terça-feira, 10 de maio de 2011

49º AG CNBB - Conjuntura Eclesial e Sínodo para uma Nova Evangelização

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
49ª Assembleia Geral da CNBB
Aparecida-SP, 4 a 13 de maio de 2011
49ª Assembleia Geral (Sub)
Conjuntura Eclesial e Sínodo para uma Nova Evangelização
Mario de França Miranda
Sem dúvida vivemos um tempo crítico na história da humanidade e da Igreja com
repercussões em nosso país. Não voltaremos a descrevê-lo, pois tal já foi realizado muito bem
pelo Padre Joel Amado na Assembléia passada. Apenas gostaríamos de enfatizar, logo de
início, que a seriedade da hora atual pede coragem de encarar a realidade, de discernir o que
convém à luz da fé cristã, de ousar iniciativas novas. O Documento de Aparecida afirma que
todos na Igreja “são chamados a assumir atitude de permanente conversão pastoral, que implica escutar com atenção e discernir „o que o Espírito está dizendo às Igrejas‟ (Ap 2,29)
através dos sinais dos tempos em que Deus se manifesta” (DAp 366). O texto dos Lineamenta
para o próximo Sínodo sobre “a nova evangelização para a transmissão da fé cristã” afirma
que os novos desafios “obrigam a Igreja a se questionar de modo novo sobre o sentido de suas
ações de anúncio e de transmissão da fé” (L 3).
Realmente vivemos, quer nos agrade ou não, a passagem de uma Igreja de cristandade
para uma Igreja de diáspora que nos aproxima de certo modo do cristianismo primitivo. Toda
mudança exige não só atenção, clarividência, avaliação e discernimento com relação ao que
está em questão, mas também certa lucidez concernente às condições e aos pressupostos
exigidos para que ela possa, de fato, se tornar realidade. Portanto, o objetivo desta exposição é
apresentar as principais linhas pastorais presentes tanto no corpo dos Lineamenta como
também no texto das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil a ser
votado nesta Assembléia. E ao apresentar estas orientações fundamentais, procurar apontar
algumas opções pastorais para que elas possam ser fecundas em nosso país. Dividiremos esta
exposição em seis partes: a nova evangelização, a pessoa de Jesus Cristo, a missão da Igreja, a
iniciação à vida cristã, a Igreja como comunidade de comunidades e, finalmente, a Igreja e a
realidade sociopolítica.

