Olhando-se, pois, sob a ótica do agente, sempre se encontrará o motivo ou o móvel para a prática de um ato ilícito, imoral e criminoso. Nessa conformidade, o mal é facilmente explicado. Por que fez? Fez porque tinha liberdade de fazer ou não; e preferiu fazer. Aí funciona integralmente o livre-arbítrio, ou seja, o indivíduo é livre para fazer o que lhe vem à cabeça, seja o bem ou o mal.
A dúvida, a questão e mesmo a indignação surge quando passamos a enxergar o mal -o ato e seus efeitos- através da ótica da vítima, do inocente, daquele que, sem fazer nada, sem concorrer para o evento, sofreu em si todas as conseqüências. Porque o criminoso mata, a gente sabe. E por que o inocente é morto? Essas questões, muitas vezes, nas fráguas iminentes de um drama, escutamos traduzidas por um clamor que sobe aos céus: por que, meu Deus?A incidência do mal na vida humana -ocorrência esta que sempre nos preocupou- foi-nos justificada nos catecismos preliminares, como "vontade de Deus", quando as pessoas morriam porque havia necessidade de mais anjos no céu. Depois, mais tarde, descobriram que "Deus é amor", é Pai e "rico em misericórdia", e essa nova visão não se enquadrava com o Deus vingativo, mais retributivo que misericordioso, do Antigo Testamento.
Nesse contexto, foi-nos dito que o mal é fruto do pecado, e que este ocorre, desde Adão e Eva, por culpa da má condução que o ser humano vem dando à sua faculdade de agir livremente. Então a liberdade, ao invés de um dom, uma graça, passou a ser um perigo, uma ameaça? Sim, pois se o homem não fosse livre, não cometeria as faltas que a liberdade lhe faculta. Seria por isto que Sartre afirmou que "o homem está condenado à liberdade"?
A grande verdade é que o mal existe, a despeito de nossos protestos, indignações e reclamos. E existindo afeta diretamente nossa perspectiva de vida, uma vez que o mundo infenso sempre nos apronta armadilhas. Estamos bem agora, mas podemos ser vítimas do mal daqui a pouco e, na maioria das vezes, não temos explicações para o fato. O caso, assustador, é que muitos de nós têm teorias sobre o mal, mas ninguém está preparado para conviver com ele.
Em bibliografias, nacionais e estrangeiras, lê-se referências ao problema do mal. Ora, entendo que a expressão problema não se presta ao caso, pois todo o problema, como as equações matemáticas que fizeram nosso tormento na escola (a não ser que estejam interpoladas de algum erro) tem solução. E com o mal, tal não ocorre. Respostas e soluções são insuficientes, parciais e via-de-regra respondem muito pouco, ou quase nada. Assim, neste trabalho vou procurar evitar a expressão "problema do mal", transmutando-a para a questão do mal, uma vez que questão inflete mais na direção de uma pergunta. E as perguntas, sabemos, nem sempre têm respostas satisfatórias ou compreensíveis.
As questões, no tocante à existência do mal, são várias, freqüentes e recidivas. Quem criou o caos ou o mal? A resposta é imediata: "Não foi Deus! Pode ter sido o Diabo...". Ora, sabemos que o Diabo não é criador de nada; ele não tem poder para criar. Deus podia ter evitado o surgimento do mal? Por certo que sim, mas em função do mistério insondável não se sabe por que motivo não o fez.
Ah, dirão, então o mal é criação do homem, que por uma mixórdia moral entre decisões e liberdade permitiu que o mal... O homem não poderia, pois o mal é anterior a ele. Além disto, o homem é criador? E criador de algo tão forte que nem Deus consegue erradicá-lo? A questão é complexa...
Por que existe o mal? De onde ele vem? Se do mais íntimo de seu ser o homem deseja o bem e almeja a felicidade, por que ele pratica o mal? Por que o mal o acompanha em todas as circunstâncias de sua vida, em todos os seus atos, em todas as suas experiências? Se o homem foi criado por um Deus bom não deveria existir apenas o bem? Essas perguntas fazem parte dos mais importantes questionamentos axiológicos que o homem pode fazer a respeito de sua existência.
De fato, o mal é a outra face da realidade e a idéia que tivermos dele constituirá parte considerável da idéia que construiremos de toda a realidade. Ele precisa, pois, ser entendido para que se possa entender o mundo. E também para que se possa limitar suas investidas, de maneira mais eficaz.
Durante toda a história humana, várias respostas foram dadas às questões sobre o mal. Em geral tais enunciados se apresentam ou de forma insatisfatória ou com argumentos bastante negativos, estendendo um véu sombrio, capaz de cobrir a existência do homem, gerando medo, pessimismo ou um fatalismo irracional.
Mesmo sabendo que não teremos condições de responder a muitas questões, é possível levantar uma série de indagações, reproduzindo aqueles questionamentos que nossa relativa experiência nos proporcionou.
A pergunta que se faz, neste início de reflexão, é se essas idéias tradicionais, negativas muitas delas, poderiam ainda hoje ser consideradas válidas. Ou há outra forma de compreender a questão do mal? O surpreendente avanço do saber humano, a partir da filosofia, da teologia e das demais "ciências humanas", realizado nos últimos tempos não estaria possibilitando e, mesmo, exigindo de nós uma nova compreensão do mal?
Na minha tese de doutorado ("Deus é bom! Então por que existe o mal?") eu levantei uma questão que me valeu uma séria polêmica com os orientadores nacionais e estrangeiros: "Na questão do mal, não haveria certa culpa de Deus por nos haver criado tão frágeis e vulneráveis ao assédio do mal?".
O presente trabalho visa manifestar vestibularmente um ponto de vista, uma tese, a opinião do autor, a respeito do mal. Daquele mal que praticamos e sofremos, como também o mal que inflete sobre o inocente.
Antônio Mesquita Galvão
Fonte: Adital
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