Tenho, no Equador, vários amigos desde o tempo em que ia para lá com certa frequência, e eles me comunicam as notícias daquela Igreja. Graças a isso pude ser o primeiro a informar no dia 30 de outubro (e 02 de novembro) do ano passado a notícia da renúncia do Mons. Gonzalo López (dos Carmelitas), por completar a idade canônica para isso, e a posse do Pe. Rafael Ibarguren (dos Arautos do Evangelho), na prelazia de San Miguel de Sucumbíos.
Em si, era uma mudança normal, pois o Pe. Gonzalo havia completado seus anos de prelado e havia apresentado a renúncia. Mas a forma como se efetuou (a modo de expulsão) e a maneira como os Arautos do Evangelho entraram em uma prelazia que havia mantido uma trajetória exemplar de Evangelho, fizeram eclodir os protestos de um lado e de outro. Vendo que as notícias e juízos sobre a situação já estavam sendo publicados em diversos meios de comunicação, com certa frequência (em Redes Cristianas e Atrio, por exemplo), desisti de continuar informando sobre o tema, mesmo que soubesse de muitas coisas, de primeira mão, através dos amigos de que falei.
Deixei de dar notícias e, sobretudo, de emitir juízos, porque o assunto era espinhoso e os enfrentamentos dolorosos. Ao longo de quatro meses e meio a situação se havia tornado insuportável. Muitos agentes de pastoral da Prelazia (em grande parte leigos) fechavam as portas aos Arautos do Evangelho e não os deixavam nem celebrar a eucaristia. E os Arautos, por sua vez (respaldados por algum bispo do Equador e pelo Núncio), queriam impor-se também à força, opondo-se em tudo às diretrizes de Mons. Gonzalo (e inclusive à sua pessoa).
Sobre tudo isso informa um portal exemplar da prelazia, intitulado ISAMIS (http://isamis2010.blogspot.com/), a partir de uma perspectiva contrária aos Arautos. Teria sido bom conseguir também contatos de um modo pessoal com o Pe. Rafael e com os Arautos, mas isso não me foi possível.
Por isso me limito a publicar a “boa notícia”. Os conflitos da Prelazia chegaram à Santa Sé e o Papa Bento XVI pôde conhecer o caso, e com um gesto de coragem que o honra, voltou atrás. Esta é a notícia que, no sábado (dia de São José), foi publicada em Quito, e comunicada inclusive na missa de várias Igrejas:
O Santo Padre Bento XVI nomeou o Exmo. Miguel Angel Polibio Sánchez, bispo de Guaranda e Secretário da Conferência Episcopal Equatoriana, como Delegado Pontifício da Prelazia de San Miguel de Sucumbíos “donec aliter provideatur”.
Meus informantes não sabem ainda o alcance da notícia, nem que diretrizes o novo Delegado Pontifício irá seguir, nem o que acontecerá com os Arautos (se terão que sair da Prelazia). Só sei da notícia, mas ela em si mesma é absolutamente extraordinária. Os protestos de grande parte dos cristãos de Sucumbíos fizeram a Santa Sé mudar, ela que, evidentemente, tem medo de que surja um escândalo (ou inclusive um cisma) não só naquela igreja, mas em muitas outras.
Um amigo, atento a estes temas, me disse que é um caso semelhante ao dos protestos de parte do povo no Magreb... O Papa (o Vaticano) tem medo de que a vontade popular se expresse publicamente e, se isso acontecer, ter que ceder. Sucumbíos pode ser um exemplo de liberdade e evangelho para outras igrejas cristãs, a não ser que se instale entre nós a pura passividade, de maneira que já não sejamos capazes nem de protestar (porque somos tíbios, como disse de um modo impressionante o Apocalipse, quando acrescenta: “por isso, porque não és nem frio nem quente, te vomitarei”).
Talvez este “pequeno caso” de Sucumbíos possa significar uma inflexão na atitude do Vaticano. Estou lendo o novo livro de Bento XVI sobre Jesus. O que se diz nesse livro sobre a liberdade e responsabilidade na Igreja vai absolutamente contra o que estava acontecendo em Sucumbíos.
Deixo aqui a notícia. Outros irão comentá-la e ampliá-la. Agora me limito a recolher (e resumir) uma carta que circula por Quito; é escrita por um membro da Igreja de Sucumbíos (possivelmente um leigo) que escreve aos seus amigos, em carta pública. Me fio em que os dados que traz sejam autênticos. Sua voz é a de centenas de milhares de cristãos da prelazia que vêm protestando contra a “política” adotada pelo Vaticano no caso.
