terça-feira, 22 de março de 2011

História da Romaria de Ribeirão Cascalheira- MT

Vindos de um encontro indigenista na área dos Tapirapés, o bispo de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, e o padre jesuíta João Bosco Penido Burnier, coordenador-regional do Conselho Indigenista Missionário (CIMI/MT), desembarcam no povoado com a intenção de participar da festa em homenagem à padroeira. Informados da situação, seguem direto à delegacia para interceder pelas mulheres.

Santana e Margarida são respectivamente a nora e a irmã de um sitiante que, na defesa do próprio filho, atirou e matou um soldado da região. “O soldado tinha prometido matar o filho dele. Quando foi à fazenda cumprir a promessa, o velho já estava esperando e atirou. No dia seguinte, um grupo de dez militares veio atrás”.

Como não encontraram o autor do disparo, levaram presas as duas mulheres e iniciaram uma sessão de tortura para forçá-las a revelar seu paradeiro. “Elas foram forçadas a ajoelhar no milho, em tampas de garrafa, tiveram as unhas e o bico dos seios furado com agulha”, relata outra testemunha do episódio, Eva Domingues da Rocha.

Ao chegar à delegacia, Casaldáliga e Burnier encontram quatro soldados de prontidão. Eva, que mora nas proximidades do local, é capaz de ouvir quando o padre avisa aos militares que a situação será denunciada às autoridades em Cuiabá. A advertência, porém, não surte efeito algum.

Em vez disso, os policiais se mostram cada vez mais tensos e passam a chamar os religiosos de comunistas e subversivos. Dentre eles, quem decide tomar a iniciativa é o soldado Ezy Ramalho Feitosa, que ataca Burnier com um soco e, em seguida, desfere uma coronhada que o lança ao chão.

ImageDepois, um tiro na cabeça. “Ouvimos tudo, sem poder mostrar reação”, lamenta o marido de Eva, José Carlos da Rocha, um dos primeiros a socorrer o padre em agonia. “Foi como se todo o povoado tivesse parado no tempo, sem saber para onde ir”.

A partir daí, o que se seguiu foi uma tentativa desesperada de salvar a vida do missionário. Atendido em condições precárias no próprio povoado, o padre foi levado em um avião monomotor até o Instituto Neurológico de Goiânia (GO), onde morreu, no dia seguinte.

Responsável pelo despertar, sete dias depois, de uma pequena revolução naquele distante povoado do Araguaia , a morte de Burnier ainda hoje é um dos mais fortes símbolos da luta travada entre os grandes grupos econômicos apoiados pela ditadura militar e os milhares de peões, índios e posseiros que insistiam em ficar e construir na região o seu futuro.

Simboliza também o destino de tantos outros que, no mais das vezes de forma anônima, perderam a vida em favor de quem menos podia. Desde a sexta-feira, no mesmo local onde Burnier foi assassinado, estes mártires são lembrados por milhares de romeiros, vindos de todas as partes de Mato Grosso, de vários estados do Brasil e até do exterior.

A Romaria dos Mártires da Caminhada - realizada em julho para facilitar a participação dos visitantes, jovens da cidade apresentaram uma peça teatral que reconstituiu o episódio trágico ocorrido há mais de três décadas.

“Essa é uma história passada de geração em geração em Ribeirão Cascalheira”.


Fonte: Prelazia de São Félix do Araguaia

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