domingo, 21 de agosto de 2011
Direita, volver! O Cisma na Igreja Catolica não foi a Teologia da Libertação
No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, quando eu estava em Roma, cursando o Bacharelado em Teologia, ouvi algumas vozes que denunciavam a teologia da libertação, afirmando que ela provocaria um cisma na Igreja. Voltei para o Brasil, os anos passaram, a teologia da libertação foi sufocada, seus teólogos e seguidores sofreram calados e o máximo que aconteceu foi que alguns deles se afastaram da Igreja Católica por não suportarem mais tanta perseguição e tanta injustiça.
O cisma aconteceu, sim, porém seu protagonista não foi a esquerda, mas a ultraconservadora direita católica. No dia 30 de junho de 1988 o bispo Marcel Lefebvre o consumou, ordenando bispos quatro padres de sua Fraternidade São Pio V. Foi coadjuvado por Dom Antonio de Castro Mayer, bispo emérito de Campos, um dos mais acirrados representantes da direita católica no Brasil. Na época tais ordenações foram consideradas pelo Vaticano como um ato cismático e, por isso, Lefebvre, Castro Mayer e os ordenados ficaram ipso facto excomungados.
Hoje, para tristeza de muitos, estes bispos "cismáticos” foram admitidos na Igreja Católica, sem demonstração de verdadeiro arrependimento e de autêntica reconciliação. O ato formal de aceitação do Concílio Vaticano II ficou nas aparências, pois, na prática, a teoria é outra. Basta acompanhar alguns atos, alguns pronunciamentos e os sites desse grupo para se perceber com nitidez a rejeição do último concílio. Um dos bispos "cismáticos” vive no Brasil e, depois da admissão na Igreja Católica, passou a freqüentar as reuniões da CNBB. Várias vezes, o vi nas concelebrações eucarísticas como mero expectador. Ele não concelebrava, mas rezava sua missa em particular e em latim. Afinal de contas, para ele e para seu grupo, Deus não entende outras línguas. Só aprendeu o latim! Portanto, concelebrar, e em língua portuguesa, é falar uma língua que Deus não entende!
Diferentemente do que se dizia em Roma, a Igreja da Libertação não provocou nenhum cisma. Seus profetas e profetisas foram apedrejados, caluniados e silenciados. Não provocaram nenhum cisma porque eram pessoas que realmente amavam e ainda amam a Igreja. Tudo faziam por ela. E no momento em que foram perseguidos, seguiram as pegadas do grande Servo de Javé, apresentando as costas aos que queriam bater e não escondendo o rosto aos insultos e escarros (Is 50,6).
Os verdadeiros cismáticos foram e continuam sendo os da direita católica. Eles não só formalizaram um ato de ruptura com a Igreja, mas continuam fazendo isso na prática. Além do mais, com o modelo de Igreja que defendem, estão efetivando um verdadeiro cisma silencioso, como mostram os estudos de Piero Cappelli e outros. Milhares de católicos deixam a Igreja decepcionados e tristes, pois têm clara consciência de que o conservadorismo não condiz com o projeto de Jesus e com o Evangelho.
A incursão da direita católica é muito antiga. Foi ela, e não os mulçumanos, que criou o terrorismo no mundo. Prova disso é o extermínio praticado na Idade Média pelas Cruzadas e pela Inquisição, e, mais recentemente, a matança dos povos do continente americano e do continente africano. A ferocidade da espada tinha sempre a proteção e a bênção do báculo.
Hoje assistimos a atos religiosos que são verdadeiros terrorismos, embora sutis e disfarçados. É claro que não se mata mais, porém isso não significa que exista menos terror. Pense-se, por exemplo, no terrorismo das pregações de certos padres e de parte da mídia católica, carregando os fiéis de pecados, proibições e punições. Até mesmo atos insanos, como aquele de poucos dias atrás na Noruega, não deixa de ter o dedo do catolicismo ultraconservador, que, por meio de suas lideranças, alimenta sentimentos absurdos, como o preconceito contra o islã. Frei Betto, em recente artigo, notou que o terrorista norueguês tinha "olhos azuis”. Fez-nos perceber que por detrás deste ato brutal está a tradição da direita branca, cristã e cristã católica.
É claro que a direita católica não age motivada pela fé em Jesus Cristo. Ela não acredita em nada, a não ser no poder e no dinheiro. Sua intenção é utilizar-se da religião para manter o status quo e continuar dominando o mundo. Não por acaso ela defende regimes autoritários e é totalmente contrária a verdadeiras mudanças, como a reforma agrária. É notória a ligação de prelados e de membros conservadores da alta cúpula da hierarquia com ditadores e opressores do povo. Ficou conhecida mundialmente a grande amizade existente entre um núncio apostólico no Chile e Pinochet, talvez o mais sanguinário de todos os ditadores da América Latina. Tal amizade fez com que Pinochet e sua mulher recebessem uma bênção especial do papa por ocasião das bodas de ouro de casamento.
Não há como negar a incursão da direita católica ultraconservadora no mundo. Por enquanto ela ainda se manifesta com muita força. Mas, como todo regime autoritário, seus dias estão contados. É claro que nós, nascidos no século passado, não veremos o seu fim. Ela ainda possui um pouco de fôlego. Mas as gerações vindouras respirarão aliviadas, pois, como dizia Voltaire em seu Dicionário Filosófico, a religião melhor é aquela simples, com pouquíssimos dogmas, que ajuda as pessoas a serem mais justas, que não obriga a crer em absurdos e em coisas contraditórias e impossíveis; que ensina apenas a adoração a Deus, bem como a justiça, a tolerância e a humanidade. E a religião da direita católica não é nada disso. Por essa razão, creio eu, morrerá por inanição.
Paulo Freire, em 1968, na sua Pedagogia do Oprimido, já nos dizia que quando o poder se enrijece e se burocratiza, perde a dimensão de humanização. E se perde a humanização passa a viver apenas de proibições. E se vive de proibir, se torna violento, e ao praticar a violência fere em profundidade a condição ontológica do ser humano, a sua vocação de ser mais.
Com isso o poder torna-se terrorista e instrumento de desumanização e, como tal, tende a ser visto cada vez mais pelas pessoas como uma verdadeira farsa. Seu destino é a morte, pois quando a vocação do ser humano é negada pela violência e pela opressão, a humanidade se sente roubada em sua dignidade e tende a reagir. Quando não podem falar, as pessoas agem com indiferença. Vivem como se os dogmas religiosos não existissem. O poder religioso continua emitindo e decretando suas proibições, mas a população faz de conta que ele não existe. Este gesto de indiferença une cada vez mais as pessoas insatisfeitas. Por isso todos os impérios caíram, mesmo os mais violentos e mais religiosos. A religiosidade não é garantia de perpetuidade. "Aqui não ficará pedra sobre pedra; tudo será destruído” (Mt 24,2).
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília
Autor de O ancião e sua senhora eleita. Reflexões teológicas, eclesiais e pastorais sobre a condição de bispo emérito, recentemente publicado pela Editora Paulinas. Em parceria com Carlos Bruno de Araújo Mendonça publicaram pelas Edições Loyola o livro Antropologia da formação inicial do presbítero.
Fonte: Adital
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