Anexo 1. Carta pública sobre a situação de Sucumbíos (com a notícia final da nomeação do novo Delegado Pontifício)
Meus queridos amigos e amigas:
Aproveito este domingo, 13 de março de 2011, depois de uma grande marcha das Organizações Populares e das Comunidades Cristãs, que aconteceu na sexta-feira, dia 11, exigindo a saída dos Arautos de Isamis, de Sucumbíos e do Equador, para escrever estas palavras. Conversando com algumas companheiras da Federação de Mulheres de Sucumbíos, uma das organizadoras do evento, calculávamos entre 2,500 e 3.000 pessoas na marcha. Foi realmente uma jornada bonita, especialmente pela resposta das comunidades, quanta gente conhecida das comunidades de todas as zonas pastorais, quanto carinho se sentia...! E também uma grande presença das organizações de mulheres (sempre as mulheres), que assumiram realmente a luta como sua.
Bom, vou compartilhar com todos vocês... esta é uma situação que parece que vai se complicando cada vez mais, como é normal. Pessoalmente, não vejo outra solução senão a saída dos Arautos, mas por outro lado, essa solução é muito difícil já que são o Vaticano (Cardeal Díaz, da Congregação da Evangelização dos Povos) e o Núncio no Equador, os artífices deste imbróglio no qual nos meteram.
Não consigo entender como pode ser que esse trabalho que está sendo valorizado e reconhecido por várias Instituições que condecoraram Gonzalo e a Isamis (Organizações de Direitos Humanos [8 de dezembro], ACNUR [Dia dos Direitos Humanos, 10 de dezembro], Universidade Andina – sede de Quito (Professor Honorário, 24 de fevereiro], Governo de Rafael Correa (Condecoração ao mérito em grau de Cavaleiro, 9 de março], Grande Marcha das Organizações e Comunidades [3.000 pessoas, 11 de março])... E nos próximos dias outra condecoração da Assembleia Nacional também o condecorará... além dos incontáveis manifestos de solidariedade chegados ao blog aberto para se solidarizar com Gonzalo, com Isamis e com sua gente.
A Igreja nos pede que façamos uma Igreja inculturada que saiba permear a sociedade e ser fermento da Mensagem de Jesus, e construir a partir daí o Reino... Pois bem, quando uma Igreja, mesmo que pequena, consegue de alguma maneira tornar realidade esse desejo... então vem o Sr. Díaz, de Roma e sem conhecer a realidade – supomos que sob a influência desses poderes e autoridades que dirigem este mundo e suas forças obscuras, os espíritos e forças más do mundo de cima” (Ef 6, 12)... e com a aliança do Núncio no Equador e o próprio Presidente da Conferência Episcopal, Monsenhor Arregui –, quer acabar com esta pequena Igreja... mas lhe está custando um pouco.
Pessoalmente, creio que não se pode chegar a um entendimento com os Arautos. Sua concepção de Igreja, pelo que vêm demonstrando, o total desinteresse para conhecer o processo pastoral de Isamis, a atitude cada vez mais agressiva que estão demonstrando, a resposta que deram a todos os que foram dialogar com eles, nos leva à conclusão de que não é possível dialogar.
Com a grande marcha do dia 11 de março se pode constatar que o problema já não é um problema de Igreja, é um problema com muitas implicações sociais, políticas, inclusive geopolíticas com implicação internacional.
Implicação do Governo do Equador
E é esta última implicação que deu pé para que o Governo possa intervir. O Presidente Correa foi claro, e contundente, na hora de manifestar seu apoio ao trabalho de Isamis, aos Carmelitas enquanto tal, e na apresentação de sábado teve expressões muito laudatórias; e em relação à Conferência Episcopal também teve expressões muito duras e disse que poderia fazer uso do modus vivendi que lhe permite vetar a nomeação de bispos.
“Nós não queremos ter confrontos inúteis, não queremos polemizar, pior ainda com a Conferência Episcopal e com a hierarquia da Igreja Católica, mas quero dizer-lhes que o tratado que regula as relações entre o Estado Laico-Equatoriano e o Estado do Vaticano nos permite vetar qualquer nomeação de bispo, nunca foi utilizado este expediente e que não nos obriguem a utilizá-lo agora; mas caso insistirem nestes fundamentalismos absurdos de levar à nossa Amazônia ordens que enfatizam o rito, os fundamentalismos morais, com trajes medievais em plena selva, teremos que utilizar esta potestade que nos dá o tratado do modus vivendi”, manifestou o Presidente.
Seria como o Rei da Espanha ajudou Santa Teresa a superar a oposição do Núncio daquele tempo... poderia ser que hoje o Presidente Correa nos ajudaria a tirar os Arautos para poder manter o nosso Projeto de Igreja. De qualquer modo, estamos conscientes de que se conseguirmos superar a etapa dos Arautos, a etapa seguinte será tão dura ou mais... pois como dizia um teólogo: Nossa Mãe Igreja não esquece.
Como estamos? Como podemos... porque a coisa já vai se arrastando por muito tempo. Os poderes inimigos são, como disse São Paulo, muito fortes. Mas a confiança de estar em sintonia com o Evangelho nos dá ânimo para seguir em frente, e para enfrentar como o pequeno “Davi” o gigante “Golias”.
