segunda-feira, 30 de maio de 2011

CNBB depois da última Assembleia Geral - uma análise

Sergio Ricardo Coutinho


O mês de maio de 2011 foi marcado pela 49º Assembleia Geral da CNBB.

Além da mudança na presidência, os debates acerca dos caminhos que a Igreja Católica quer seguir no Brasil foram importantes.

Aliás, caminho é uma palavra significativa e marcante para o historiador Sergio Coutinho, ao analisar esse encontro dos bispos da CNBB. Segundo ele, as autoridades religiosas optaram durante a Assembleia pelo "caminho do meio”. "Esperamos que o encontro com os grandes problemas que a sociedade coloca não fique numa posição de neutralidade.

O caminho do meio não significa neutralidade. Significa, isto sim, um posicionamento em busca da justiça, do diálogo com a sociedade sem negá-la, sem dizer que ela está em um caminho errado.

Significa sempre estar caminhando com ela, buscando o caminho de diálogo, sem cair nos extremos”, afirmou ele durante a entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line.

A entrevista foi feita em parceria com o Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT.

Sérgio Ricardo Coutinho é mestre em História pela Universidade de Brasília. É professor de História da Igreja no Instituto São Boaventura em Brasília e na UnB. Atualmente faz parte da Associação Brasileira de História das Religiões – ABHR e preside o Centro de Estudos em História da Igreja na América Latina – Cehila-Brasil.


Muitos afirmam que a CNBB recuou fortemente nos últimos anos em sua agenda social. O senhor concorda com essa avaliação? A que o senhor atribui esse recuo?

De fato, o movimento da redemocratização do país e a sociedade incorporando os valores democráticos de liberdades, assim como a busca pela igualdade, possibilitaram o surgimento de muitos movimentos sociais e organizações não governamentais em geral. Os próprios partidos políticos cresceram e se abriram muito. A sociedade civil passou a se organizar mais. Neste sentido, podemos dizer que a Igreja teve uma dificuldade de continuar no mesmo modelo que vinha desenvolvendo nos anos 1970 e 1980.
A redemocratização do Brasil também coincide com toda uma interferência maior por parte do Vaticano, visando principalmente a um maior controle sobre aqueles bispos, padres, religiosos, agentes pastorais que estavam mais inseridos no mundo político-social. Isto porque estes grupos tinham uma forte carga ligada à Teologia da Libertação. O Vaticano entendia essa teologia da mesma forma como pensava o marxismo.
Podemos dizer que aqueles famosos bispos que tinham uma atuação política mais efetiva foram desaparecendo por conta da idade, e no lugar deles foram colocados outros sem a mesma formação intelectual, sem a mesma percepção da realidade social. Foram postos aqueles que deixam sempre para os poderes públicos cumprirem com as questões sociais. Estes creem que a Igreja não deve se intrometer nisto. Por outro lado, a Igreja vai começando a dialogar com estes grupos, procurando encontrar forma de como apoiar estes movimentos, como estar junto, para ser solidária na caminhada por uma sociedade mais justa. Ela também passa a rever seu papel e o de suas pastorais sociais refletindo a respeito de como podem atuar na sociedade, principalmente naquelas áreas aonde o Estado não chega. Inclusive o próprio Estado solicita o apoio da CNBB nestes campos. Por exemplo, a Pastoral da Criança, a Pastoral do Menor Abandonado, Pastoral da Aids. Em todas essas áreas tem crescido muito a atuação da Igreja, e o Estado tem pedido constantemente que ela continue com este serviço, que, teoricamente, é função dele. Muitas vezes, é claro, falta vontade política para estas ações.

Qual a influência do Vaticano na Igreja Católica no país?

