terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Quantos pobres são necessários para fabricar um rico?”

Cooperação social e a luta contra a pobreza


“Quantos pobres sãonecessários para fabricar um rico?”
César Vallejo, poeta peruano

Resumindo a situação de tristeza e descaso sofrida pelosíndios nas Américas, o equatoriano Juan Montalvo (1832-89), certa vez disse que”se a minha pena tivesse o dom das lágrimas, eu escreveria um livro intitulado‘O Índio’ e faria chorar o mundo”.

À exemplo do poeta Montalvo, todos nós que tivemos aoportunidade de escapar da pobreza desconhecendo a dor da fome, deveríamos, cada um de nós, escrever nossos livros e intitulá-los “A fome: a mais abjeta situação dos homens” e, dessa forma, também fazer chorar o mundo.

Afinal, todos os anos milhões de pessoas morrem na África,Ásia, Américas e também na Europa, simplesmente porque a comida não chega àsmesas de muitos. São alarmantes, indecentes e inadmissíveis os dadosdisponíveis dos organismos internacionais sobre a fome no mundo. Vejamosalguns: a cada quatro segundos uma pessoa morre de fome – 75% delas sãocrianças menores de cinco anos de idade. São 15 mortes por minuto, quase 22 milpor dia, mais de oito milhões por ano.

Não é segredo a ninguém que a fome dos dias atuais nãoacontece em decorrência da falta de alimentos. Logo, se não há falta, há descaso. Assim, “alguém”, de forma desumana e impiedosa, tem pisoteado no sofrimento dos mais necessitados, condenando milhões de seres humanos a essaabjeta situação.

É certo que ninguém escolhe ser pobre. Todos àqueles que se encontram nessa situação, assim o são como vítimas de relações injustas. Essas relações envolvem, na essência, uma macroeconomia que desfavorece os mais pobres, à medida que permite aos abonados se locupletar nas elevadas taxas dejuros, espécie de orgia monetária que serve aos interesses dos “donos do dinheiro”.

Eis que num mundo orquestrado pela força do dinheiro em detrimento dos vitais laços de sociabilidade que fomentam a qualidade de vida, a pobreza de uns não pode ser decorrente da soberba e ganância de outros.

A riqueza não tem (e nunca poderá ter) o direito de esfoliara pobreza, assim como o “mundo rico” não pode abandonar os mais pobres àprópria sorte. Se sobra para uns o que tanto falta aos outros, a repartição nesse caso, deve ser ato obrigatório, pois além de ser moralmente desejável, tal ato vem revestido de dignidade e de forte sentimento humano naquilo quetodos clamamos: o respeito à vida.

As mais variadas doutrinas teológicas, não por outra razão, tem exaustivamente insistido, à sua maneira, na opção a favor dos pobres, em defesa da vida. A Teologia da Libertação (TL), cujo berço de propagação é aAmérica Latina, exclama, por exemplo, que “fora dos pobres não há salvação”. De igual modo, a doutrina (ou filosofia de vida) decodificada por Allan Kardec(1804-69) acentua que “a caridade produzirá a salvação”.

Conquanto, talvez o maior exemplo desse engajamentodoutrinário religioso em favor dos pobres esteja com Jesus, o Cristo. Não poracaso, quando inicia Seu ministério, o Messias deixa o Jordão e dirige-se à Galileia. Dentre todas as vilas ao norte do lago Tiberíades, escolhe Cafarnaum– refúgio dos mais pobres dentre os pobres, como bem assinala Maria José de Queiróz na obra Em nome da pobreza.

A imperfeição da sociedade

A existência da fome e da miséria evidencia, por consequência, a imperfeição de uma sociedade que convive com essa ignomínia, emostra, antes de qualquer outra situação, que o homem, por natureza, pensa eage de forma individual, e não coletiva, pois, somente isso é capaz deexplicar, em parte e no todo, a abundância de um lado, enquanto, do outro, aescassez ceifa vidas.