1. Nova Evangelização
Expressão fundamental nos Lineamenta “Nova Evangelização” significa não uma
reevangelização, mas uma evangelização nova em seu ardor, em seus métodos, em suas
expressões, como a caracterizou João Paulo II falando ao Episcopado Latino-americano em
1983. Assim ela não é uma duplicata ou repetição da primeira evangelização, “mas é a
coragem de ousar novos caminhos para atender às mudanças de condições dentro das quais a
Igreja é chamada a viver hoje o anúncio do Evangelho” (L 5). Mais tarde João Paulo II
utilizará o mesmo termo ao se dirigir à Igreja Universal em sua encíclica Redemptoris Missio,
conclamando-a “a um renovado empenho missionário” (RMi 2). Este conceito esteve também
presente nas Assembléias dos Sínodos Continentais implicando renovação espiritual,
discernimento diante das mudanças, assunção de novas responsabilidades (L 5).
Sensível à realidade de descrença e de indiferença religiosa encontrada na Europa,
embora a se difundir por toda parte, Bento XVI lançou em sua visita à República Checa a
idéia do “pátio dos gentios” como um espaço onde todos possam entrar e rezar ao único Deus
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que não conhecem, por estarem insatisfeitos com seus deuses, seus ritos e seus mitos. A
mesma imagem volta quando o papa trata da pastoral no mundo da internet, o qual pode se
tornar um importante meio para atingir os que não acreditam, os que caíram no desânimo e os
que cultivam no coração desejos de absoluto e de verdades não caducas (Mensagem para o
Dia Mundial das Comunicações Sociais em 24/01/2010). No fundo, Bento XVI está a nos
indicar novos caminhos e novos públicos para a evangelização.
Mudanças de época sempre provocam certa desorientação e perplexidade. Pois os
referenciais tradicionais são questionados, sejam mentalidades, sejam valores. A pluralidade
de leituras coexistentes pode levar ao relativismo, bem como a uma reação contrária no
fundamentalismo. Além disso, o individualismo cultural, a pressão da produtividade
econômica, o consumismo crescente e o sucesso pessoal, com suas conseqüências nefastas
são experimentados por todos habitantes do planeta. Porém, em nosso país, a nova
evangelização apresenta ainda destinatários próprios.
De fato, nosso povo conserva uma religiosidade básica, já diminuída ou simplesmente
desaparecida em países do Primeiro Mundo. Entretanto, observada mais de perto, esta
religiosidade não significa sem mais que estejam evangelizados. Encontramos em alguns um
catolicismo superficial, limitado a práticas religiosas de cunho emocional, voltado para a
obtenção de favores, ou ainda fechado em si mesmo, sem se importar com o próximo.
Naturalmente a situação socioeconômica de muitos brasileiros, a insuficiência do sistema de
saúde, a crescente violência explicam de certo modo esta religiosidade. Mas sabemos também
que os católicos não praticantes podem ser presas fáceis para outras confissões religiosas, ou
mesmo para a descrença. Poderíamos ainda indicar outras lacunas, muito nossas, a serem
sanadas pela nova evangelização como a dimensão mística ou experiencial da fé, o imperativo
missionário inerente à vocação cristã, a ausência de uma vivência realmente comunitária na
Igreja, certa apatia com relação ao compromisso por uma melhor sociedade. Mas estes temas
voltarão mais adiante.

2. A pessoa de Jesus Cristo e o Reino de Deus
O encontro pessoal com Jesus Cristo foi frequentemente enfatizado por João Paulo II
em seu pontificado, repercutindo nas Assembléias Episcopais Latino-americanas de Puebla,
de Santo Domingo e de Aparecida. A afirmação de Bento XVI já é bem conhecida: “Não se
começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas através do encontro com
um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, um rumo
decisivo” (DCE 1). Esta verdade implica que vejamos os Evangelhos não apenas como fonte
de conhecimento sobre Jesus Cristo e sua mensagem, mas como a Palavra de Deus que nos
interpela, desinstala, e questiona, urgindo uma resposta de nossa parte. Esta Palavra é um
convite a nos entregarmos e a nos comprometermos com Jesus Cristo, realizando então uma
experiência salvífica.
Sendo assim, esta experiência salvífica constitui a finalidade do anúncio salvífico
(querigma) (DAp 289) e aponta para a dimensão mística da fé, um dado da tradição eclesial,
infelizmente esquecido (DAp 290). De fato, a transmissão da fé de uma geração para outra
não consiste em comunicar um pacote de verdades ou de normas, mas de passar adiante uma
experiência significativa, plenificante, salvífica, feita com Jesus Cristo. Daí a importância do
testemunho existencial de quem evangeliza. Daí também a importância do contato com a
pessoa de Jesus Cristo através dos relatos neotestamentários e da oração freqüente. Quando
esta experiência inicial se encontra ausente, nosso zelo por formulações doutrinais corretas,
nossas recomendações para práticas religiosas, nossos apelos a maiores compromissos pelo
Reino, numa palavra, nossas pastorais não conseguem alcançar o fruto desejado. E aqui nasce

