MANIFESTO DOS SERVIDORES PUBLICOS DO INCRA E MDA
Confederação Nacional dos Servidores do INCRA (CNASI)
Associação Nacional dos Servidores do MDA (ASSEMDA)
Associação dos Servidores da Reforma Agrária-DF (ASSERA)
É difícil encontrar alguém contrário à democratização do acesso a terra no Brasil, contrário à reforma agrária, contrário à produção de alimentos saudáveis, contrário à fixação dos trabalhadores rurais no campo. O povo brasileiro pode não compreender, ou mesmo contestar, os métodos de luta dos trabalhadores rurais, mas à causa camponesa, sempre foi solidário. E continua a ser.
E a razão principal desse apoio reside justamente nas marcas sociais que o modelo patronal de produção agrícola provocou ao longo da história. O latifúndio, trabalho escravo, as mortes camponesas, a degradação ambiental, o uso irracional de venenos agrícolas, a produção voltada para fora e não para o seu povo. São marcas que ficaram no imaginário popular; como cicatrizes.
Muita terra nas mãos de poucos... e muita gente sem terra! Esse enredo, meio que religioso; que nos remete às disputas territoriais relatadas no velho testamento, sempre empurrou a opinião pública a favor da pauta camponesa.
Não foi menor que em pesquisa recente do Datafolha, encomendada por organizações ambientalistas, 85% da população brasileira opinasse que a produção agrícola deva ser compatível com a proteção das florestas e dos rios. Percepção latente da sociedade brasileira, que dialoga com o projeto de produção camponesa e sua luta por sistemas produtivos integrados, que zelem pelo ambiente e assegurem, no tempo, a reprodução das diferentes formas de vida.
Porém, a classe dominante insiste em propagar a idéia de que o problema agrário brasileiro está resolvido, de que a estratégia camponesa ficou fora de moda. De que o futuro seria transformar as florestas brasileiras em imensas monoculturas para produção de commodities, tipo exportação. De que a agricultura patronal é a única que produz.
Propositalmente esquecem nossos doutos ideólogos que na história do Brasil, a agricultura empresarial sempre se mostrou ineficiente e que foram os governos quem mantiveram continuamente sua produção, onde a divisão dos recursos estatais sempre favoreceu os grandes proprietários de terras.
Esquecem nossos ideólogos de que a agricultura empresarial, apesar de perfazer 75,7% da área agricultável, concentrando 80% de todo o crédito, é responsável por apenas 62% do valor bruto da produção e ocupa 4,2 milhões dos trabalhadores do campo. A agricultura camponesa, por sua vez, apesar de ocupar apenas 24,3% da área total dos estabelecimentos agropecuários, e receber 20% do crédito pra agricultura, é responsável por 38% do valor bruto da produção, e produz 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros, além de ocupar 12,3 milhões de pessoas.
Os principais produtos da agricultura familiar são justamente o leite, o milho, o feijão, o café, a mandioca. Ou seja, a base alimentar do país.
Não é exagero afirmar que a agricultura camponesa alimenta o Brasil e de que produz o máximo com o mínimo, enquanto os grandes proprietários produzem o mínimo com o máximo.
A ideologia que sustenta o mito da agricultura empresarial é uma falsificação da realidade, palavras ocas de jornalistas e cientistas mal intencionados, de ruralistas que tudo que vêem é o próprio umbigo. Palavras, que quando repetidamente publicadas em jornais e periódicos, criam vacilações, inclusive em governos eleitos por maioria popular.
E aqui temos que fazer uma profunda crítica. Os últimos governos evitaram o conflito político existente em torno da questão agrária, muitas vezes negando-o. Além do que, a política de desenvolvimento agrário nos últimos anos é uma política vacilante e de fracassos.
A população rural no país perdeu 02 milhões de pessoas somente entre 2000 e 2010. Ademais, pelos dados do cadastro de imóveis do INCRA, apresentados recentemente, houve um aumento da concentração da terra entre 2003 e 2010 no Brasil.
Na parca política de assentamentos empreendida, reduziu-se a reforma agrária a promoção de novas áreas assentadas em terras públicas, ampliando a ocupação de florestas primárias. Um gesto de benevolência com o latifúndio, mantido incólume às desapropriações por interesse social, mesmo quando este afrontou a legislação agrária, ambiental e trabalhista. Mesmo quando se manteve improdutivo (hoje temos 69 mil grandes proprietários com 228 milhões de hectares abaixo da produtividade), mesmo quando promoveu desmatamentos, ou mesmo quando manteve trabalho degradante e escravo em seu interior.