O historiador italiano Giuseppe Alberigo [1] diz que existe uma ideia segundo a qual a Cúria Romana tem uma forte intervenção nas Igrejas locais. Percebemos que, no cotidiano, muitas dessas igrejas locais têm sua autonomia. Então, não é tão gritante este tipo de intervenção. Parece-me que, nos últimos 25 anos, a intervenção do Vaticano no Brasil foi muito mais uma tentativa de retomar a sua identidade católica, e para isso precisaria de um clero mais obediente e de um episcopado mais firme em suas convicções doutrinárias, não muito inseridos no mundo. É preciso saber separar bem o mundo e a Igreja. Creio que é preciso intervir na formação do clero, dar maior ênfase no Código de Direito Canônico, na questão normativa, na nomeação de bispos e no próprio cuidado que vai ser dado para com os documentos sobre a Teologia da Libertação.
Um caso clássico de intervenção no Brasil é o de Leonardo Boff. Além disso, o Vaticano também já interveio em algumas dioceses. Lembro da diocese de Recife-Olinda, da diocese de Santíssima Conceição do Araguaia. Vários desses lugares receberam visitas apostólicas a fim de chamar a atenção dos bispos para que eles não regularizassem demais a sociedade. A intervenção não é tão absoluta. Porém, temos visto casos recentes de intervenção na Austrália ou no Equador, que nos deixam de "orelha em pé”, preocupados com práticas destes tipos, pois foram formas de intervenção muito violentas.

Num artigo, o senhor afirma que "os bispos, em sua grande maioria, optaram pelo ‘caminho do meio’”. O que quis dizer com isso?

O caminho do meio é uma expressão que está ligada à religião budista. O cristianismo, em seu início, era chamado de "caminho”. Neste caso, a intenção foi metafórica de não ficar em nenhuma das pontas, nenhum dos extremos, de encontrar um caminho de diálogo com a sociedade sem cair nos extremismos que poderiam ser alguma prática mais fundamentalista, de rejeição de qualquer diálogo com o mundo. A eleição do presidente, vice e secretário geral da CNBB, representa a grande maioria dos bispos brasileiros, principalmente os de uma ala mais moderada que tem uma visão do Concílio Vaticano II muito firme. Ou seja, um grupo de religiosos que procura fazer com que este momento continue presente na Igreja, sem radicalismos.
Esperamos que o encontro com os grandes problemas que a sociedade coloca não fique numa posição de neutralidade. O caminho do meio não significa neutralidade, mas sim um posicionamento em busca da justiça, do diálogo com a sociedade sem negá-la, sem dizer que a sociedade está em um caminho errado. Significa sempre estar caminhando com ela, buscando o caminho de diálogo, sem cair nos extremos. No ano passado, com toda a questão das eleições para a presidência da República, percebemos a presença forte de setores muito radicalizados, mais fundamentalistas, que veem a sociedade como pecaminosa. Este grupo tentou de alguma maneira falar alto. Não é esta posição que parece querer a CNBB seguir. Então, o caminho do meio tem a ver com equilíbrio – discernimento, na linguagem dos jesuítas – sem condenar, mas dialogando. Parece-me ser um caminho parecido com aquele assumido pelo Papa João XXIII: menos condenações e mais misericórdia.

O senhor pode pontuar quais foram as principais mudanças propostas nessa Assembleia?

A Assembleia teve como objetivo eleger a sua presidência e a das suas comissões de pastoral. Também objetivou elaborar as suas Diretrizes Gerais de Ação Evangelizadora, que é como uma espécie de central elétrica. É dela que parte toda a energia para a Igreja no Brasil, paróquias, movimentos, dioceses, comunidades que têm nessas diretrizes a inspiração para desenvolver o seu planejamento pastoral. Parece-me que a grande mudança é a de levar, de forma mais profunda possível, adiante o que saiu na Conferência de Aparecida, que é principalmente uma ideia de Igreja que seja, de fato, missionária. Para isso, ela precisa estar encarnada no mundo. Neste sentido, a Igreja precisa desenvolver todo um método próprio de diálogo com a sociedade, uma nova evangelização, que não só busca os católicos afastados, mas que também esteja em diálogo com a sociedade.
Também é necessária uma convenção pastoral. Para isso, são necessárias mudanças de estruturas. Uma destas que o documento das diretrizes aprovou é o tema da Igreja como "comunidade de comunidade”, ou seja, valorizar a vida comunitária e resgatar as práticas locais. Existem muitas experiências comunitárias nas cidades, nas periferias, no mundo rural. Também chama a atenção da sociedade revalorizar as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
Pensando de uma forma global, creio que, depois desta Assembleia, temos uma CNBB com um rosto mais missionário, com mais desejo de se aproximar da sociedade sem cair nas condenações. É claro que dentro da CNBB há muitas correntes que fazem pressão. E neste campo da moral, da moral sexual, isto vai mudar muito pouco. Neste campo, a CNBB vai se manter muito tradicional no seu posicionamento.

Quais temas sociais são ainda sensíveis ao colegiado de bispos brasileiros? Na última Assembleia da CNBB algum tema social ganhou destaque?

