A mudança climática no Brasil ou no mundo ainda é tratada como uma questão de ambientalistas contra setores da economia em expansão, ou contra os tradicionais emissores de gases estufa, como as petrolíferas, montadoras, siderúrgicas. No país mais poderoso do mundo, ainda hoje elas controlam o debate. Levando em consideração apenas eventos extremos recentes, a partir de 2009, o inventário de tragédias no mundo é muito grande, impressionante, e não reflete a preocupação das lideranças em definir medidas para enfrentar a situação.
Até setembro, o Brasil sofreu 18 horas de apagões de energia elétrica. Uma das razões foi explicada pelo coordenador do grupo de Eletricidade Atmosférica do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Osmar Pinto Jr.
- Nos últimos 50 anos a temperatura média em São Paulo (capital) aumentou cerca de 2 graus centígrados, quatro vezes mais que a média nacional. "As chuvas acima de 100mm/dia, eram extremamente raras, tornaram-se eventos comuns.”
Hoje o ano tem pelo menos 100 dias com tempestades nessa intensidade, diz o pesquisador. Há 50 anos, eram 60 dias, no máximo. Nos últimos 13 anos houve três tempestades em São Paulo com mais de 1.500 raios em um mesmo dia – uma em 2009 e duas em 2011.
A estiagem favorece as queimadas e o Organizador Nacional do Sistema (ONS) comunicou que ocorreram seis interrupções com carga superior a 1000 MW em 2010, o dobro dos três anos anteriores. Por outro lado, a quebra da safra da cana-de-açúcar no estado de São Paulo foi consequência de excesso de chuva, geada e seca, nas palavras do diretor técnico da União das Indústrias (UNICA), Antônio de Pádua.
Na região de Champagne, na França, a colheita da uva ocorreu em agosto e não mais em outubro, em função do calor. Esses são relatos pequenos das mudanças climáticas, que estão acontecendo no país e no mundo. Aliás, mudanças no clima envolvem o planeta inteiro. Não tem como proteger, bloquear, combater. No máximo, as populações e os ecossistemas se adaptarão. Ou perecerão.
Crônica da morte anunciada
Levando em consideração apenas eventos extremos recentes, a partir de 2009, o inventário de tragédias no mundo é muito grande, impressionante, e não reflete a preocupação das lideranças em definir medidas para enfrentar a situação. No dia 28 de novembro, começou mais uma convenção do clima da ONU. Mais uma com resultados negativos, para dizer o mínimo. Porque Estados Unidos, China, Canadá, Japão já anteciparam que não querem definições sobre redução das emissões de gases estufa, na prática significa menor uso de combustíveis fósseis – petróleo, carvão e gás.
Essa é a crônica da morte anunciada, pois desde a vergonhosa cúpula de Copenhagen, os líderes dos países ricos – ou mais ou menos – anunciaram que não participariam do Protocolo de Kyoto, termina no ano que vem.
Kyoto foi aprovado em 1997, mas só entrou em vigor em 2007, quando a Rússia resolveu aderir, posição já alterada. A meta era reduzir 5% das emissões, na comparação com 1990. O Canadá assinou o protocolo e investiu na pior exploração de petróleo da atualidade – as areias de piche, ou betuminosas. Estourou a cota. Nada acontece. Em tempos de recessão econômica e crise dos bônus soberanos, que envolve a Europa inteira, nenhuma liderança da OCDE quer ouvir falar em reduzir o ritmo da economia e o consumo dos combustíveis fósseis. No início de outubro, os 27 ministros de meio ambiente da União Europeia, se reuniram em Luxemburgo e decidiram:
- Se Estados Unidos e China, assim como outras nações com economias fortes não aderirem ao Protocolo de Kyoto, mesmo com posições diferenciadas, a União Europeia não participará mais do acordo. A comissária de ambiente da União Europeia, Connie Hedegard, disse : qual o sentido de manter algo vivo se estamos sozinhos nisso.”
Alguns países da Europa mantém uma posição de investir em energia renovável e reduzir até em 50% as emissões, como é o caso da Dinamarca.