Na questão do fomento a produção agrícola camponesa um erro estratégico. O governo forjou uma proposta de inserção competitiva da agricultura familiar aos mercados, no âmbito do que passou a se denominar de cadeias produtivas (a partir da institucionalização do PRONAF), que em última instância submeteu a agricultura familiar a uma relação de dependência com a agricultura capitalista.
As mistificações que os programas de modernização e de desenvolvimento rural promoveram, em particular quando afirmavam que a agricultura familiar só se viabilizaria com sua integração aos mercados, facilitou sobremaneira que o crédito rural se transformasse numa ponte financeira, onde de um lado estavam as indústrias produtoras de insumos (agrotóxicos, máquinas e implementos) e de outro as grandes agroindústrias compradoras das matérias-primas (leite, aves, suínos, etc.). No meio, unindo a oferta de insumos com a compra das matérias primas pelas empresas, estavam os agricultores familiares, orientados pelo modelo tecnológico disseminado (de cima para baixo) pelas empresas públicas e privadas de assistência técnica. E, por detrás, mas conduzindo esse processo de modernização da agricultura, os bancos ou, mais genericamente, o capital financeiro.
Do ponto de vista econômico deu-se a articulação orgânica entre as ações de domesticação ideológica dos agricultores com a adoção do modelo tecnológico dominante, que proporcionou condições objetivas de subalternização desses produtores aos interesses do agronegócio.
O processo de sujeição da agricultura familiar ao mercado conseguiu proporcionar para alguns poucos uma melhora nas condições de vida. Fato insignificante, mas alardeado e propagado pelo governo como a grande vitória na promoção da agricultura familiar, a chegada dos camponeses a classe média. Porém, e essa é a dura realidade, a grande maioria camponesa vive hoje numa situação de penúria, enfrentando enormes dificuldades econômicas. O processo de “inserção competitiva” no mercado fez muitos camponeses receberem um preço abaixo daquele que lhe custa à produção. Como eles não têm preço que garantam a sua reprodução, a renda diminuiu. Hoje, 90% dos agricultores familiares enfrentam alguma dificuldade financeira.
Os números apresentados no plano “Brasil sem miséria”, recentemente publicado pelo governo federal, são um atestado de fragilidade da política agrária. Segundo os dados, do total de brasileiros residentes no campo, um em cada quatro se encontra em extrema pobreza, ou seja, 25,5% dos residentes no campo são miseráveis.
No campo temos quase 08 milhões de pessoas vivendo com uma renda familiar per capita inferior a R$ 70. Número semelhante ao que encontramos nas cidades. Porém, se considerarmos que a população urbana brasileira representa atualmente 84% do total, e a população rural apenas 16%; sentiremos o quão dramática é a situação.
E para piorar a situação, evidencia-se hoje o esvaziamento dos órgãos estatais promotores do desenvolvimento agrário.
O INCRA e o MDA enfrentam um enorme déficit quantitativo e qualitativo de servidores públicos. Afora o sempre presente limite orçamentário para ações destes órgãos.
Adicione-se a isso, o crescente desinteresse profissional dos servidores, por conta dos baixos níveis salariais, das fortes assimetrias internas remuneratórias entre categorias correlatas, da precariedade das condições de trabalho, da inexistência de políticas de capacitação, além de outros pontos que conflitam com uma política de valorização dos servidores e da agricultura camponesa.
A política de desenvolvimento agrário implantada nos últimos anos, contrariando as expectativas do povo brasileiro, não democratizou o acesso a terra, não gerou renda para a produção camponesa, não estruturou o Estado para solução dos problemas agrários. Além de incentivar, como nunca, a propagação do predatório modelo de agricultura capitalista no campo brasileiro.
É preciso humildade para reconhecermos os erros cometidos até aqui. E coragem para assumirmos a dimensão política que a pauta agrária assume e enfrentarmos as mudanças de modelo necessárias.
Pois a quem não interessa o desenvolvimento da agricultura camponesa?
Brasilia, 01 de julho de 2011
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