A opção preferencial pelos pobres e pelos jovens, definida e difundida a partir da 3ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em sintonia com Medellín, tornou-se incômoda e propositalmente esquecida por uma parcela significativa da Igreja. Por que ocorreu esse retrocesso?(...) Aos imensos desafios à evangelização, que busca promover o encontro com Cristo para transformar um contexto de marginalização, desrespeito aos direitos humanos, subversão dos valores culturais, desagregação familiar e dos demais valores cristãos, os bispos pedem que se veja o rosto concreto do povo peregrino que sofre. Será que os clamores ensurdecedores dos pobres se tornaram inaudíveis?
As feições das crianças, “golpeadas pela pobreza ainda antes de nascer”; dos jovens “desorientados por não encontrarem seu lugar na sociedade”; dos indígenas e afro-americanos “segregados”; dos camponeses, submetidos à exploração; dos operários, “que têm dificuldades em defender os próprios direitos”; dos desempregados; dos marginalizados e amontoados nas grandes cidades; dos anciãos, “postos à margem” por uma sociedade “que prescinde das pessoas que não produzem”, enfim, dos sem vez e sem voz desta sociedade excludente continuam violando a sacralidade da vida e profanando o rosto sagrado de Jesus.
Da década de 70 para cá, houve um amadurecimento das discussões pastorais e da própria doutrina social da Igreja. Infelizmente, temos que reconhecer algumas "involuções" nesse processo. Se antes, nossos discursos eram pautados pela defesa intransigente da justiça social e por uma espiritualidade encarnada na realidade, hoje nos perdemos por entre palavras soltas e desconexas, que muitas vezes não são capazes de acender a esperança naqueles que procuram nos recintos sagrados a plena libertação para as suas angústias existenciais. Poderíamos aqui nos perguntar: "A Igreja se tornou uma sociedade a parte ou está inserida no tecido social permeando-o com o sal e fermento do Evangelho, irradiando sobre as realidades deste mundo a luz de Cristo?"
A Igreja não é o Reino, mas aponta para o Reino, dá sinais da sua presença. Essa é a sua função primordial, construir aqui e acolá parcelas significativas do Reino de Deus. Motivados por essa força misteriosa que nos impulsiona a lutar por um mundo melhor, queremos construir um laicato consciente e atuante. Leigos e leigas que jogam suas vidas no cotidiano. Valorizam o passado sem ficar eternamente olhando pelo espelho retrovisor da vida. Homens e mulheres que experimentam novas receitas na Igreja que se refaz em Cristo a cada dia. Estão próximos das mulheres, dos negros, dos índios e das crianças que veem e pensam a Igreja e o mundo com outro olhar e maneira de ser. Enfim, queremos viver um catolicismo menos infantilizado e mais ecumênico, crítico, exigente, dinâmico e, às vezes, discordante.
Por conseguinte, urge apoiar e incentivar todas as mobilizações, organismos e formas de vivência eclesial comprometidas com a opção preferencial pelos pobres e excluídos. As CEBs, por exemplo, tão perseguidas e criticadas, são um exemplo concreto dessa inovação criativa da Igreja. Elas congregam pessoas que se organizam para cultivar a fé cristã pela reflexão bíblica em pequenos grupos, e atuar na melhoria das condições do lugar onde vivem. A participação de seus membros em organismos da sociedade civil indica sua penetração capilar na sociedade brasileira. Sua ligação com a CNBB lhes dá a identidade eclesial, mesmo quando nem sempre são reconhecidas por determinados setores da Igreja. Delas vêm a maior adesão aos projetos e propostas da CNBB.
Precisamos estar atentos aos sinais dos tempos. A marcha contra a corrupção aqui no Brasil, bem como as manifestações populares recentes nos EUA e os movimentos emancipacionistas contra os regimes totalitários em todo o mundo, mostram a crise da sociedade neoliberal. Estas se manifestam tanto no Primeiro Mundo, como no Terceiro, confirmando o surgimento de uma sociedade civil mundial. Tudo indica que entre os jovens e adolescentes, que agora vão às ruas contra o imperialismo dos Estados Unidos, surgirão lideranças que promoverão novos movimentos populares, provavelmente bem diferentes dos anteriores. Junto a eles um exército de personalidades, técnicos, humanistas, pensadores, ativistas políticos, movimentos populares que o neoliberalismo sempre dizimou e relegou às margens dos centros decisionais, estão se impondo com a força de quem tem propostas e capacidade de encaminhar soluções.
Pode-se presumir que a Igreja seguirá esses movimentos, porque uma parte dela já está neles e porque, possivelmente, dentre os jovens seminaristas "angélicos", que os atuais métodos de formação pretendem orientar para dirigir uma "Igreja feliz e bem protegida", podem surgir líderes com vocação revolucionária. Quando os povos se organizarem em novas lutas, desta vez, mundiais, haverá cristãos e católicos no meio deles, haverá mais religiosas e sacerdotes comprometidos com as causas populares.
Esse grande processo histórico terá de criar novas estruturas sociais e sistemas de pensamento, novas teologias e modos de agir. A década que se inicia será a da constituição de novas forças sociais. Essas novidades podem aparecer bem antes do previsto, pois a história é mais forte do que os projetos dos homens, e tudo muda.
Cesar Augusto Rocha - CNLB - Regional NE3
Cesar Augusto Rocha - CNLB - Regional NE3
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