Duas ocorrências de poluição no Rio dos Sinos vitimaram mais peixes em dezembro do último ano. Com o início do verão, e, por consequência, o aumento da temperatura, as previsões de pesquisadores sobre a situação do rio eram bastantes pessimistas.
Passado quase um mês, a IHU On-Line entrevista agora Leonardo Maltchik e Silvio Klein que avaliam a atual situação do rio, uma vez que o nível de água do rio está bastante abaixo da média neste momento.
“Como a bacia do Rio dos Sinos tem uma grande quantidade populacional e de lavouras, está se criando um conflito de interesses em relação ao uso da água do rio”, explica Maltchik. Klein diz que “como no verão há menos água, uma menor quantidade de produto químico pode causar um grande impacto, pois ele não se dilui. O risco é maior do que um lançamento igual feito em outra estação do ano”. Portanto, se a fiscalização não for mais intensa, novas ocorrências de mortandade de peixes acima do normal podem acontecer.
Leonardo Maltchik é graduado em Biologia pela PUC Campinas e doutor em Ciências pela Universidad Autónoma de Madrid. Atualmente, é professor na Unisinos.
Confira a entrevista.
Chegamos ao verão, o nível do Rio dos Sinos está muito baixo e ele sofreu inúmeras “violências” nos últimos anos. Como podemos analisar a situação do rio neste momento? Leonardo Maltchik – Nesse momento, como morador de São Leopoldo, temos várias preocupações. E o que mais chama a atenção é a baixa quantidade de água que tem hoje no rio. Todos os dias, portanto, temos sofrido algum tipo de corte durante quatro ou cinco horas por dia de água. Como a bacia do Rio dos Sinos tem uma grande quantidade de lavouras e população, está se criando um conflito de interesses em relação ao uso da água do rio.
O baixo nível de água significa muita coisa. Primeiro em relação à disponibilização de água para a população. Isso é algo que machuca. A população acaba sofrendo um controle sobre seu uso da água, porque geralmente as empresas são priorizadas no abastecimento.
Silvio Klein – A realidade do Rio dos Sinos, em épocas de pouca chuva, sempre é de índices baixos por conta de não possuir mais a mata ciliar, que mantinha índices melhores por mais tempo, fenômeno conhecido como efeito esponja. Aqui em Novo Hamburgo o Rio dos Sinos está com cerca de 2 metros e 36 centímentros. É uma faixa que historicamente se mantém estável, mesmo com a baixa quantidade de chuva. Não é uma faixa desesperadora, mantidos todos os níveis de atendimentos, embora necessite de uma atenção maior, pedindo que todos façam uso racional da água.
O calor intenso previsto para os próximos dias pode agravar, então, a situação do rio... Leonardo Maltchik – O calor permite a evaporação das águas do rio. Além disso, o uso intenso das águas pelos arrozeiros na cabeceira do Rio dos Sinos somado ao uso da população potencializa esse déficit hídrico em função do calor.
Silvio Klein – Se houver lançamentos criminosos, como aconteceu em dezembro, pode. Nesse caso, não importa se é inverno ou verão. Como no verão há menos água, uma menor quantidade de produto químico pode causar um grande impacto, pois ele não se dilui. O risco é maior do que um lançamento igual feito em outra estação do ano.
Já saíram os resultados dos testes realizados após as duas mortandades de peixes que ocorreram em dezembro de 2010? Silvio Klein – Houve dois eventos de mortandade com vieses diferentes. Um foi no momento em que a ficou água azul. Os resultados divulgados, um deles pela Secretaria de Meio Ambiente de Novo Hamburgo, buscaram encontrar o lançamento de produtos químicos na água. A Fepam não se manifestou, nem o Ministério Público, que também está envolvido em outras análises. Está muito claro que os órgãos [de fiscalização] não estão aparelhados suficientemente para agir em uma situação crítica, como o lançamento de produto químico no Rio dos Sinos. As respostas ficam aquém daquelas que gostaríamos. Aparentemente, o Ministério Público e o consórcio PróSinos estão demandando ações que visam aparelhar com monitoramentos continuados o Rio dos Sinos e os arroios para que possamos ter diagnóstico antes de chegar à mortandade, identificando os lançamentos. Mais uma vez, ficamos sem saber quem foi o autor desse ato criminoso.