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a pergunta: em nossa vida de fé e em nossa atividade pastoral ocupa esta familiaridade com
Jesus Cristo o lugar que lhe compete? Ou enquadramos de tal modo a fé cristã em categorias
racionais ou jurídicas, em práticas e instituições, embora em si necessárias, que leva muitos a
buscarem em religiões orientais a mística que temos sobejamente na nossa? Não se concentra
aqui todo o impulso para uma autêntica iniciação cristã, como desejam os recentes
documentos do magistério?
Entretanto para não sucumbirmos a um relacionamento com Jesus Cristo de cunho
intimista, interesseiro, sentimental, não podemos separar a pessoa do Mestre de Nazaré de sua
missão: proclamar e fazer acontecer o Reino de Deus na história humana. Em suas palavras e
em suas ações transparece o amor do Pai por todos, convidando a todos a ter com seus
semelhantes a mesma atitude de Deus. Assim mostrava que só no amor fraterno, na atenção e
no cuidado com o outro, sobretudo com o próximo em necessidade, seria possível uma
convivência humana na paz e na justiça. Portanto, acolher a pessoa de Jesus Cristo é sem mais
acolher a causa do Reino de Deus. De fato, muitos chegam a uma autêntica experiência de
Deus no serviço, muitas vezes desapercebido, aos mais pobres e excluídos.
A pessoa de Jesus é também decisiva para a nossa imagem de Deus. “Ninguém
conhece o Pai a não ser o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11,27). Se
levarmos realmente a sério este dado da revelação, então deveríamos haurir nossa
representação de Deus das palavras (sobretudo das parábolas) e das ações de Jesus. Pois a
história do cristianismo nos demonstra que deformações deturparam a autêntica face de Deus
revelada em Jesus Cristo e que ainda hoje provocam dificuldades em muitos cristãos e não
cristãos (GS 19). Deus não é a divindade distante dos deístas, nem ameaçadora dos
jansenistas, nem só presente no sofrimento ou tapa-buraco nas necessidades. Deus é amor, é
misericórdia, é compassivo e bom, apaixonado pelo ser humano a ponto de sacrificar o seu
próprio Filho para que tivéssemos a vida (1 Jo 4,9s). Acreditamos realmente no Deus de Jesus
Cristo? Confiamos nele em nossa miséria sem buscar garantias humanas que dele nos
protejam? Nossas pastorais refletem este Deus amor e misericórdia?

3. A missão da Igreja
Toda a razão de ser da Igreja é levar, ao longo da história, a salvação de Jesus Cristo
para toda a humanidade. Sua razão de ser está voltada para a sociedade a ser evangelizada,
como nos recorda Paulo VI, citado nos Lineamenta (L 2): “Evangelizar constitui, de fato, a
graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para
evangelizar” (EN 13). Daí ser a nova evangelização a missão fundamental da Igreja (L 10). E
como todos os batizados constituem a comunidade eclesial, todos eles, por serem católicos,
devem também ser missionários. Razões históricas, que não nos cabe aqui discutir, limitaram
ao clero a atividade pastoral, levando o laicato a uma passividade que perdura até nossos dias,
e que, felizmente, começa a ser superada.
Se toda a Igreja é missionária não deve nos admirar que as mudanças socioculturais
ocorridas na sociedade repercutam também na ação pastoral da Igreja. Novos desafios, novas
situações, novas oportunidades pedem novas iniciativas evangelizadoras, como percebeu
muito bem Bento XVI com a sua idéia do “pátio dos gentios”. Nova evangelização significa
assim uma resposta adequada às necessidades dos nossos contemporâneos, à cultura atual, aos
novos cenários (L 23). Os Lineamenta os caracterizam como cenários sociais, culturais,
econômicos, políticos, religiosos e os expõe concretamente (L 6). Primeiramente descreve o
cenário da cultura e aponta o fenômeno da secularização, presente especialmente no mundo
ocidental, que denota uma vida humana e social sem qualquer referência a uma realidade
transcendente. Assinala também a presença do individualismo hedonista e consumista, o

