“Que a saúde se difunda sobre a terra” (Cf. Eclo 38, 8).
“O mais importante é ter saúde; o resto a gente corre atrás”. Quantas vezes já não ouvimos esta frase. E é verdade. Diante do fato de não se ter saúde, todas as outras preocupações ficam pequenas. Tendo saúde, dá-se um jeito!
Ao mesmo tempo, olhando em termos gerais, quanto desprezo pela saúde – e pela vida – se verifica em todas as partes. Acidentes e mortes no trânsito que poderiam ser evitados, dirigindo-se com mais responsabilidade. Doenças e mortes relacionadas a uma alimentação não saudável. Exposição a altos índices de poluição do ar. Falta ou insuficiência no acesso a equipamentos de saúde e remédios que poderiam salvar vidas. Condução de um modo ou estilo de vida da sociedade moderna claramente não saudável e que está na origem de muitas doenças.
A lista é grande.
A saúde: tão importante e tão maltratada! Nunca se teve tanto apego à vida e tanto horror à morte. E ao mesmo tempo, nunca a vida esteve tão ameaçada quanto hoje. Às vezes, tem-se a impressão de que ela só é lembrada quando está em falta, no caso de uma doença. E no meio de tantas preocupações da vida, de tantos apelos que a vida moderna nos oferece, ela fica esquecida, escondida... até ressurgir com a força de um vulcão que entra em erupção, em caso de doença.
A Terra está com “febre”
Mais. De modo geral, a nossa noção de saúde diz respeito apenas aos seres humanos. Esquecemos da saúde da vida dos animais (inclusive daqueles que comemos), da saúde dos rios, do ar, das lavouras... enfim, da Terra.
Há 40 anos, um cientista inglês chamado James Lovelock começou a chamar a Terra de Gaia e a compreendê-la como um organismo vivo, isto é, a entender todo o planeta como um gigantesco ser vivo. E, diante da interferência do ser humano, a Terra começa a apresentar sintomas de febre. E faz um alerta: caso não mudarmos a nossa relação com a natureza, a Terra pode entrar num período de convulsões, que podem desregular as condições que tornam a vida humana possível. Isso seria trágico, mas não está descartado.
É preciso tomar consciência de que a nossa saúde enquanto seres humanos depende da saúde do planeta Terra. A saúde de cada um e uma de nós não é uma ilha separada do resto dos contextos da vida em que vivemos. A plenitude da vida humana depende da plenitude do contexto vital mais amplo que envolve moradia e trabalho dignos, alimentação saudável, saneamento básico, acesso à educação e aos recursos sanitários, assim como um estilo de vida saudável.
Viver com sobriedade
Com outras palavras, necessitamos reaprender a religar as diversas dimensões da nossa vida. E isso podemos aprender com os povos ancestrais, que têm uma história milenar de convivência harmoniosa e integrada com a natureza. Nessa relação, eles aprenderam e conservaram lições que podem ser de grande inspiração para o nosso modo de vida. Eles tinham um princípio que era o seguinte: “isto me basta”. Usavam o suficiente para viver bem. Viviam com sobriedade.
Nossa civilização, no entanto, não se contentou com esta regra e passou a aplicar outra: “quanto mais, melhor”. A mentalidade produtivista exige produzir mais, ganhar mais e usufruir mais. Assim, não há mais limites à nossa voracidade. Essa mentalidade se manifesta inclusive em questões muito cotidianas. Por trás da obesidade, por exemplo, está, entre outras razões, a falta de limites. Aproveitar a vida significa comer mais, comer de tudo e, principalmente, comer tudo. Especialistas da área da saúde afirmam que a obesidade é a doença do nosso século.
Ao mesmo tempo, há cerca de um bilhão de pessoas no mundo que comem de menos, são subnutridas ou mesmo morrem de fome. Isso traz para nós um problema ético nada desprezível: vivemos em uma sociedade em que uma parcela da população morre de fome e outra porque come demais. Ambos têm em comum o fato de terem uma saúde precária, ainda que por razões muito diferentes.