Depois desses episódios, como o senhor avalia a forma como essa ocorrência foi fiscalizada e avaliada? Leonardo Maltchik – Além da quantidade de água ser pequena, a qualidade da água do Rio dos Sinos está bastante comprometida, principalmente porque todas as cidades da região fazem uso do rio. Se todas continuarem a fazer mea-culpa, esse é um problema que vai acontecer sempre. Eu espero que episódios de mortandade nunca mais aconteçam. Nas ocasiões em que ocorreram, foi encontrada na água uma grande quantidade de resíduos.
Qual parte do Rio dos Sinos tem a pior situação e carece de ações mais urgentes? Leonardo Maltchik – Ele começa a ser problemático já na região do extremo norte para baixo, onde se tem uma grande população que faz uso intenso do rio. A partir de Sapiranga, o rio já apresenta problemas. Já a cabeceira ainda apresenta uma qualidade boa de água.
Silvio Klein – O Rio dos Sinos é o somatório de arroios de regiões povoadas e com atividades agropastoris, como a agricultura, que também lança mão de produtos químicos. Os arroios tidos como os mais críticos são o Pampa, em Novo Hamburgo, o valão em São Leopoldo, o Estância Velha/Portão. Esses são os “carimbados” historicamente, em função das regiões onde se encontram serem muito povoadas. Mas não estão descartados lançamentos em arroios pequenos. Há alguns dias, no município de Taquara, foi constatada uma mortandade de peixes na foz de um pequeno canal, demonstrando que não há obrigatoriamente a necessidade de ser uma região povoada para que o estado seja crítico. Os lançamentos não escolhem lugar e hora, são irresponsabilidades dos cidadãos. E as estruturas devem estar aparelhadas para identificar e punir, algo que não aconteceu nas últimas duas mortandades.
Que medidas precisam ser tomadas para o rio voltar a ser uma fonte de qualidade de água? Leonardo Maltchik – Muito investimento tecnológico, principalmente na área de saneamento básico.
E o que dizer da qualidade da água que as pessoas estão bebendo? Leonardo Maltchik – Bom, a qualidade da água que sai das torneiras não tem nada a ver com a qualidade da água do rio. Há um bom tratamento feito pelas agências de água, que tiram a água do rio, fazem o processo de limpeza e levam para a população. Esse é um processo que custa em torno de cinco reais o litro de água tratada. E o tratamento que tem sido feito é ótimo. Essas empresas têm minimizado problemas que poderiam ser terríveis para a população.
Silvio Klein – Todas as operadoras de abastecimento precisam seguir regras estabelecidas pelo Ministério da Saúde. Os exames são contínuos, de hora em hora, para o abastecimento das comunidades. Os exames são rigorosos e dão essa tranquilidade. Claro que às vezes com um custo elevado para retirar os produtos colocados na água. Mas a salubridade está garantida pelas exigências e padrões de análise impostos.
Como o senhor analisa a fiscalização do rio nesse momento? Silvio Klein – A fiscalização aumentou, mas está longe de ser suficiente. Mesmo que a estrutura de fiscalização fosse maior, ainda assim não está aparelhada para captar imediatamente lançamentos criminosos. Há ainda muito para avançar nesse sentido. Temos de lutar para que as prefeituras tenham estrutura permanente de fiscalização. A Fepam tem um déficit de 30 pessoas e não consegue atender a todo o Estado. Existe já uma melhoria na forma de atuar, mas muito aquém da necessidade.
Fonte: IHU
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