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surgimento de um sagrado ambíguo, o fundamentalismo e o emprego da violência em nome de Deus.
Num segundo cenário de cunho social são apontados o fenômeno migratório, a relativização dos valores
e das tradições, a globalização crescente com suas vantagens e desvantagens.
O cenário seguinte descreve o progresso enorme dos meios de comunicação social,
que tão fortemente influenciam nossos contemporâneos e que apresentam aspectos positivos e
negativos, que são devidamente descritos. O cenário econômico assinala a crise atual e a
necessidade de regulamentar o mercado mundial, bem como a ausência de uma sensibilidade
maior para com os países mais pobres. O quinto cenário é o da ciência e da tecnologia que
tantos benefícios tem trazido à humanidade, mas que pode se arvorar em nova religião com o
monopólio da verdade, do sentido da vida e da ética. O último cenário é o da política que
apresenta uma situação inédita, rica de potencialidades e de tentações de domínio, com o fim
do bilateralismo até então vigente. Estes novos desafios “questionam práticas consolidadas,
enfraquecem percursos habituais e já padronizados” (L 3), mas também pedem mais
profundamente uma nova configuração eclesial (L 9). Deste modo, “o problema da falta de
fecundidade da evangelização hodierna é um problema eclesiológico, que diz respeito à
capacidade de a Igreja se configurar, ou não, como uma comunidade real, como uma
verdadeira fraternidade, como um corpo e não como uma máquina ou uma empresa” (L 2).
O mesmo problema já havia sido percebido pelos bispos em Aparecida quando urgiam
o abandono de “estruturas ultrapassadas que já não favoreçam a transmissão da fé” (DAp 365)
ou quando afirmavam que uma renovação eclesial “implica reformas espirituais, pastorais e
também institucionais” (DAp 367). Temos que reconhecer ainda que uma determinada
configuração eclesial inevitavelmente condiciona a mentalidade e o comportamento do
católico. Se no passado só a hierarquia tinha voz ativa e o comando das iniciativas,
naturalmente o laicato se comportava como uma massa silenciosa, obediente e passiva.
Portanto, não conseguiremos incutir no laicato uma consciência missionária se não
oferecermos novas estruturas de comunhão e de participação.
Em nossos dias “o processo de evangelização se transforma num processo de
discernimento”, para ouvir o Espírito, para captar os sinais dos tempos, que implica “um
momento de escuta, de compreensão, de interpretação” (L 3). As Igrejas Locais devem ter
claros os objetivos, os meios, as modalidades para a realização efetiva da nova evangelização,
bem como os desafios de seu respectivo contexto sociocultural (L 4). E igualmente um
discernimento crítico para com os estilos de vida, as mentalidades dominantes, as linguagens
comuns, os valores presentes na atual sociedade (L 7).
Além disso, numa época caracterizada pela inflação de discursos e pelo conseqüente
ceticismo com relação a soluções ideais, numa época que entende pouco das formulações
religiosas do passado, numa época em que as instituições estão em crise, se torna fundamental
o testemunho de vida. Nas palavras de Paulo VI: “O homem contemporâneo escuta com
melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, ou então se escuta os mestres, é porque
eles são testemunhas” (EN 41). Assim o exemplo de uma vida coerente com a mensagem
evangélica valoriza e dá credibilidade à Igreja. Pois se trata de alguém que vive a aventura da
existência conservando a paz, a esperança e mesmo a alegria em meio às dificuldades e aos
sofrimentos próprios da condição humana. E muitas vezes este testemunho acontece em
espaços da sociedade onde jamais pisou um clérigo!
Importante também é respeitar as pessoas em sua caminhada histórica. Como Jesus no
encontro com a samaritana, saber partir da situação de cada um e ir, com paciência e
compreensão, levando-lhe a mensagem evangélica sem exigir dele o que, no momento, não
pode nem entender nem praticar. Reconhecemos ser um sério desafio esta pastoral

