quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Qual é o maior mandamento da Lei? (Mateus 22,34-40)

A comunidade de Mateus apresenta Jesus ensinando o maior mandamento em um contexto no qual os fariseus novamente o procuram, a fim de pô-lo à prova (Mateus 22,35). Assim já haviam feito ao armarem, junto com os herodianos, uma cilada em torno do pagamento dos impostos ao império romano, para apanhá-lo por alguma palavra (Mateus 22,15). Tanto os representantes da religião oficial (fariseus), bem como os do império (herodianos), já haviam se dado conta de quanto era perigoso para seus sistemas o jeito de Jesus propor o Reino do Pai. Ainda mais, depois que ele também fechara a boca dos saduceus (Mateus 22,34). Os saduceus eram o partido judaico mais poderoso naquele momento, uma vez que aglutinava os que controlavam a religião a partir do templo (sacerdotes) e os que detinham o poder sobre o comércio em Jerusalém (anciãos). O projeto do Reino de Deus é revolucionário a todos os sistemas, seja aos de ontem, seja aos de hoje, grandes ou pequenos, dentro ou fora de nós.

Desta vez, os fariseus partem para cima de Jesus com uma nova armadilha: Mestre, qual é o maior mandamento da Lei? (Mateus 22,36). Então, Jesus faz a memória da centralidade do amor em toda Lei. Dessa forma, ao colocar no centro o amor a Deus e ao próximo, Jesus torna relativas todas as leis e as tradições. Elas somente estão conforme a vontade de Deus, caso tiverem como motivação primeira o amor. Assim, Jesus acusa os fariseus de traírem o projeto de Deus ao colocarem a letra acima do espírito da Lei. Incomodados pela acusação de Jesus, eles ficaram sem resposta e silenciaram. Porém, novamente se reuniram. Seria para preparar outra cilada? (Mateus 22,41). No entanto, agora é Jesus quem passa a desmascará-los, fazendo perguntas (Mateus 22,42) e acusações fortes contra os fariseus, incluindo também os doutores da Lei, os escribas (Mateus 23,1-36). Desse modo, ninguém podia responder-lhe nada. E a partir daquele dia, ninguém se atreveu a interrogá-lo (Mateus 22,46).

Jesus faz memória da Lei a fim de relativizá-la

Em que parte das Escrituras Jesus busca o espírito da Lei, o princípio do amor? Para o primeiro mandamento, ele recorre a um dos livros da Lei judaica, o Deuteronômio (6,4-5): Amarás ao Senhor, teu Deus... É um amor intenso, isto é, com todo o nosso ser: coração, alma, força vital e mente.

O segundo, ele o encontra em outro escrito do Pentateuco, o livro do Levítico (19,18): Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Também é um amor profundo, pois é amar o próximo tanto quanto amamos a nós próprios. Segundo Mateus 7,12, Jesus diz o mesmo em outras palavras: Tudo que desejais que as pessoas vos façam, fazei vós a elas. Pois esta é a Lei e os Profetas. Amar intensamente a Deus e o próximo é acolher de coração. É cuidar com corpo e com alma. É escutar com mente aberta. É solidariedade, força de vida...

O amor é o centro da vida nutrida em Deus, pois Deus é amor (1ª carta de João 4,8.16). Se andamos no caminho de Deus, vivemos o amor que gera vida, pois toda a Lei se resume neste único mandamento: ‘amarás o teu próximo como a ti mesmo' (Gálatas 5,14; Romanos 13,9). Portanto, o amor é o cumprimento perfeito da Lei (Romanos 13,10). Ao dizer que toda Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos (Mateus 22,40), Jesus torna todas as Escrituras relativas em relação ao amor. Somente este é absoluto.

Os judeus mais piedosos haviam relacionado todas as leis do Pentateuco. Chegaram a catalogar 613 leis. Dessas, 365 eram proibições como, por exemplo, não matarás (Êxodo 20,13). E 248 eram leis afirmativas como lembra-te de santificar o dia de sábado (Êxodo 20,8). Uma quantidade tão grande de leis era difícil para o povo cumprir. De um lado, por não saber ler e, por isso, não conhecer toda a Lei em seus detalhes. De outro, por não ter, na luta pela sobrevivência diária, condições de cumprir a Lei em todos os seus pormenores.

Segundo uma informação que encontramos no evangelho segundo João (7,47-49), os fariseus diziam que essa corja que ignora a Lei, são uns amaldiçoados. Isso revela que, para esses fariseus, as pessoas que não conhecem a Lei e, em consequência, não a cumprem são amaldiçoadas por Deus. E essa era a situação da maioria do povo pobre daquele tempo. Apenas uma minoria se considerava abençoada por Deus pelo fato de saber e cumprir a Lei, bem como as tradições orais sobre o puro e o impuro. Ao dar valor relativo às inúmeras prescrições e ao colocar como único princípio o amor, Jesus abre a possibilidade aos pobres de também fazerem parte das bênçãos do Reino. Segundo os fariseus, por não conhecerem a Lei, estavam fora dessas bênçãos de Deus. Somente eles achavam ter esse privilégio. Dessa forma, Jesus derruba os muros que impediam o acesso dos pobres ao Reino. E mais, alegra-se porque são justamente eles os que acolheram a Boa Nova, enquanto os que se achavam sábios e entendidos, porém, prisioneiros de inúmeras regrinhas, se fecharam ao projeto de Deus (Mateus 11,25). Assim, diante da dificuldade para cumprir tantas leis, Jesus propõe um caminho alternativo, o caminho do amor.

Caminhemos pela estrada do amor

O caminho do amor é um novo jeito de caminhar, é uma nova prática. Sua vivência não é algo abstrato, teórico, mas é um amor bem concreto. Antes de procurar um próximo para amar, importa tornar-se próximo através da solidariedade. É isso que a comunidade de Lucas nos quer lembrar ao acrescentar ao mandamento do amor a parábola do samaritano misericordioso (Lucas 10,29-37). Ou como recorda a comunidade de Mateus, ao insistir na prática da misericórdia: Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a criação do mundo. Pois tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era sem teto e me acolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me (Mateus 25,34-36).

A comunidade de João, diferentemente de Mateus, Marcos e Lucas, não separa em dois o mandamento de Jesus. Vai mais fundo e identifica o amor a Deus com o amor ao próximo: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros (João 13,34; 15,12.17). Se alguém disser: ‘amo a Deus', mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê (1ª carta de João 4,20).

Ó Deus de ternura e de bondade,

diante da crise em que os sistemas deste mundo se encontram,

permite-nos que teu amor nos conduza

na superação de todas as estruturas de morte

que ameaçam a vida no planeta e do planeta. Amém!

Ildo Bohn Gass


Fonte: CEBI



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