A ameaça dos agrotóxicos
Em reação a todos esses e outros exageros, nasce o desejo em um número cada vez maior de pessoas de ter um estilo de vida que garanta mais qualidade de vida. E um estilo de vida mais saudável não é compatível com, por exemplo, o uso expansivo e exagerado de agrotóxicos. Para se ter uma ideia, o consumo de agrotóxicos no Brasil chega a 5,7 litros por habitante. O nosso país tem um mercado de agrotóxicos que ultrapassou os 7,1 bilhões de dólares em 2008. Esse uso indiscriminado de venenos está ligado a um determinado modelo agrícola (o agronegócio em grande escala e exportador) e de produção, por trás do qual estão grandes empresas multinacionais e a proteção de suas patentes. Essas empresas, donas também das sementes, estão pouco preocupadas com a qualidade da alimentação e a saúde das pessoas.
Os agrotóxicos (as empresas preferem um nome neutro “defensivo agrícola”) são responsáveis pela contaminação de milhares de trabalhadores por ano, sem contar as que morrem intoxicadas por agrotóxicos. Estão na origem também de doenças como o mal de Parkinson e vários cânceres. Os agrotóxicos estão presentes em frutas e verduras que comemos. Outra faceta dos agrotóxicos é a contaminação ambiental que causam. Já há estudos que apontam para a contaminação do Aquífero Guarani. O que dizer, então, das águas de superfície, da terra agricultável e do lodo do fundo do mar impregnados de venenos...
Neste contexto, ganha força a produção agroecológica, que produz alimentos saudáveis sem recorrer a produtos químicos (fertilizantes e agrotóxicos). Ao mesmo tempo, há reações aos “fast food”, comida rápida, chamada também de “comida lixo”, que se come rapidamente. Pode não parecer, mas essas questões dizem respeito à saúde pública e, portanto, estão no horizonte da Campanha da Fraternidade deste ano.
A saúde do trabalhador e da trabalhadora
O trabalho, como vemos, é também um núcleo onde a temática da saúde se faz presente e onde o clamor por uma vida mais saudável eclode. A partir dos anos 1990, com a onda neoliberal, a chamada precarização do trabalho, tendo presente uma nova revolução tecnológica, afetou diretamente as condições de saúde dos trabalhadores e trabalhadoras. Segue-se um desmanche do trabalho que tem como consequência um aumento das situações que atentam contra a saúde física e psíquica do trabalhador e da trabalhadora.
As novas formas de organização da produção e do trabalho, embora feitas sob a bandeira da qualidade total (dos produtos), impactam profundamente a saúde física e mental dos sujeitos do trabalho. A intensificação do trabalho mediante a eliminação de tempos mortos, a execução de tarefas rotineiras, a pressão sobre metas a serem atingidas, criam um ambiente propício para a multiplicação de acidentes de trabalho e a aquisição de doenças relacionadas a ele, como as lesões por esforço repetitivo (LER) ou as DORT (Distúrbios Osteo-musculares Relacionados ao Trabalho). Além disso, produzem um clima de competição e de insegurança onde proliferam as doenças mentais/psíquicas.
As doenças do trabalho podem deixar marcas visíveis no corpo do trabalhador ou da trabalhadora, mas também marcas invisíveis, mais difíceis de serem diagnosticadas, mas não menos dolorosas. É em silêncio, de modo geral, que o trabalhador e/ou a trabalhadora suporta esse sofrimento, muitas vezes pelo resto da vida. E é na família que se manifestam as maiores repercussões e consequências. E o tempo de vida útil de um homem/mulher reduz-se drasticamente, e acabamos tendo uma grande população de pessoas, de todas as idades, doentes ou adoecendo.
São questões que, também sob o enfoque da saúde, trazem enormes desafios para as Igrejas, sempre zelosas para que se cumpra o mandamento de Jesus: “Que todos tenham vida e a tenham em abundância” (cf. Jo 10, 10).
André Langer,
Cepat
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