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personalizada pela escassez de evangelizadores devidamente competentes para tal. Mas o
texto de Aparecida é claro: o encontro pessoal com Jesus Cristo e com sua missão “é um
caminho longo que requer itinerários diversificados, respeitosos dos processos pessoais e dos
ritmos comunitários” (DAp 281).
Uma outra característica da missão em nossos dias é que ela não deve temer se
enfrentar com a sociedade onde vivemos. Não podemos “permanecer fechados nos recintos
de nossas comunidades e das nossas instituições” (L 7). Para tal é preciso que conheçamos
bem o contexto sociocultural que marca a vida de nossos contemporâneos. Só assim
estaremos capacitados a empregar uma linguagem que lhes seja significativa e, portanto,
salvífica. Para tal é preciso também conhecer, não superficialmente, as verdades da nossa fé,
para que saibamos dar razões da nossa esperança (1 Pd 3,15; ver L 16). Felizmente
observamos uma busca crescente de formação teológica por parte do laicato, embora, muitas
vezes, o mesmo fenômeno não possa ser afirmado entre os que se preparam para o sacerdócio,
que deveriam ter um contato maior com a sociedade real onde irão exercer seu ministério
(DAp 323), para sentir de perto o desafio da pastoral futura. Este objetivo seria mais
facilmente alcançado se participassem, sempre que possível, da vida universitária em alguma
instituição católica. Pois se nota em alguns padres mais novos certo medo desta sociedade
complexa e secularizada, que pode levá-los a se refugiarem no âmbito do culto e da
administração.

4. Iniciação à vivência cristã
O advento de uma sociedade secularizada que não mais respalda a fé dos católicos,
bem como a insuficiência de uma iniciação cristã por parte da família, da escola e mesmo da
paróquia, levará a Igreja a insistir num encontro pessoal com Jesus Cristo como fator decisivo
para a recepção mais consciente dos sacramentos e da pertença à comunidade eclesial. De
fato, pressuposto necessário para que doutrinas e normas sejam devidamente acolhidas e
seguidas pelo fiel é que ele já tenha experimentado antes a atração e a força da pessoa e da
mensagem de Jesus Cristo. O encontro com a pessoa é mais importante do que o contato com
a instituição, embora seja esta última que nos leva a Jesus Cristo.
A iniciação cristã constitui um processo em vista de um encontro cada vez maior com
o Filho de Deus (DAp 289). Este processo se inicia por um encontro inicial com o Mestre de
Nazaré através do anúncio salvífico (querigma) e da ação missionária da comunidade, ao qual
se segue a resposta correspondente na mudança de vida (conversão) que se desenvolve
gradativamente ao longo do discipulado, alimentado pela catequese e pelos sacramentos.
Naturalmente todo este processo acontece na comunidade e deveria propiciar uma autêntica
experiência eclesial, fortalecida pelo empenho apostólico (missão) do cristão (DAp 280).
Naturalmente estes elementos da iniciação cristã, acima descritos, acontecem simultaneamente e sua
seqüência não deve ser considerada como sua única modalidade, já que o texto de Aparecida urge que se
ofereçam modalidades (no plural) de iniciação cristã (DAp 287).
Observo que esta temática, no Documento de Aparecida, aparece estreitamente
vinculada com a recepção de sacramentos, como, aliás, se dava na época patrística. O texto
dos Lineamenta repete o mesmo (L 18), mas já insiste também na evangelização e no anúncio
(L 19), o que é muito necessário em nossos dias. Esta iniciação vai dirigida seja aos que se
preparam para o batismo, seja para os já batizados, mas afastados, seja mesmo para os não
batizados que buscam conhecer a fé cristã. Deste modo poder-se-ia pensar também em
modalidades mais informais, menos ligadas visivelmente à instituição eclesial, com maior
facilidade de penetração em certas mentalidades e ambientes, abertas ao diálogo com os que

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pensam diferente, as quais poderiam desfazer ignorâncias e preconceitos e possibilitar assim
um encontro significativo com a pessoa de Cristo que os traria gradativamente à Igreja.
Normalmente a iniciação cristã deverá ter lugar na paróquia onde as pessoas têm
maior contato com a Igreja Católica. Mas devido a uma pastoral sacramentalista os católicos
vêem na paróquia apenas uma entidade de prestação de serviços, sobretudo de oferta de
sacramentos. Consequentemente a instituição paroquial deverá sofrer mudanças para se
adequar às necessidades de hoje, como já haviam apontado os bispos em Aparecida (DAp
518). A configuração paroquial a serviço da iniciação da vivência cristã não surgirá dos livros
de teologia, mas das experiências concretas realizadas e devidamente avaliadas, e que exigem
coragem e ousadia.