Irreversíveis em cinco anos
Ainda em novembro, a Agência Internacional de Energia lançou um comunicado, onde ressalta a importância dos países reduzirem as emissões de gases estufa (CO2, CH4 e N2O, carbônico, metano e óxido nitroso, respectivamente), nos próximos cinco anos, sob pena de tornarem as mudanças climáticas irreversíveis.
- Os governos precisam mudar sua política de consumo de combustíveis até 2017, senão as emissões alcançarão 450 ppm (partes por milhão) e a temperatura aumentará 2 graus centígrados”.
A parte mais importante do comunicado são as previsões até 2035. O consumo de combustíveis fósseis vai cair de 81% para 75% e as energias renováveis crescerão de 13 para 18%. Uma mudança na estrutura do consumo de 5%. Os subsídios governamentais para as fontes energéticas serão de US$ 250 bilhões para renováveis em 2035 – hoje é de US$ 64 bilhões – enquanto as fósseis receberão US$ 409 bilhões, em 2035. O consumo diário de petróleo passará de 87 milhões barris/dia para 99 milhões, em 2035, e a frota mundial alcançará 1,7 bilhão de veículos.
No final a AIE, mais uma vez, comenta o fato de que cada dólar não investido na economia de baixo carbono, agora, resultarão num gasto de quatro dólares no futuro. Esse é um receituário mais do que conhecido. Assim como os eventos extremos ocorridos no planeta, a partir de 2009. Esta lista está no site das seguradoras, como a Allianz, o maior grupo mundial. Elas são as mais preocupadas com a situação, porque pagam os prejuízos, tem aumentado 10% ao ano, e podem chegar em 2050, em US$ 500 bilhões.
Inventários de tragédias
- Enchentes na Austrália em 2010-11, a pior dos últimos 50 anos. O ano de 2010 foi o terceiro mais úmido em todo o país, recordista em umidade foi o estado de Queensland.
- Rússia, verão de 2010: calor extremo e a seca registrados em julho de 2010 provocaram incêndios florestais desastrosos em toda a Federação Russa. Efeitos combinados de onda de calor mataram 56 mil pessoas. Julho foi o mês mais quente registrado em Moscou.
- Paquistão, verão de 2010: inundação no noroeste do país, piores enchentes da história, chuvas de extrema intensidade, alagamentos e transbordamentos de rios. Esses fatores combinados criaram um corpo de água em movimento de dimensão equivalente à massa de terra do Reino Unido. As enchentes atingiram 84 dos 121 distritos do Paquistão, mais de 20 milhões de pessoas, devastando vilarejos desde os Himalaias (são 45 mil geleiras) até o Mar Arábico. Foram mortas 1.700 pessoas e 1,8 milhão de moradias danificada ou destruídas.
- Grã-Bretanha, abril de 2011: o mês mais quente desde que foram iniciados os registros em 1659. Chuvas chegaram apenas a 52% da média. Isso depois de um mês de março mais seco em 60 anos, segundo o Instituto de Meteorologia Britânico.
- Estados Unidos, abril de 20ll: o desastre natural mais letal do país, desde o furacão Katrina, consistiu de um número sem precedentes de tornados, que varreram o sudeste do país, vitimando mais de 220 pessoas, seguido por enchentes de vários rios de grande porte, como o Mississipi e o Missouri.
- Setembro de 2011: a camada de gelo do Oceano Ártico caiu para 4,24 milhões de km2, segundo a Universidade de Bremem. Em 1970, a camada era de 7 milhões de km2, na época do verão.
- Brasil, janeiro de 2011: uma violenta tempestade despencou sobre a serra do Rio de Janeiro matando mais de mil pessoas.
Uma explicação técnica no final do comunicado da seguradora: as emissões de gases estufa criaram ambientes mais quentes e úmidos nos quais essas tempestades se formam, emprestando-lhes um poder destruidor ainda maior.
