Do penúltimo lugar, transnacional brasileira passou a disputar a liderança com a japonesa Tepco na disputa Public Eye Award. Votação vai até o dia 26
Mina de Carajás, localizada no interior da Floresta Nacional de Carajás, no Pará, um dos maiores pólos de extração de minério de ferro do planeta. (Foto: Justiça nos Trilhos) |
Uma das maiores transnacionais brasileiras, a mineradora Vale, presente em 38 países nas Américas, África e Ásia, pode receber, no final de janeiro, um dos principais prêmios internacionais da vergonha corporativa. Escolhida entre dezenas de candidatas, a Vale está entre as seis finalistas do Public Eye Award 2012, que concede anualmente o título de pior empresa do mundo a uma corporação, eleita em concurso internacional por voto popular, durante o Fórum Econômico Mundial na cidade suíça de Davos. Do quinto lugar na primeira semana de votação do premio, lançado em 5 de janeiro, a Vale assumiu a liderança pela primeira vez na tarde desta sexta-feira (20). Clique aqui para acompanhar a votação (em inglês).
De acordo com os organizadores do concurso – as ONGs Declaração de Berna e Greenpeace Suíça -, as empresas finalistas são escolhidas em função da gravidade dos impactos e problemas sociais, ambientais e trabalhistas decorrentes de suas atividades. Além da Vale, concorrem este ano a japonesa Tepco, empresa do setor de energia responsável pelo desastre nuclear de Fukushima, a britânica Barklays, complexo bancário envolvido em especulações mundiais sobre preços dos alimentos, a americana Freeport Mcmoran, mineradora com atuação desastrosa em Papua Nova Guiné, a sul-coreana Samsung, multinacional acusada de expor seus trabalhadores a substancias altamente tóxicas, e a suíça Syngenta, produtora de agrotóxicos banidos em muitos países e responsável pela contaminação de centenas de lavouras com espécies transgênicas.
A rápida subida do quinto para a disputa pela liderança na corrida do Public Eye se deve, segundo a Rede Justiça nos Trilhos, organização que indicou a empresa, a dois fatores em especial: por um lado, a abrangência mundial dos impactos da Vale, que levou à criação de uma Rede Internacional de Atingidos pela Vale – com grande poder de mobilização e votação -, e, por outro, a entrada da empresa no Consórcio Norte Energia, responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, em 2010. “A imagem negativa de Belo Monte no Brasil e no exterior foi um fator decisivo na escolha da Vale para o Public Eye, mesmo porque ela entrou no Consórcio da usina como um tipo de salvadora e maior acionista privada, com 9% das ações, depois que a grande maioria das outras empresas abandonaram essa barca furada”, explica Brent Millikan, coordenador da ONG International Rivers, parceira na indicação da Vale.
Impactos
Em conjunto com o Movimento Xingu Vivo para Sempre, principal opositor da usina de Belo Monte no Pará, a Rede Justiça nos Trilhos, sediada no Maranhão, divulgou uma lista de impactos da mineradora no Brasil e no mundo (disponível no hotsite http://xinguvivo.org.br/votevale/). Entre os piores problemas causados pela empresa, destaca a Justiça nos Trilhos, estão os impactos causados pela Ferrovia Carajás, que corta 25 municípios e impacta 94 comunidades do Maranhão e do Pará. “De acordo com dados da Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT) de 2008, calculamos que os trens da Vale atropelam e matam, em média, uma pessoa por mês. Em 2007, por exemplo, foram contabilizadas 23 mortes. Em 2008, foram nove vitimas fatais e 2.860 vítimas de acidentes”, explica Danilo Chammas, advogado da organização.
Nesta quarta (18), Chammas, que mora em Açailândia, no Maranhão, saiu cedo para Buriticupu, município a 200 km de lá, para dar entrada em mais uma ação de indenização por atropelamento. “O trem da Vale matou o Sr. Amario e deixou a D. Antonia viúva e desamparada. D. Antonia já tem lá os seus 60 anos, tem uma vida muito sofrida, anda doente, a casa dela caiu... ela mora em um dos mais de 90 povoados que beiram essa ferrovia. Para chegar lá, só por estrada de terra, é bem complicado, sobretudo nesse período de chuva. Amanhã ela pega um pau de arara, vamos nos encontrar na cidade mesmo e vamos ver como encaminhamos o pedido de indenização pela morte do marido”, conta o advogado.
Além das mortes e acidentes, os impactos da ferrovia incluem trepidação e rachaduras nas casas; remoção compulsória de famílias ou apropriação de parcela de seus lotes pela Vale; interdição da realização de roças próximas à ferrovia; poluição sonora; danos às estradas vicinais causados por veículos de grande porte; chegada de um grande número de operários do sexo masculino, colocando em risco adolescentes em situação de vulnerabilidade social, entre outros.
Segundo Chammas, estes problemas tendem a piorar com o novo projeto de duplicação da estrada de ferro, em andamento. De acordo com o projeto apresentado ao Ibama, a Vale prevê a remoção, ao longo da ferrovia, de 1.168 “pontos de interferência”, como cercas, casas, quintais, plantações e povoados inteiros. Na quinta-feira (19), moradores afetados e representantes de movimentos sociais fizeram uma manifestação paralisando as obras. A estrada vicinal ocupada foi liberada no final da tarde de ontem.
A Rede Justiça nos Trilhos tem denunciado formalmente a ilegalidade do processo de licenciamento das obras, que já chegou a ser embargada pela Justiça em um de seus trechos, em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal em defesa dos direitos de comunidades quilombolas impactadas.
Minério extraído no Pará é levado por ferrovia até o Porto de Itaqui, no Maranhão, e exportado. Mina funciona 24 horas por dia, sete dias por semana. (Foto: Justiça nos Trilhos) |
No inicio desta semana, a Rede Justiça nos Trilhos e o Movimento Xingu Vivo reforçaram a campanha pela votação na Vale, que segue até o dia 26, quando será anunciada a vencedora do Public Eye Award 2012. “Para as milhares de pessoas que sofrem com os desmandos desta multinacional brasileira, que foram desalojadas, perderam casas e terras, que tiveram amigos e parentes mortos, que sofreram perseguição política, que foram ameaçadas por capangas e pistoleiros, que ficaram doentes, tiveram filhos e filhas explorados/as, foram demitidas, sofrem com péssimas condições de trabalho e remuneração, e tantos outros impactos, conceder à Vale o titulo de pior corporação do mundo é muito mais que vencer um premio. É a chance de expor aos olhos do planeta seus sofrimentos, e trazer centenas de novos atores e forças para a luta pelos seus direitos e contra os crimes cometidos pela empresa”, diz a convocatória das entidades.
ValeProcurada pela redação, a Vale afirmou que não se pronunciaria sobre o concurso. Em nota enviada aos organizadores do Public Eye, no entanto, a empresa afirmou que “é com pesar que somos colocados na posição de termos que refutar sérias alegações sem fundamento contra nós”. Alegando comprometimento com as questões sociais e ambientais, a mineradora também afirmou que, em relação a Belo Monte, “nossa presença no projeto nos da a oportunidade única de implementar o mesmo foco, comprometimento a excelência que aplicamos nas nossas operações e projetos ao redor do mundo”.
Verena Glass
Fonte: ReporterBrasil
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