5. Igreja Local e comunidades menores
Entendemos por Igreja Local não somente uma diocese, mas também dioceses de uma
região dotada de características socioculturais semelhantes e, portanto, com iguais desafios.
Pode ser um regional da CNBB, a própria Igreja no Brasil, ou mesmo a Igreja Latinoamericana.
Como enfatiza o texto dos Lineamenta: “O anúncio, a transmissão e a experiência
viva do Evangelho nela se realiza” (L 15). Hoje a Igreja Local tem grande importância. Pois
ela experimenta por primeiro as dificuldades provindas da sociedade, que mesmo afetando a
Igreja Universal são captadas e sentidas concretamente no contexto próprio da Igreja Local.
Ao respondê-las, a Igreja Local não só procura resolver seu problema particular, mas ainda
oferece às demais a sua contribuição para os desafios que atingem também às demais Igrejas.
Como afirma o Concílio Vaticano II, a Igreja Local deve oferecer às demais os seus dons em
vista de maior plenitude (LG 13). Quanto mais a Igreja Local se insere em seu contexto
sociocultural em vista de sua missão evangelizadora, tanto mais ela ajudará seus membros a
viver como cristãos naquele contexto. Mas também tanto mais poderá ela enriquecer a Igreja
Universal ao contribuir com novas formas de pastoral e de organização, com novas
expressões de espiritualidade e de culto, com a “variedade dos cargos e dos ministérios que a
compõem” (L 15). Aqui está o sentido último da convocação de um Sínodo Episcopal: ajudar
o Santo Padre no difícil e complexo ministério petrino em prol da Igreja Universal, seja
através das experiências em curso ou das sugestões enviadas, acolhidas ou não pelo governo
central da Igreja.
Tanto o Documento de Aparecida (DAp 100; 197) como os Lineamenta (L 15) não
escondem os problemas enfrentados hoje pela Igreja. Não iremos repeti-los. Mas gostaríamos
de enfatizar um deles. Vivemos numa época de intenso individualismo, de forte concorrência
entre pessoas, de exagerada pressão social por produtividade e eficiência, de incontrolável
aceleração do tempo, características que tornam nossos contemporâneos solitários e carentes
de vínculos sociais e afetivos. Além disso, as pessoas hoje estão cansadas de discursos,
múltiplos e desencontrados, que prometem felicidade e bem-estar e cujos efeitos não se fazem
sentir. É bem conhecido em nossos dias o descrédito generalizado com relação às instituições
estabelecidas e a própria Igreja não escapa desta mentalidade, agravada pelos recentes
escândalos noticiados pela mídia.
Daí ganhar o fator “experiência pessoal” uma grande importância em nossos dias. Esta
afirmação vale ainda mais para o desafio da nova evangelização. Sem uma autêntica
experiência do que é Igreja não conseguiremos motivar leigos e leigas a participar na vida e
na missão da Igreja. Como afirma o Documento de Aparecida: “Nossos fiéis procuram
comunidades cristãs, onde sejam acolhidos fraternalmente e se sintam valorizados, visíveis e
eclesialmente incluídos” (DAp 225b). E na mesma linha continua: “São elas o ambiente
propício para escutar a Palavra de Deus, para viver a fraternidade, para animar na oração, para
aprofundar processos de formação na fé e para fortalecer o exigente compromisso de ser

