quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Um bispo contra o neoliberalismo: Samuel Ruiz

“Longe de se situar no pessimismo, Samuel Ruiz fala de uma esperança verdadeira que anima todos os homens e mulheres a aguardar o dia que vem depois da madrugada escura. Os sinais de uma tomada de consciência diante dos eventos desastrosos do neoliberalismo permitem fincar uma esperança que não está situada em utopias falsas”, escreve Guillermo Gazanini Espinoza, secretário do Conselho de Analistas Católicos do México, no blog Sursum Corda, 25-01-2011. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

A morte do bispo dos pobres, Samuel Ruiz García, fechou um capítulo fundamental da história contemporânea do México. Já nos meios de comunicação relataram o papel histórico que o desaparecido prelado, nascido em Guanajuato em 1924, desempenhou na defesa dos direitos humanos e na reivindicação das comunidades indígenas marginalizadas. Seu sucessor, Mons. Felipe Arizmendi Esquivel, ressaltou as qualidades do Tatic ao ter sido incansável promotor da justiça social, da opção preferencial pelos pobres, da inculturação da Igreja, da teologia índia e da reconciliação entre as comunidades.

Há sete anos, no dia 25 de janeiro de 2004, o bispo Ruiz García publicava uma carta aberta sobre o neoliberalismo e suas consequências no México e no mundo, particularmente sobre os pobres e os indígenas. “Uma nova hora de graça” convidava os cristãos a olhar os sinais dos tempos para peregrinar neste mundo abrigados pela esperança. Como parte do colégio episcopal, apesar de estar na condição de emérito, desde a Igreja e na Igreja, sentia a grave responsabilidade de ser a “voz dos pobres”. Tendo constatado as tristezas, as angústias, as dores, as alegrias e as esperanças do povo, demonstrava sua fé em uma etapa nova da humanidade. Acreditava que o neoliberalismo era uma oportunidade na história; contudo, seus aspectos negativos para os pobres e recrudescendo agudizaram a desigualdade econômica que aprofundou a injustiça.

Em lugar do bem-estar e da prosperidade, prevaleceu a frustração, a exclusão e a morte para a maioria dos povos. A globalização neoliberal, na opinião do bispo emérito de San Cristóbal, tem em si as contradições que o conduzem à sua morte irremediável: a exploração do meio ambiente e a disposição abusiva dos recursos naturais; o deslocamento e o desaparecimento da classe trabalhadora devido à automatização; a concentração dos capitais em poucas mãos, o desequilíbrio econômico e a ruína das sociedades em geral. Com voz profética anunciou o fim deste ídolo neoliberal, lançando mão da estátua dos impérios do Livro do Profeta Daniel, construída sobre pés de barro: “Contra os pés da estátua, alta, brilhante e de aparência impressionante, como aparece este sistema, vem descendo já, do monte da história, uma pedra que a converterá em pó que o vento levará, sem deixar rastro algum. ‘O Deus do céu estabelecerá um reino que jamais será destruído...’” (Cf. Daniel 2, 31-44). O bispo não duvida em dizer que o sistema neoliberal imperante é “genocida” ao destruir as condições de vida e da dignidade humana ameaçando a sobrevivência das gerações futuras, sufocando as razões de viver para muitos despossuídos, operando como “um rolo compressor dos valores, culturas e espiritualidade”.

As consequências nefastas do neoliberalismo podem ser revertidas pela organização e a capacidade dos povos que interpelam à solidariedade e à justiça. No México surge “um movimento da sociedade civil contra o sistema Neoliberal que vem desenvolvendo uma atividade febril, de reuniões e de atividades coordenadas de crescente envergadura. Por outro lado, não se pode esconder a corresponsabilidade política generalizada, em indivíduos, associações, setores, organismos, populações e regiões, que vêm atuando em reclamo e defesa de seus direitos; assim como em solidariedade com os que são vítimas de abusos, padecendo eles mesmos humilhações e violências. A apatia generalizada da população ficou no passado. Existe agora um potencial esperançador que vai se aglutinando, consciente de sua responsabilidade histórica”.

Longe de se situar no pessimismo, o bispo fala de uma esperança verdadeira que anima todos os homens e mulheres a aguardar o dia que vem depois da madrugada escura. Os sinais de uma tomada de consciência diante dos eventos desastrosos do neoliberalismo permitem fincar uma esperança que não está situada em utopias falsas, Samuel Ruiz anima a trabalhar incansavelmente para estabelecer a justiça para consolidar uma paz inalterável e duradoura onde a participação de todos torne possível a construção de outro mundo onde impere o bem comum e esta nova forma de ver as coisas anime crentes e aqueles que não o são a colaborar com Deus nesta Nova Hora de Graça para que a humanidade goze de frutos bons que não estejam corrompidos pelo egoísmo, a injustiça e a inveja.

Samuel Ruiz deixou de lutar. Agora se encontra no céu, gozando da presença de Deus e gozando da verdade das Bem-aventuranças anunciadas no Evangelho: “Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”. Que seu testemunho não seja usado em benefício de discursos políticos oportunistas, demagógicos e populistas. É tempo de transitar por uma nova hora de graça para este México manchado de sangue.

Fonte:UHU - UNISINOS

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