São Paulo, ilha de calor
Caso típico, a capital paulista, megacidade com 11 milhões de habitantes, mas principalmente a região metropolitana, que atinge 20 milhões de pessoas. O INPE fez um estudo sobre o assunto – o risco que corre a região metropolitana paulista. Área com mais de 40 mil indústrias, acima de 6 milhões de carros. São realizadas mais de 30 milhões de viagens diárias na região metropolitana, 12 milhões em transporte coletivo e 8,1 milhões em transportes individuais. Nas ruas circulam mais de 3 milhões de carros por dia. As indústrias e os veículos são responsáveis pelo lançamento diário de 6.575 toneladas de poluentes atmosféricos, equivale a 2.400.000 toneladas/ano. Os veículos são responsáveis por 40% das emissões de particulados, a fuligem dos veículos, e 31% do dióxido de enxofre (SO2). As indústrias por outra parte de particulados e 67% do SO2.
Registra o estudo do INPE: ”a densa urbanização constitui importante fonte de calor e os poluentes também afetam o balanço radioativo. A Região Metropolitana de São Paulo é uma das realidades climáticas urbanas mais críticas e insuficientemente estudadas no Brasil. A área central de São Paulo, por exemplo, com seus edifícios altos e próximos uns dos outros, ruas estreitas e pátios confinados, forma tipicamente o centro de uma ilha urbana de calor”.
Nessa região central a capacidade térmica das áreas cobertas por edifícios e pavimentação é maior e a circulação de ar é menor. Sob nebulosidade, menos radiação solar atinge o solo, tornando o fenômeno da ilha de calor menos pronunciado. Sob condições de inversão térmica a ilha de calor é intensificada.
- A urbanização dos vales, dos rios Tietê, Tamanduateí e Pinheiros ocorreu em tempos diferenciados, mas esses valores hoje se assemelham climatologicamente a grandes bacias aquecidas, produtoras de toneladas de poluentes, originários das indústrias e da circulação dos veículos. A crescente urbanização das periferias atuando em sinergia com o aquecimento global projeta que eventos com grandes volumes de precipitações pluviométricas (chuvas) vão ocorrer com mais frequência no futuro, abrangendo cada vez mais uma área geográfica maior da região metropolitana”.
O estudo é um relato técnico do noticiário frequente das inundações e enchentes na região. Qualquer chuva acima de 30mm já produz enchente na capital e arredores. E não é diferente em outras capitais do país.
Novo clima já começou
Outra região estratégica no Brasil, com poder global, a Amazônia. Em cinco anos, três eventos extremos: a seca de 2005, uma das maiores da história, a enchente de 2009, também recordista de inundação, e a seca de 2010. A primeira década do século XXI só confirmou ainda mais as tragédias anunciadas pela mudança climática. Os anos 1990-2000 foram os mais quentes do registro meteorológico, desde 1861. O ano de 1998 varreu o planeta com o fenômeno El Nino, que atingiu todos os continentes, com secas e inundações alternadas. O sudeste asiático queimou mais de 10 milhões de hectares de florestas, 5 milhões somente na Ilha de Bornéu.
Mas a década, além do mais violento El Nino, registrou depois o mais devastador furacão em 200 anos (Mitch), o verão europeu mais quente (2003), matando entre 26 e 45 mil pessoas, o primeiro furacão do Atlântico Sul, ventos de 150 quilômetros que atingiram a costa do Brasil, entre Torres (RS) e Laguna (SC), desalojando 30 mil pessoas e matando 11 e uma das piores tempestades já experimentadas na Flórida (2004).
Como relata em seu livro “Senhores do Clima”, o cientista australiano, Tim Flannery, “essa série de eventos indica que o potencial do novo clima para gerar eventos extremos já começou”.
Ou seja, para mudança climática o futuro é agora. É claro, que os indícios e os fatos também envolvem uma série de outros estudos, acompanhados pelos membros da Organização Meteorológica Mundial, com mais de 10 mil estações associadas. A equação não é complicada e fácil de entender: gases estufa significa mais calor retido na atmosfera, com maior concentração de vapor de água. Isso transformado em nuvens numa ilha de calor, quer dizer, perigo iminente. Se for em São Paulo, pode se precaver, porque vai despencar.
Tim Flannery explica o que é um furacão:
- É uma máquina de calor abastecida pelo calor latente liberado quando imensas quantidades de vapor de água se condensam. Para botar essa máquina em funcionamento é preciso uma grande quantidade de ar úmido e quente”.
Quando suamos nosso suor carrega calor do nosso corpo para o ar. A evaporação de apenas 1 grama de nossa pele é suficiente para transportar 580 calorias. Agora imaginem, a quantidade de calor evaporada dos oceanos, junto com o vapor de água.