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apóstolos na sociedade de hoje” (DAp 308). Pois comunidade implica necessariamente
convívio, vínculos, afetividade, solidariedade, mútuo conhecimento e confiança. Daí a
urgência de comunidades menores. Através delas a Igreja poderá “chegar aos afastados, aos indiferentes e aos que alimentam descontentamento ou ressentimentos em relação à Igreja” (DAp 310).
Os bispos em Aparecida sentiram a necessidade de se reformularem as estruturas
paroquiais (DAp 172). Aconselham “a setorização em unidades territoriais menores, com
equipes próprias de animação e coordenação que permitam maior proximidade com as
pessoas e os grupos que vivem na região” (DAp 372). No fundo é todo um processo de
descentralização em marcha, que deve valorizar as experiências em curso e ousar iniciativas
significativas a partir de uma primordial “decisão missionária” (DAp 365). Conhecemos já os
frutos obtidos através da implantação das Comunidades Eclesiais de Base em muitas dioceses,
sensíveis aos respectivos contextos socioculturais e fiéis à Palavra de Deus (DAp 178). Mas
existem outras modalidades válidas de pequenas comunidades, grupos de vivência cristã, de
oração e de reflexão da Palavra de Deus (DAp 180), ou simplesmente grupos cristãos com
desafios comuns que buscam comunitariamente soluções à luz da fé. Aqui devemos
acrescentar os movimentos eclesiais e as novas comunidades que possibilitam para muitos um
“encontro vital com Jesus Cristo” e uma “ativa participação na vida da Igreja” (DAp 312).
A paróquia se torna assim “uma rede de comunidades e grupos” (DAp 172), ganhando maior
força missionária (DAp 173). Importante é que tais comunidades e movimentos mantenham profundo vínculo e obediência à Igreja Local, não só com relação à fé, mas ainda com relação à orientação pastoral da diocese (DAp 313). Outra condição é que saibam conviver com outros grupos de carismas diferentes, que não devem ser vistos como competidores, mas enriquecedores da unidade eclesial que se realiza na diversidade. “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo” (1Cor 12,4). Nada disso, contudo, verá a luz se o clero carecer de maturidade humana e espiritual para saber trabalhar com o laicato, num espírito de diálogo, de serviço, de abertura, sabendo valorizar carismas alheios e se deixar interpelar pelos outros, sendo assim “discípulos em comunhão” (DAp 324). Tarefa nada fácil em nossos dias!
É importante também que a afirmação de Aparecida considerando os leigos/as como
“verdadeiros sujeitos eclesiais” (DAp 497a), se, por um lado, pede deles uma melhor
formação religiosa (DAp 212) e cultural (DAp 492), por outro, destaca que eles devem gozar
de maior autonomia e participação em ministérios e responsabilidades, “com ações no campo
da evangelização, da vida litúrgica e de outras formas de apostolado” (DAp 211) de tal modo
que sejam “parte ativa e criativa na elaboração e execução de projetos pastorais” (DAp 213),
participando “do discernimento, da tomada de decisões e, do planejamento e da execução”
(DAp 371). Tudo isto lhes compete pelo batismo, sendo, portanto, sujeitos eclesiais, não
funcionalmente, mas constitutivamente.
Hoje a internet nos trouxe a cultura cibernética e ouve-se falar de “comunidades virtuais”. Como
avaliá-las em confronto com o que vimos até aqui? Sem dúvida a internet possibilita à proclamação cristã atingir um auditório vastíssimo, mas sem poder impedir a presença de deturpações graves da fé cristã. A ausência de uma comunidade eclesial física priva o internauta de outras mediações da fé como as celebrações comunitárias, as atividades pastorais, assistenciais e sociais, os testemunhos de vida cristã, bem como de tudo o que aprendemos de uma convivência humana. As comunidades virtuais podem se constituir como comunidades demasiadamente particulares e homogêneas por se guiarem pelos interesses próprios de seus membros. Não negamos, entretanto, que a participação numa comunidade virtual possa ser o primeiro passo para uma pertença posterior a uma comunidade real. Há blogs dirigidos por sacerdotes com resultados surpreendentes no campo da oração e da orientação espiritual.
Ainda uma observação. Afirma o Concílio Vaticano II : “Não se edifica no entanto
nenhuma comunidade cristã se ela não tiver por raiz e centro a celebração da Santíssima