Santo Agostinho (354 – 430), o mais douto da Igreja católica, a esse respeito assim se manifestou: “O supérfluo dos ricos é o necessário dos pobres”.

De nossa parte, aduzimos que num mundo cujos modelos econômicos desvalorizam literalmente os seres humanos e enaltecem o valor dodinheiro, as relações sociais, a cada dia, se desvanecem por completo. Não é à toa que, nesse pormenor, o sujeito central do processo de crescimentoeconômico, em várias partes do planeta, continua sendo o mercado, e, o objetivo final, a mercadoria.

E essa triste história de descaso remonta tempos antigos. Historicamente, sobre os alicerces da miséria e da fome o grande capital construiu (e vem solidificando, desde então) sua riqueza, assim como várias sociedades foram edificadas nos padrões do luxo, do dinheiro fácil, do lucroabusivo, usando, desde sempre, o sangrento suor dos escravos, em épocas pretéritas, tratados como meros seres descartáveis.

A história da humanidade, inequivocamente, conheceu consideráveis avanços. A escravidão foi abolida “libertando” os negros docativeiro, mas, ainda hoje, a história do trabalho e do emprego não conseguiu abolir o salário indigno pago aos trabalhadores do momento. Em variadas partes do mundo, os salários pagos não chegam nem mesmo a compor aquele conceito de”salário de subsistência”, dado seu ínfimo valor no mercado das compras. Esses são os novos “escravos” de uma época que se vangloria em globalizar tudo e todos. No Brasil, por exemplo, o salário mínimo pago, na média, nessa primeira década do século XXI, é inferior ao custo médio para manter um escravo quevivia nos últimos anos da escravidão; isso lá no século XIX.

Isso apenas contribui para degradar ainda mais a situação aqui discorrida. O homem moderno ainda não se deu conta de que o maisimportante é a sociedade, e não o mercado. Enquanto não for mudada essa visão,trocando o mercado e a mercadoria pelo ser humano, valorizando as pessoas e não os objetos, as desigualdades sócio-econômicas continuarão inscritas apenas comomer as estatísticas nos boletins informativos dos acadêmicos e nos balanços sociais dos governos.

Dessa forma, a exclusão social continuará a ser a maior chaga dos tempos hodiernos para pesadelo dos que sonham construir uma sociedade alicerçada na perspectiva do chamado estado de bem-estar social.

Contra a exclusão, a favor da inclusão. Contra a pobreza, afavor dos pobres, dos deserdados, dos excluídos, dos perseguidos, dos mutilados. Essa deve ser a conduta daqueles que pretendem se engajar na luta por um mundo melhor. Tanto os mais ricos quanto os mais pobres dos pobres temos mesmos direitos, e esses precisam ser respeitados. E a Economia – essa ciência social que traz em seu DNA a capacidade de transformação – tem todos os requisitos para promover, por meio das políticas econômicas, a transformaçãopara melhorar a vida dos mais necessitados.

O homem moderno não pode se curvar e se ausentar dessa missão de buscar transformar a dureza de viver de alguns que ora estão sofrendoa dor de nada ter o que comer. O homem moderno precisa ser chamado para mais esse embate em favor da vida. Essa tarefa deve ser, contudo, seu objetivo devida.

O escritor cubano Alejo Carpentier (1904–80) diz, na partefinal de “O reino deste mundo”, que devemos “descobrir as tarefas que ficam por terminar, que serão sucedidas no futuro por outras tarefas, de forma que sempre haverá tarefas”.

É verdade que não fomos consultados para vir ao mundo, mas exigimos que nos consultem para viver nele. E, de toda sorte, queremos vivernum mundo mais justo e menos desigual. Acima de tudo, e contra os opressores,vale lembrar as palavras do poeta Rabindranath Tagore (1861–1941), em Meditações: “Desejamos que a próxima civilização não se baseie tão somente na competição e na exploração econômica e política, mas na cooperação social detodo o mundo, em idéias espirituais de reciprocidade, e não em idéiaseconômicas de eficiência”.


Fonte: Correio do Brasil

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