Os Arautos estão alojados na Mitra Diocesana. Esse é seu quartel geral. Fazem suas visitas, mas todos voltam. “Controlam” a paróquia central/catedral e a Igreja do Setor Norte. Aí já nomearam párocos oficialmente. No setor do Divino Niño, nomearam um pároco arauto, mas os ministérios, e algumas organizações tomaram a Igreja e não os deixaram entrar.
Depois nas outras pastorais, na Pastoral da Terra, em sua grande maioria não foram visitadas. Somente em algumas comunidades e ocasionalmente quando há algum funeral, ou alguma festa, e então as visitam. É como se não houvesse sacerdotes diocesanos suficientes para cobrir essa presença, não se pode controlar tudo. Mas até agora estão “respeitando” a presença das equipes missionárias, mas quando tem algum funeral e estão por aí também os da renovação carismática os convidam e eles vão sem sequer avisar a equipe missionária.
Na Pastoral Indígena nem entraram. Somente fizeram algumas visitas a alguma comunidade que está perto da estrada, para tirar fotos e postá-las na sua página na internet e dizer que “evangelizam os índios”...
Já estamos há 70 dias em vigília. Todas as noites, das 19h às 21h, mais ou menos, um grupo, que oscila entre 100, 200, 300 pessoas, nos reunimos para rezar, cantar, nos animar, manter essa atitude vigilante e defesa de nossa Igreja. Não podemos permitir que uma Igreja que foi referência, que já é quase única – uma Igreja entendida como a das Primeiras Comunidades Cristãs –, seja destruída pela própria Igreja.
Há um sentimento de dor devido à divisão que a chegada dos Arautos está produzindo, divisão na Igreja, nas comunidades, nos ministérios, nas próprias famílias. Pouco a pouco, querem açambarcar todos os espaços: a casa diocesana já é uma casa de arautos, ali todos se concentraram, os quase 20; a catedral, a igreja do Norte, a “pastoral social”, a administração, evidentemente; e agora querem a rádio – mas aí todas as pessoas de Sucumbíos pularam!, também querem o Lar Infantil... mas também não estão deixando que isso aconteça; quiseram ocupar a via Colombia, mas aí o Conselho de Pastoral Zonal assumiu uma resistência muito bem organizada... e o resto da pastoral da terra, a pastoral indígena e a pastoral negra.
Vamos ver até onde somos capazes de resistir, a coisa já vai se arrastando demais. E o Núncio não disse nada.
Bom, meus irmãos e minhas irmãs, fico por aqui. Rezem muito, mandem energia positiva, para que toda esta luta esteja em sintonia com o Projeto de Jesus: o Reino; que a Igreja de Jesus saia fortalecida... que seja uma sacudida que obrigue a revisar seu processo.
Um grande abraço...
E pouco antes de enviar esta carta, chega a notícia de que o Papa nomeou o Mons. Angel Polibio Sánchez, atual secretário da Conferência Episcopal Equatoriana, como Delegado Pontifício para o Vicariato de Sucumbíos. Confiemos que essa medida ajude a superar os problemas de Isamis... confiamos em suas orações.
Anexo 2. Presidente da República condecora o Mons. Gonzalo López
Durante o seu programa semanal em cadeia nacional, o presidente Rafael Correa voltou a se referir ao problema originado na Igreja San Miguel de Sucumbíos com a chegada da congregação Arautos do Evangelho para administrar o Vicariato que, por 40 anos, esteve sob a direção dos Carmelitas Descalços liderados pelo Mons. Gonzalo López Marañón.
Após destacar o reconhecimento entregue pelo governo federal na quarta-feira, 9 de março, ao monsenhor Gonzalo López no palácio do governo, o presidente Correa se referiu com termos duros à hierarquia da Igreja católica do Equador, por ter enviado a Sucumbíos a congregação Arautos do Evangelho.
Nesse contexto advertiu que vetará a nomeação do bispo em Sucumbíos que vier de congregações que se contraponham ao modelo de igreja social e progressista (9 de março de 2011: adiosucumbios.org.ec/index.php?option=com_content&view=article&id=277).
O padre Rafael Ibarguren, administrador do Vicariato Apostólico San Miguel de Sucumbíos, em seu programa dominical denominado “A palavra se fez carne”, transmitido pela Rádio Sucumbíos, se referiu ao polêmico assunto, tomando uma publicação do jornal El Universo, de circulação nacional.
O presidente Correa, por sua vez, também reconheceu o trabalho das diferentes ordens religiosas que se encontram na Amazônia equatoriana.
A informação é de Xavier Picaza e está em seu blog Teología sin Censura, 20-03-2011.
A tradução é do Cepat.
Fonte: IHU
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