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Eucaristia” (PO 6). Já o Documento de Aparecida faz eco a estas palavras quando assevera
que “todas as comunidades e grupos eclesiais darão fruto na medida em que a Eucaristia for o
centro de sua vida e a Palavra de Deus o farol de seu caminho” (DAp 180). Entretanto a
realidade eclesial hodierna nos oferece numerosas comunidades eclesiais privadas da
eucaristia pela escassez de ministros ordenados. Esta questão é realmente séria e deveria, mais
uma vez, aparecer nas respostas das Igrejas Locais às perguntas dos Lineamenta.

6. Igreja e realidade sociopolítica
Sem dúvida alguma, passado o tempo da ditadura militar e das fortes tensões
ideológicas, com a melhoria das condições de vida para muitos na sociedade, a Igreja
experimentou que outras vozes vieram se juntar a sua na luta pelos mais pobres e
marginalizados. Para alguns ela somente perdeu certo destaque na mídia; para outros ela
diminuiu seu empenho social pelas críticas a algumas teologias da libertação por parte de
Roma e pelas suspeitas que caíram sobre os mais comprometidos na causa dos mais fracos.
Talvez por isso o Documento de Aparecida não só afirma serem “os pobres os destinatários
privilegiados do Evangelho” (DAp 550), não só renova a opção por eles (DAp 392), mas urge
ainda gestos concretos que realmente a comprovem, dedicando-lhes tempo e atenção (DAp
397), proximidade e amizade (DAp 398).
De fato, os pobres são importantes para manter a Igreja fiel ao espírito do Evangelho.
Pois o espírito do mundo a assedia continuamente por uma valorização excessiva de honras,
poder, bens materiais, garantias de segurança, que podem afastá-la da sobriedade própria da
mensagem cristã. Certa mentalidade individualista e consumista fortemente presente na
sociedade não deixa de nos atingir, clero, vida religiosa, laicato, constituindo mesmo um sério
problema na formação dos atuais seminaristas.
Ainda uma observação. O agir político não decorre linearmente da moral, pois deve
passar necessariamente pelo que Bento XVI chama de “mediações institucionais da polis”
(Caritas in Veritate 7). De fato, o cristão encontra sempre uma sociedade já organizada, com
sua história, seus processos constitucionais, suas estruturas sociais, seus partidos políticos, sua
linguagem própria. Uma ação política deve ser concreta, apresentar um programa bem
determinado, alianças táticas, meios à disposição. Tudo isto pode ser visto diferentemente
dado o fato que vivemos numa sociedade pluralista, onde cada um pode ter uma percepção
diferente da ação política a ser realizada. O cristão não pode ceder de modo simplório ao
“maniqueísmo político”, nem cair na tentação do “evangelismo político” que identifica a fé
cristã com alguma opção política concreta (GS 43).
Deste modo, respeitada a doutrina e a moral da Igreja Católica, certa diversidade neste
campo, pode surgir não só no laicato, mas também na hierarquia. Pois inevitavelmente os
bispos apresentam uma pluralidade de experiências, de contextos, de formações, de teologias,
de preocupações, de leituras da realidade, que naturalmente os levam a avaliações diferentes
e, portanto, a atuações diferentes diante de uma situação determinada. Logo pode um bispo
emitir sua opinião pessoal, em nome próprio e para seus diocesanos, sobre temas da vida
política, como observa a Nota da CNBB por ocasião das últimas eleições (08/10/2010).
Enfatizo esta questão, pois julgo que devemos lutar pelo advento de uma mentalidade que
respeite mais a diversidade no interior da Igreja, inevitável em nossos dias, por parte dos
católicos e das católicas, educados talvez a confundir unidade com uniformidade.

Termino estes simples comentários aos Lineamenta agradecendo a todos pela atenção
e pela paciência com que me ouviram. Muito obrigado.

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