A teologia do século XXI encontra-se diante de um desafio fundamental que pode ser traduzido como a acolhida do pluralismo religioso enquanto valor irredutível e irrevogável. Trata-se de um novo horizonte para a teologia, um singular e essencial paradigma que provoca uma profunda mudança na dinâmica da autocompreensão teológica no tempo atual. O pluralismo religioso deixa de ser compreendido como um fenômeno conjuntural passageiro, um fato provisório, para ser percebido na sua riqueza como um pluralismo de princípio ou de direito. (p. 167)
(...) Assim como existe a grande e rica biodiversidade do planeta, que requer atenção, cuidado e vontade de preservação, assim há também a diversidade das religiões e opções espirituais que demandam semelhante simpatia e acolhida. Os bispos católicos da Ásia, em documentos de grande riqueza e significação, vêm apontando com firmeza a importância dessa diversidade religiosa, entendida como valor a ser preservado. (p. 170)
(...) A teologia feminista tem contribuído para superar uma tendência exclusivista do cristianismo, abrindo espaço para “uma noção de divindade que saiba colher as diversidades”. Neste importante trabalho de crítica ao androcentrismo, tem-se recuperado importantes reflexões tecidas no campo da espiritualidade feminina cristã da Alta Idade Média (séculos XII a XV), quando foram gestadas importantes metáforas femininas para a configuração de uma espiritualidade mais plural. (pp. 162-3)
(...) Na América Latina, a discussão em torno da teologia do pluralismo religioso tem provocado controvérsias. Há grupos teológicos cristãos mais afinados e sensibilizados para os desafios do pluralismo religioso e outros mais temerosos, resistentes ou críticos aos desdobramentos da reflexão. [...] Mas não há dúvida de que a manutenção de atitudes e posicionamentos exclusivistas e mesmo inclusivistas torna-se no tempo atual rigorosamente problemática e carente de plausibilidade. (pp. 163-4)
A teologia no Brasil está a abrir cada vez mais os braços. Já faz tempo que deixou de ser reflexo, para tornar-se fonte inspiradora. Lá foram os tempos em que ela reproduzia a teologia europeia quase mecanicamente, tanto nos idos da neoescolástica quanto nos primeiros sopros da modernidade pós-conciliar. Encontrou-se, nos primeiros anos de originalidade, com os pobres imersos em situações de dominação e opressão, lançando-lhes o grito de libertação desde a fé cristã. Assim surgiu e cresceu a teologia da libertação que marcou definitivamente o nascimento das teologias latino-americanas. As mulheres vieram e trouxeram a originalidade de sua presença e pensar. Assim vicejou e ainda atua entre nós excelente grupo de teólogas a enriquecer a compreensão da Revelação com o olhar feminino. As etnias negra e indígena enriqueceram-nos também o cenário teológico. Do lado hispano, a tradição indígena fecundou bons teólogos. No Brasil, a teologia negra resgatou a dívida religiosa em relação à fértil tradição africana.
No momento, duas áreas do pensar nos ocupam principalmente, sem deixar as perspectivas já conquistadas do pobre, da mulher, das etnias: a ecologia e o diálogo com as religiões. Nesse segundo campo, Faustino Teixeira tem-se especializado e se tornou referência imprescindível, além de estudos alentados e profundos sobre a mística das diferentes religiões. Ele relança com essa presente publicação, em nova, revista e aumentada edição, suas reflexões sobre a Teologia das Religiões.
O quadro traçado por Teixeira oferece-nos excelente visão da problemática da teologia das religiões e nos adestra para a teologia e a prática do diálogo intercultural e inter-religioso. Faz parte do livro também reflexão sobre a teologia e o pluralismo religioso na Ásia e na América Latina. Termina e fecha as considerações teológicas a constatação do irrevocável desafio do pluralismo religioso.
Já não vivemos tempos de Cristandade. As religiões, enquanto instituição, sofrem enorme desgaste. Nenhuma conseguirá encontrar sozinha caminhos para falar às pessoas da pós-modernidade. O diálogo traz substancial contribuição para o impasse presente. Importa perceber no momento cultural atual a tensão entre religião e religiosidade. E em face de ambas, o leitor cristão se questiona sobre o papel de sua fé como momento crítico dialético. Ela leva luz às religiões e às expressões religiosas, mas também recebe delas impulsos para purificar-se e aprofundar-se. Que o leitor aproveite desse belo livro para adentrar-se no horizonte sedutor do diálogo inter-religioso!
João Batista Libanio SJ
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