Estados Unidos, o n° 1 em eventos extremos
Para cada 10 graus centígrados de aumento em sua temperatura, a quantidade de vapor de água que o ar pode conter dobra. Assim o ar a 30ºC pode conter quatro vezes mais “combustível de furacão” do que o ar a 10ºC. Por sinal, o furacão Mitch matou 10 mil pessoas no Caribe e deixou 3 milhões de desabrigados, os ventos atingiram 290km, foi o quarto mais forte registrado na bacia do Atlântico. Desde 1950, que as variações de temperatura na América do Norte se alteraram, diminuiu o diferencial entre a temperatura do norte e sul, mudou o contraste entre a temperatura em terra e no mar e reduziu a variação de temperatura durante o dia.
Os Estados Unidos já tem o clima mais variável entre os países do mundo inteiro. São os tornados mais intensos e destruidores, enchentes súbitas, trovoadas intensas, furacões e nevascas superiores as de qualquer outro lugar. Uma das causas mais citadas na mudança climática é a temperatura dos oceanos. Ora é a enchente, porque as águas do Atlântico estão mais quentes no norte, ou as do Pacífico mais quentes, como no caso do El Nino – traduz o nome do evento, quando as águas do Pacífico atingem o litoral do Peru no mês de dezembro. É uma expressão climática cristã.
Todo mundo sabe que esse planeta é formado por água e não por terra.
Quem absorve a maior parte da radiação solar são os oceanos. Eles também têm absorvido a lixeira da poluição da civilização moderna. Aliás, os cientistas descobriram que a maior parte do gás carbônico produzida pelos europeus desde a revolução industrial foi absorvida pelo Mar do Norte e depois lançada no Atlântico Norte pelas correntes. O CO2 absorvido pelos oceanos é calculado em 2 bilhões de toneladas, enquanto a vida vegetal consumiria mais 1,5 gigatoneladas (usada na fotossíntese).
Nos oceanos também são seres microscópicos que absorvem gás carbônico – as algas, o chamado fitoplâncton, a comida de milhares de espécies.
Oceanos mais quentes
O que vem acontecendo com o efeito estufa e os oceanos? Eles estão ficando mais quentes, e em consequência, absorvem menos CO2 e ficam mais ácidos, o que é péssimo para os corais (resulta na morte das bactérias que dão o colorido aos recifes). Principalmente, desorganiza os ciclos da vida marinha. Muitas espécies transformam CO2 junto com o cálcio, em carapaças, conchas, como queiram.
Também influenciam na evaporação. No regime de chuvas. O Pacífico, maior oceano do mundo, na região da Indonésia, é uma fábrica de nuvens importantes. São trazidas pelos ventos alísios, os ventos permanentes, atravessam a África e chegam à América do Norte. Elas dependem de partículas sólidas para condensar o vapor de água. Não existe gota de chuva sem uma partícula sólida. Pode ser a poeira que sai do deserto, ou as partículas das queimadas das florestas da Amazônia ou do sudeste da Ásia. As partículas das queimadas são maiores, normalmente não caem na região, e podem se transformar em tempestades de granizo, ou simplesmente se dispersar.
Os cientistas já sabem que a floresta amazônica recicla entre 30 e 50% da umidade, transformando em chuvas na própria região. Junto ficam os nutrientes necessários à manutenção da floresta. Mecanismos que funcionam a milhares ou milhões de anos. E agora estão sendo alterados.
Um dos maiores estudos da região amazônica, o Experimento em Larga Escala da Biosfera e Atmosfera, constatou que uma área de mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, envolvendo Pará, Mato Grosso, Rondônia, durante os meses de agosto - novembro, época das queimadas, tem uma quantidade de partículas poluentes superior às do centro de São Paulo, no pior período do inverno. E que as queimadas mudam o clima da região, alterando o tamanho das nuvens, e até mesmo o tamanho e quantidade de gotas de chuva. Além de levar os nutrientes, como fósforo e o nitrogênio (evaporam na queima), para longe da floresta.
