terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Uma nova era geológica...


O antropoceno: uma nova era geológica

As crises clássicas conhecidas, como por exemplo a de 1929, afetaram profundamente todas as sociedades.

A crise atual é mais radical, pois está atacando o nosso modus essendi: as bases da vida e de nossa civilização.

Antes, dava-se por descontado que a Terra estava aí, intacta e com recursos inesgotáveis.

Agora não podemos mais contar com a Terra sã e abundante em recursos. Ela é finita, degradada e com febre não suportando mais um projeto infinito de progresso.

A presente crise desnuda a enganosa compreensão dominante da história, da natureza e da Terra. Ela colocava o ser humano fora e acima da natureza com a excepcionalidade de sua missão, a de dominá-la.

Perdemos a noção de todos os povos originários de que pertencemos à natureza. Hoje diríamos, somos parte do sistema solar, de nossa galáxia que, por sua vez, é parte do universo.

Todos surgimos ao longo de um imenso processo evolucionário. Tudo é alimentado pela energia de fundo e pelas quatro interações que sempre atuam juntas: a gravitacional, a eletromagnética e a nuclear fraca e forte. A vida e a consciência são emergências desse processo.

Nós humanos, representamos a parte consciente e inteligente da Via-Láctea e da própria Terra, com a missão, não de dominá-la mas de cuidar dela para manter as condições ecológicas que nos permitem levar avante nossa vida e a civilização.

Ora, estas condições estão sendo minadas pelo atual processo produtivista e consumista. Já não se trata de salvar nosso bem estar, mas a vida humana e a civilização.

Se não moderarmos nossa voracidade e não entrarmos em sinergia com a natureza dificilmente sairemos da atual situação. Ou substituímos estas premissas equivocadas por melhores ou corremos o risco de nos autodestruir.A consciência do risco não é ainda coletiva.

Importa reconhecer um dado do processo evolucionário que nos perturba: junto com grande harmonia, coexiste também extrema violência A Terra mesma no seu percurso de 4,5 bilhões de anos, passou por várias devastações. Em algumas delas perdeu quase 90% de seu capital biótico. Mas a vida sempre se manteve e se refez com renovado vigor.

A última grande dizimação, um verdadeiro Armagedon ambiental, ocorreu há 67 milhões de anos, quando no Caribe, próximo a Yucatán no México, caiu um meteoro de quase 10 km de extensão. Produziu um tsunami com ondas do tamanho de altos edifícios. Ocasionou um tremor que afetou todo o planeta, ativando a maioria dos vulcões. Uma imensa nuvem de poeira e de gases foi ejetada ao céu, alterando, por dezenas de anos, todo o clima da Terra. Os dinossauros que por mais de cem milhões de anos reinavam, soberanos, por sobre toda a Terra, desapareceram totalmente.

Chegava ao fim a Era Mesozóica, dos répteis e começava a Era Cenozóica, dos mamíferos. Como que se vingando, a Terra produziu uma floração de vida como nunca antes. Nossos ancestrais primatas surgiram por esta época. Somos do gênero dos mamíferos .

Mas eis que nos últimos trezentos anos o homo sapiens/demens montou uma investida poderosíssima sobre todas as comunidades ecossistêmicas do planeta, explorando-as e canalizando grande parte do produto terrestre bruto para os sistemas humanos de consumo. A conseqüência equivale a uma dizimação como outrora.

O biólogo E. Wilson fala que a "humanidade é a primeira espécie na história da vida na Terra a se tornar numa força geofísica" destruidora. A taxa de extinção de espécies produzidas pela atividade humana é cinquenta vezes maior do que aquela anterior à intervenção humana.

Com a atual aceleração, dentro de pouco - continua Wilson - podemos alcançar a cifra de mil até dez mil vezes mais espécies exterminadas pelo voraz processo consumista.

O caos climático atual é um dos efeitos.

O prêmio Nobel de Química de 1995, o holandês Paul J. Crutzen, aterrorizado pela magnitude do atual ecocídio, afirmou que inauguramos uma nova era geológica: o antropoceno. É a idade das grandes dizimações perpetradas pela irracionalidade do ser humano (em grego ántropos). Assim termina tristemente a aventura de 66 milhões de anos de história da Era Cenozóica. Começa o tempo da obscuridade.

Para onde nos conduz o antropoceno? Cabe refletir seriamente.


Leonardo Boff

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