
“Não tem foto dele não. Ele não gostava de foto. Mas se você quiser, tem uma que a gente tirou do celular no velório. Dá pra ver bem o rosto dele no caixão”, afirma Benedita Alves. De gravata preta, camisa de linho branca, envolto por pétalas amareladas, o bigode ralo é uma tentativa inútil de disfarçar os 17 anos de Diego Alves dos Santos, morto na manhã de terça-feira, 29 de março, quando o ônibus que o transportava para o corte de cana na usina Taquarí colidiu com uma carreta nas imediações do município sergipano de Capela.
Na varanda de sua casa, à beira dos canaviais que rodeiam o pequeno povoado de Bota Fogo, divisa dos municípios de Coruripe e Pindorama no sul de Alagoas, Benedita lembra que aquela não fora a primeira vez que seu sobrinho viajou para cortar cana no estado vizinho. “Sempre que termina a moagem nas usinas daqui, o José Cícero empreiteiro convoca o pessoal do povoado para trabalhar em Sergipe. Antes do acidente, o Diego já tinha passado uma semana inteira cortando cana por aquelas bandas”, revelou Benedita.
Na madrugada daquela terça, Diego e mais 24 conterrâneos partiram de Bota Fogo rumo a mais uma jornada de trabalho. A poucos quilômetros de seu destino final, o motorista do ônibus perdeu o controle do veículo e bateu de frente com um caminhão carregado de coque, um derivado do petróleo utilizado na fabricação de cimento. Além de Diego, os dois motoristas e mais um cortador morreram. Maxwell Santos, de 17 anos, teve um dos braços amputado e continua internado no Hospital de Urgência de Sergipe(Huse).
“Até agora ninguém da usina procurou a gente”, informou Benedita. Por tratar-se de um menor de idade sem carteira assinada, ela não tem esperanças de que a Usina Taquarí assuma a responsabilidade sobre o acidente – o que em outras palavras significaria admitir que possui trabalho clandestino em seus canaviais.
Novas usinas
Diego Alves começou a trabalhar nos canaviais em 2008, mesmo ano de inauguração da Usina Taquarí. Enquanto o jovem alagoano desferia seus primeiros golpes de facão, recebendo menos de R$ 4,00 por tonelada de cana cortada, o Grupo Samam investia R$ 68 milhões para pôr em funcionamento no povoado Miranda, município de Capela, “das mais modernas usinas de álcool do Nordeste, com 10 mil tarefas de terra tomadas pelo plantio de cana-de-açúcar, tendo capacidade de moagem de 500 mil toneladas e produção de 30 milhões de litros de álcool por safra”, segundo informações do site oficial da empresa.
A Samam (Sociedade Anônima Aguiar Menezes)foi criada há mais de 80 anos pelo empresário Manuel Aguiar Menezes. Ao longo do século passado, o Senhor Manelito, como ficou conhecido na sociedade sergipana, transformou pequena empresa de ferragens, louças e vidros em uma holdingcom faturamento anual de mais de R$ 360 milhões e que abrange mais de 20 empresasatuantes nas áreas de de carros, caminhões e tratores, agronegócio, indústria, clínicas hospitalares, ária serviços em geral. O grupo é comandado por seus netos Henrique e Manelito Menezes e tem na caçula Taquarí a sua mais nova galinha dos ovos de ouro. A expectativa é que já em 2012 a usina alcance seu ápice de funcionamento, chegando à marca de 40 milhões de litros de álcool por safra.
Dinheiro público
O que poucos sabem, todavia, é que boa parte dos R$ 68 milhões investidos na construção da Taquarí não saíram efetivamente dos bolsos dos presidentes da Samam. Na verdade, a empreitada foi financiada pelo governo de Sergipe, através do Banese – Banco Estadual de Sergipe. Além do financiamento público, a Taquarí foi contemplada com uma redução de 90% no recolhimento do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) durante um prazo de 15 anos.
“Meu otimismo é ancorado não só na forte demanda pelo álcool combustível, mas também na certeza de incentivos fiscais concedidos pelo governo do estado. O incentivo fiscal do governo foi crucial. Caso não recebêssemos esse apoio, seria completamente inviável criar o empreendimento”, afirmou o presidente Manelito Menezes, quando da inauguração da usina.
Mesma vantagem foi dada a Carlos Vasconcelos, presidente da Agroindustrial Campo Lindo. Instalada no município de Nossa Senhora das Dores no mesmo ano de 2008 e com capacidade para produzir 700 mil litros de etanol por dia, 80% dos R$ 120 milhões gastos na construção da Usina Campo Lindo foram financiados pelo BNB – Banco do Nordeste do Brasil.
A instalação das usinas de Campo Lindo e Taquarí são exemplos concretos de um novo ciclo de recuperação da atividade canavieira em Sergipe, segundo Ricardo Lacerda, professor de economia da UFS (Universidade Federal de Sergipe) e assessor econômico do governo estadual. “Desde 2004, impulsionada pela expansão da frota nacional de veículos bicombustíveis e pela trajetória ascendente do preço do açúcar no mundo, a atividade canavieira de Sergipe iniciou um ciclo de recuperação que veio a ser consolidado nos últimos anos com a implantação das usinas de Campo Lindo e Taquarí. Ainda que a produção de cana-de-açúcar de Sergipe represente apenas 3,7% do total do Nordeste, esse ciclo recente confirmou um novo espaço para atividade canavieira no Estado”, opina Lacerda. Em 2009, por exemplo, a produção sergipana atingiu 2,7 milhões de toneladas, 98% maior que a safra de 1996.
Charles Souto
de Coruripe/AL e Aracaju/SE
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