Porta mágica
Quando acontecem eventos extremos, como a enchente de 2009, quando o rio Negro alcançou seu maior nível em Manaus, quase 30 metros, e um ano depois, o menor índice, pouco mais de 13 metros, Tim Flannery, citando vários climatologistas da atualidade, como Julia Cole, comenta que existe uma alteração permanente no clima.
Começou com os dois últimos fenômenos El Nino mais forte – em 1976 e 1998. Chamaram isso de “porta mágica”. Desde então, as temperaturas do oceano Índico não voltaram aos padrões normais, e o Pacífico Tropical ocidental, cujas temperaturas de superfície caíam normalmente abaixo de 19,2ºC, desde 1976, raramente de 25ºC. O Pacífico tropical ocidental é a área mais quente do oceano global e constitui um grande regulador do clima.
- O aquecimento global altera o clima aos solavancos, nos quais os padrões climáticos saltam de um estado estável para outro. E, devido à natureza telecinética da atmosfera, essas mudanças podem se manifestar instantaneamente através do globo”, explica Tim Flannery.
Ele também cita a mudança climática no Sahel africano, região desértica. As chuvas começaram a desaparecer em 1960 e não voltaram mais. A mudança climática saheliana é tão dramática que pode afetar o clima de todo o planeta, junto com o aquecimento do oceano Índico.
- Cerca da metade da poeira, partículas que carregam nutrientes para o oceano favorecendo o crescimento de plantas e plâncton, e paira no ar do mundo, hoje em dia, se origina na África árida. E o impacto da seca foi tão grande que a carga de poeira na atmosfera do planeta aumentou em torno de 1/3”, diz o cientista.
E esta é a verdadeira causa da miséria dos países africanos dessa região, que em 2011 formaram um acampamento de refugiados da seca na Etiópia, Somália e Quênia, com mais de 500 mil pessoas, na fronteira entre os dois primeiros países. A questão é política, afinal, o CO2 produzido pelos países ricos está na atmosfera e é um dos responsáveis pela mudança climática.
Não é esse tipo de discussão que acontecerá em mais uma conferência mundial do clima.
Mudança na vazão dos rios
Quanto ao Brasil, fora as regiões metropolitanas, devem se preparar para a temporada de chuvas que vai iniciar, a Amazônia volta à discussão. Não pelo Código Florestal, deverá ser mais num aliado da mudança climática, mas pelas hidrelétricas. Na projeção oficial, a região Norte terá mais 11 usinas, além das três maiores conhecidas, 2 no rio Madeira, e Belo Monte, no rio Xingu. A política energética brasileira prevê 30% da energia elétrica do país, oriunda desta região, a partir de 2024.
Ocorre que alguns estudos sobre o regime de chuvas na área citada tem sido divulgados, prevendo uma alteração na vazão dos rios. O próprio presidente da Eletrobras, José Costa Neto, declarou ao jornal Valor Econômico, no final de outubro, que os ministérios do Meio Ambiente e Energia precisam ampliar o entendimento para possibilitar a volta da construção de hidrelétricas com reservatórios:
- Existem estudos recentes elaborados por órgãos domésticos e internacionais alertando para mudanças no regime de vazão dos rios devido ao aquecimento global tornam mais prementes a necessidade de construção de hidrelétricas com reservatórios. O custo ambiental do acionamento de térmicas para cobrir a demanda de energia elétrica na ponta ou para poupar água nos reservatórios existentes é maior que o impacto gerado pela construção de novos reservatórios”, disse ele.
Os reservatórios das três hidrelétricas em construção são pequenos, em relação aos anteriores. Num encontro da Fundação de Pesquisa de São Paulo, realizado na mesma época em Washington, o pesquisador Paulo Artaxo também comentou o assunto; “são necessários aprofundar os estudos sobre regime de chuvas nas regiões onde as hidrelétricas serão construídas”.
José A. Marengo, em estudo sobre as secas de 2005 e 2010 na Amazônia, realizado no INPE, registrou:
- A seca de 2010 afetou grande área que compreendia o noroeste, centro e sudoeste da Amazônia, incluindo partes da Colômbia, Peru e norte da Bolívia. As secas de 2005 e 2010 foram semelhantes em termos de gravidade meteorológica, no entanto, os impactos hidrológicos sobre os níveis das águas do último evento foram mais fortes... isso pode estar associado à temperatura mais elevada na superfície do oceano Atlântico, ao norte do Equador. A temperatura do ar na superfície da Amazônia em ambos os anos foi mais elevada que a média, maior ainda em 2010. As secas de 2005 e 2010 alinham-se bem às projeções de longo prazo de alguns modelos climáticos sobre seca e aquecimento da Amazônia até o final do século XXI”.
