uma transição para outros tipos de violência. "Foi a partir de então que a CPT começava a usar a Organização dos Estados Americanos como instrumento de pressão sobre o governo brasileiro. Depois disso nós tivemos a discussão da questão dos direitos humanos, quando a igreja discutia se ficaria na defesa dos direitos individuais e abarcaria questões como a reforma agrária, por exemplo. Discutindo esse assunto com organizações internacionais, com a Anistia Internacional", concluiu.
Para Rossana Rocha, por uma série de razões, a história da luta pelos direitos humanos no Brasil acabou compreensivelmente privilegiando a dimensão urbana e o eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Ela afirma, no entanto, que é evidente que uma história importante ocorria paralelamente nos estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e também no Nordeste, particularmente em Pernambuco. "Tinha-se um desenvolvimento bem importante na luta pelos direitos humanos no Brasil que não passou pelos eixos mais conhecidos", defende. A releitura e a recuperação da memória daqueles movimentos deverá ampliar a base de conhecimentos sobre a história da luta pelos direitos humanos no país.
Virginia Toledo
Rede Brasil Atual
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