Alguns temas sociais foram tratados, sim. Primeiro, foi muito importante a votação unânime que decidiu que a CNBB vai apoiar a 5a Semana Social. Ainda que a votação tenha sido unânime, sabemos que existem muitos bispos que têm alguma preocupação com essa atividade [a Semana Social], porque envolve outros grupos e parceiros e, às vezes, eles ficam desconfiados em relação a esses outros grupos. Por exemplo: o MST e a Via Campesina. No entanto, essa foi um decisão muito importante. A CNBB vai agora trabalhar para esta Semana Social, que visa à construção de propostas concretas em defesa dos pobres e dos mais fracos, na busca pela justiça no trabalho e no campo, assim como na questão do trabalho escravo. Esta Semana Social vai ser muito importante para as pastorais sociais e para que a própria Igreja se aproxime da sociedade.
Outro elemento que apareceu foi o Movimento de Educação de Base – MEB, que comemora os seus 50 anos. Apesar de ter um grupo de 20% de bispos que acha que isto está ultrapassado, ainda há um grande apoio para a atuação do movimento. A Igreja foi, durante os anos 1960 e 1970, mais enfática nestes movimentos. Hoje, existem outras instituições que trabalham a educação. Porém, ainda é uma área muito carente de políticas públicas. A nossa educação continua patinando em muitos aspectos, e o apoio ao MEB continua sendo um apoio que a Igreja dá àqueles que estão mais distantes de uma educação formal nas escolas.
Outro tema que apareceu foi a questão indígena. Um grupo de bispos acha que a questão indígena é problemática e outros não concordam com posições como as de D. Erwin Kräutler, que questiona os grandes empreendimentos, uma vez que irão afetar as terras indígenas e a população local. Um dos grupos acha que este discurso impede o desenvolvimento do Brasil. Mas, de alguma maneira, existe um outro grupo questionando a respeito da forma como os missionários do Conselho Indigenista Missionário atuam com algumas culturas e assuntos. Por exemplo: o infanticídio, que é um tema espinhoso e é praticado em algumas culturas. Muitos bispos não entendem isso. Acreditam que esta é uma cultura da morte e que a Igreja não pode apoiar este tipo de ação. De um modo geral, nós tivemos um grupo muito grande da Assembleia que compreendeu ser a população indígena indefesa e vítima da violência.
Um último assunto é a reforma política. Nestes quatro anos da nova direção, a CNBB vai trabalhar formando a sua própria comissão para acompanhar e fazer uma proposta de reforma política. A presidência que encerrou agora emitiu um documento que se chama Por uma reforma do Estado com participação democrática. Este documento vai servir de base para esta comissão há pouco formada a fim de discutir com parlamentares e outras entidades da sociedade civil sobre a reforma política. A Igreja quer dar a sua opinião sobre este tema.

Como andam as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs? O que as diferenciam hoje dos anos 1970?

O contexto histórico é outro. De fato, as CEBs se desenvolveram dentro de um contexto de ditaduras militares, de falta de democracia, de abusos de poder e de violação dos direitos humanos, de fechamento de partidos, etc. Surgem como aquele espaço em que os vários grupos encontrarão um lugar para se respirar – é uma espécie de um balão de oxigênio. Neste momento, a Teologia da Libertação ajudou muito estas comunidades formadas por gente simples, pobre, que vem das periferias e do campo, pessoas que começam a se tornar sujeitos na vida política, assim como na vida eclesial. Como essa teologia sofreu muita intervenção, de uma certa forma as CEBs foram se resguardando, saindo da cena pública e da visibilidade das mídias. Atualmente, muitos falam que as CEBs acabaram porque elas não aparecem. Isso é falso, pois elas não estão na mídia, mas estão presentes no cotidiano das nossas paróquias e dioceses. A Lei contra a Corrupção Eleitoral, e agora recentemente a Lei da Ficha Limpa, só foi possível porque praticamente 85% das assinaturas vieram das bases da Igreja. Então, as CEBs continuam atuando. Com menos visibilidade, sim. Mas continuam presentes na vida da Igreja.

Nota:

[1] Giuseppe Alberigo foi um importante historiador da Igreja Católica. A sua obra mais importante foi a direção da iniciativa editorial Storia del Concilio Vaticano II. Seu caráter progressista, no entanto, não teve unânime acolhimento no âmbito católico.


Fonte: IHU

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