Mudança no uso do solo
Como consequência da seca de 2005, no trabalho de José Marengo, os efeitos devastadores sobre as populações ao longo do principal canal do Amazonas e seus afluentes, tanto a oeste quanto a sudoeste – o rio Solimões e o rio Madeira. Os níveis dos rios atingiram os menores valores observados em sua história e a navegação ao longo dos canais teve que ser suspensa. A queda nos níveis dos rios e a seca dos lagos das planícies aluviais levaram a alta mortalidade de peixes e afetou o consumo da população.
Um outro estudo do pesquisador Flávio J. Luizão, do Instituto de Pesquisas do Pará (INPA), analisa as mudanças provocadas pela mudança no uso do solo, ou seja, transformação da floresta em pastagem ou lavoura de soja.
- “As alterações provocadas pelo homem durante os últimos 25-30 anos vêm provocando alterações inesperadas no ciclo hidrológico dos rios e lagos da Amazônia, indicando possíveis mudanças permanentes, que são ainda mais preocupantes ao se constatar, que estão ocorrendo num intervalo de tempo extremamente reduzido, se comparado às mudanças naturais do passado”.
E ele acrescenta: “presume-se que essas alterações dos ciclos de água, energia solar, carbono, nitrogênio e outros nutrientes, resultantes da mudança no uso da cobertura do solo na Amazônia possam também acarretar sérias consequências climáticas e ambientais em escalas local, regional e global”.
Flávio Luizão e um grupo de pesquisadores fizeram simulações sobre o aumento, na verdade, e extensão do desmatamento no futuro e concluíram:
- Indicam o aumento de 1 a 2,5ºC na temperatura de superfície, redução de 10 a 20% no escoamento superficial da água, de 15 a 30% na evapotranspiração, de 5 a 20% das chuvas, principalmente durante a seca, com consequente alongamento dos períodos secos”.
Esquentar o planeta com CO2
Os efeitos nas chuvas podem atingir até mesmo a parte central e sul do país, afetando o ciclo hidrológico da maior parte do Brasil, nos meses em que as emissões causadas por queimadas nas porções oeste, centro e sul da Amazônia, são importantes de agosto a novembro.
A mudança climática no Brasil ou no mundo ainda é tratada como uma questão de ambientalistas contra setores da economia em expansão, ou contra os tradicionais emissores de gases estufa, como as petrolíferas, montadoras, siderúrgicas. No país mais poderoso do mundo, ainda hoje elas controlam o debate. Até o ano 2000 chegaram a organizar uma coalizão global para desmentir a mudança climática. Também tentam desmerecer os pesquisadores que alertam sobre o problema. Talvez voltem no próximo ano.
Na época da coalizão investiram US$ 60 milhões de dólares em doações políticas. Na época da Eco 92, período de George Bush, seu chefe de gabinete, John Sununu, era fã e divulgador de um vídeo produzido por Fred Palmer, depois virou executivo da Peabody Energy, maior produtora de carvão da Austrália. No vídeo eles pregavam a necessidade de esquentar o Planeta, produzindo mais gás carbônico para a atmosfera.
Pensavam em 1000ppm (partes por milhão). A taxa atual gira em torno de 385ppm. Também afirmavam que as colheitas aumentariam em 30 a 60%. A terra seria fertilizada com CO2 e viveríamos um verão eterno. Não poderia de fazer parte do criativo documento: a fome no mundo acabaria. Não é difícil raciocinar sobre a capacidade desse pessoal em manter seu modelo econômico delirante. Pior é saber que eles ainda vão aprontar muito mais.
Najar Tubino
Fotos: Vista aérea de cidade chinesa. Aquecimento global terá efeitos devastadores nos países mais pobres, alerta a ONU. (Foto: CHINA OUT AFP PHOTO
Fonte: Carta Maior
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