quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Kuna Yala, refugiados da mudança climática

Os indígenas Kuna, do Panamá, não necessitam televisão para estar informados sobre o aquecimento global. Ele já chegou à sua porta e está a ponto de mudar suas vidas e para adaptar-se terão que fazer as malas e mudar-se.

O paraíso flutuante dos Kuna, um cinturão de ilhas de areia brancas, salpicadas de palmeiras que se estendem no norte do Panamá, encontra-se ameaçado. O aumento do nível das águas pode obrigar aos milhares de Kuna que habitam o arquipélago de San Blas a fugir para a costa continental, um deslocamento que mudará seu modo de vida tradicional e a essência de sua cultura.

"Tudo está inundado, até o tornozelo”, disse Helen Pérez, diretora da escola de Carti Mulatupu, ilha Kuna de uns 500 habitantes. Pérez se refere aos fortes ventos que atingiram a comunidade, inundando de repente o laberinto de ruas de areia que dividem as choças de madeira e palma, onde vivem os Kuna.

Segundo o Instituto Smithsonian de Investigações Tropicais, o nível do mar está aumentando 2.5 milímetros/ano, uma taxa que poderia por algumas das ilhas, que apenas aparecem acima do cristalino Caribe, sob a água em menos de um século. Algumas estimativas sobre aumentos do nível das águas são muito mais altas, situação que se vê exarcebada para os Kuna nas temporadas de fortes ventos e altas marés.

O tempo se acaba

Na XVI Conferência Internacional sobre Mudança Climática, realizada em Cancún (México), em dezembro passado, a Alianza de Pequeños Estados Insulares, integrada por países do Caribe, África, Oceania, ressaltou sua difícil situação, assinalando que para o Caribe um aumento de 1 metro nos níveis de água poderia causar danos acima de US$ 6 bilhões/ano.

"Vendo a realidade, o povo está se conscientizando sobre a necessidade de deslocar-se da ilha para o continente”, agregou Pérez.

A cadeia de ilhas de San Blas é parte de Kuna Ayala, uma comarca constituída por terras indígenas semiautônomas. 90% dos 35.000 Kuna vivem em aproximadamente 45 das mais de 350 ilhas que se estendem até a fronteira com a Colômbia.

No ano passado, líderes de algumas comunidades Kuna decidiram que era o momento de começar a buscar alternativas e decidiram trasladar-se para as verdes colinas da costa continental.

Os Kuna são, possivelmente, uma das comunidades indígenas mais autônomas, independentes e insulares da América Latina. Eles elaboram suas próprias políticas e têm certa autoridade sobre quem pode entrar em seu território. As mulheres vestem trajes tradicionais, incluídas as coloridas molas, têxteis costurados em panos de cores florescentes com os quais produzem blusas; lenços com desenhos em vermelho brilhante, pequenos aros de ouro no septo nasal e inúmeras contas que rodeiam as pernas do joelho até o tornozelo.

Rara vez se escuta conversas em castelhano nessas ilhas; aí se fala quase que exclusivamente o idioma Kuna nativo.

Porém, o grupo sente também uma grande desconfiança em relação ao governo do panamá, derivada de uma longa luta pela autonomia. O Congresso Kuna está buscando financiamento de países estrangeiros, entre eles a Grã-Bretanha, para que membros da comunidade possam ocupar novas áreas.

Carti Sugdub, com uma população de 5.000 habitantes, é a ilha mais povoada. Seus residentes poderiam ser os primeiros a ter que retirar-se, junto com os das ilhas menores, como Carti Mulatupu.

As comunidades vivem de maneira simples, da pequena agricultura, da pesca e do turismo. Poucas têm eletricidade, menos ainda aparelhos modernos como televisão ou computadores.

Há algum tempo, as comunidades indígenas se queixam de que contribuem pouco para a mudança climática, porém sofrem os impactos maiores: secas mortais, inundações e um rápido esgotamento dos recursos hídricos.

Quem é o culpado?

"Por isso, no ano passado, nós criticamos que, se não alteramos o meio ambiente, por qué temos que pagar?”, manifestou Ariel González, secretário do Congresso Kuna.

Seu argumento não é totalmente certo.

Os Kuna que vivem no arquipélago têm um problema de espaço: já não entram nas ilhas. E para aumentar os espaços, utilizam terra para fazer aterros, em particular de coral, que atua como uma barreira natural para proteger as ilhas das marés.

"Cada chefe de família tem que fazer sua parte”, diz Osvaldo Taylor, 34 anos, pai de dois estudantes, enquanto colocava cubos de coral recém coletado em um pequeno lote em frente à escola.

Os organismos que compõem o coral crescem a passo de tartaruga, somente uns milímetros ao ano, o que significa que os Kuna estão acelerando o processo de destruição dos recifes marinhos.

"Eu digo que não é correto responsabilizar 100% [ao aquecimento global]”, disse Héctor Guzmán, cientista do Instituto Smithsonian de Investigações Tropicais, que tem investigado amplamente o ecossistema de San Blas. "Eles são responsáveis pelos danos aos recifes e nesse caso não têm toda a razão”.

Assim que agora os Kuna enfrentam uma rápida conta regressiva antes de ver-se obrigados a deixar as ilhas onde têm vivido durante um século. E alguns não querem partir.

"Não posso obrigar as pessoas a mudar”, disse González. "Não é fácil dizer a alguém que nasceu, cresceu em uma ilha, que viveu toda sua vida perto do mar que se mude porque já é hora”. Os anciãos da aldeia, em particular, têm reservas sobre começar de novo.

"Com o tempo, tudo vai ficar inundado”, disse Orlando Paniza, 68 anos, pai de quatro filhos. "Depois, para onde irei?”.


Por Leslie Josephs
desde Carti Mulatupu

Fonte: Adital

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