No dia 9 de outubro de 2011, a Ocupação-comunidade Dandara completou 2,6 anos de vida. Dandara está sob ameaça de despejo. No dia 3 de outubro, a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais verificou que o juiz Renato Luiz Fararo, da 20ª Vara Cível de Belo Horizonte, MG, Brasil, expediu ordem de reintegração de posse contra a Dandara, dia 27 de setembro de 2011, atendendo pedido da Construtora Modelo Ltda.
A coordenação de Dandara, as Brigadas Populares e Rede de Apoio a Dandara consideram essa ordem judicial injusta, inconstitucional, imoral, desumana, além de ser uma decisão que ignora o grande drama humano envolvido nesse grave conflito social.
A decisão é injusta, porque as cerca de 1.000 famílias que exercem na Dandara seu direito de morar chegaram à conclusão de que não aceitam mais sobreviver na rua, em área de risco, ser crucificadas pelo aluguel que retira o pão da boca dos filhos ou sobreviver de favor sendo um peso a mais nas costas de parentes. Dados da Fundação João Pinheiro, de 2005, apontam que em Belo Horizonte o déficit habitacional está acima de 60 mil casas, na região metropolitana, acima de 170 mil casas, e em Minas Gerais acima de 1 milhão de casas. Nenhuma casa foi construída em Belo Horizonte pelo Programa Minha Casa, Minha Vida para famílias com renda de zero a três salários mínimos. A prefeitura alega que não pode ser furada uma fila de espera com 13 mil famílias, mas essa fila é mentira, é um mito, uma cortina de fumaça que a Prefeitura de Belo Horizonte inventou para tentar bloquear a organização e luta dos pobres. Nunca mostraram a lista. O prefeito de Belo Horizonte continua intransigente e nunca aceitou conversar com ninguém de Dandara. Alega que se atender às reivindicações de Dandara irá fomentar uma onda de ocupações. Enquanto isso, bilhões de reais são investidos nas obras da Copa do Mundo de 2014.
A decisão é inconstitucional, porque a propriedade de 315 mil m² (31,5 hectares) estava abandonada, ociosa e, por isso, não cumpria a função social da propriedade. A Constituição Federal não defende direito absoluto à propriedade, mas condiciona o direito de propriedade ao cumprimento da função social, o que exige o cumprimento do que dispõe o texto dos artigos 182 e 183. Também não foram observados os princípios constitucionais do respeito à dignidade da pessoa humana, do direto à moradia, dos princípios republicanos e democráticos. Além disso, a Construtora Modelo deve ao erário milhões em IPTU.
A decisão não considera o grande drama humano envolvido nesse grave conflito social, porque se trata de mais de 5 mil pessoas que devem ter sua dignidade respeitada. Retirar a mãe terra que, hoje, cumpre uma função social acolhendo tanta gente e entregá-la para uma Construtora que visa somente ao lucro é algo imoral.
A decisão é desumana, porque lá na Dandara as famílias são necessitadas. Há centenas de idosos que com suas aposentadorias, e pegando dinheiro emprestado em bancos, ajudaram a construir 800 casas de alvenaria. Por isso estão endividados. A maioria dos idosos da Dandara resgatou a saúde. Dizem sempre: "Dandara me salvou. Antes eu estava com depressão, vivia tomando 8, 10 tipos de remédios. Eu pegava a aposentadoria no banco e deixava na farmácia. Aqui na Dandara, sou outra pessoa. Nasci de novo. Aqui tem paz. Aqui sou feliz."
Na Rua Nelson Mandela mora dona Elisabeth, 57 anos, com aparência de 65 anos, é gari da SLU. Além de ter um filho deficiente preso, mora numa casa da Dandara com outras 14 pessoas: 5 filhos/as e 9 netos de 3 filhas que se separaram e, sem terem onde morar, voltaram a morar com a mãe.
Há várias famílias como a da Angélica, que tem sete filhos, de 5 meses a 17 anos. Anderson, esposo de Angélica, trabalha como chapa, entregando material de construção - sem ter ainda uma casa para agasalhar com dignidade seus 7 filhos -, ganha 180 reais por semana, enquanto Angélica, em casa, cuida das crianças e borda para ganhar uns trocados. Vivem numa casinha construída com a solidariedade de outros: um pequeno banheiro, cozinha e um quarto, onde dorme Angélica, o esposo e os sete filhos. Angélica, com a voz embargada e com lágrimas nos olhos, desabafa: "Viemos para Dandara, porque fomos despejados de onde a gente morava, porque não conseguimos pagar mais o aluguel. Ser despejado de novo? Não agüento. Sou um ser humano. Não sou de ferro. Nem parente tenho aqui em Belo Horizonte. Minha família é Dandara. Se acabarem com Dandara, eu morrerei também."
Belo Horizonte, MG, Brasil, 13 de outubro de 2011.
Frei Gilvander Luís Moreira, O.Carm
Fonte: Adital
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