sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A aposentadoria de ex-governadores: um descaramento sem limites

No dia 20/01/11, lendo na primeira página da Folha de S. Paulo a manchete "governador por dez dias recebe pensão para vida toda”, pensei que estava tendo um pesadelo. Não queria e não conseguia acreditar que a notícia fosse verdadeira. Infelizmente tive que cair na realidade. O governador chama-se Humberto Bosaipo (DEM-MT). Trata~se de um descaramento sem limites, de um roubo e de um assalto aos cofres públicos. Como diz Eliane Cantanhede: "haja estômago!” (Folha de S. Paulo, 21/01/11, p. 2).

Reparem a artimanha e a má-fé do político: "Quando ainda era deputado estadual, Humberto Bosaipo foi o autor da emenda que mais tarde garantiria sua aposentadoria especial como ex-governador de Mato Grosso. Até 2000, só governadores e vices podiam pedir o subsídio vitalício. A emenda de Bosaipo substituiu a menção aos vices por uma definição ampla: 'Aqueles que os tenham substituído e que tenham assinado ato governamental'. Dois anos depois, Bosaipo, como presidente da Assembleia Legislativa, governou por dez dias” (Ib., p. A10).

A lei estadual assegurava a pensão vitalícia "até mesmo para quem ocupasse o cargo por apenas um dia, desde que, nesse período, tivesse assinado algum ato governamental” (Ib., 20/01/11, p. A4). Que assinatura cara! Realmente – como diz o Evangelho – os administradores desonestos agem sempre com esperteza! (Cf. Lc 16, 8).

O gasto anual dos Estados com aposentadorias e pensões para ex-governadores ou suas viúvas é de R$ 30.559.978. O valor daria para pagar uma aposentadoria de um salário mínimo para 4.993 pessoas, ou incluir mais de 37.000 famílias com benefício básico (R$ 68 mensais) no Bolsa Família, ou, ainda, construir 793 casas e comprar 1.030 carros populares. Recebem a aposentadoria vitalícia pelo menos 83 ex-governadores de dez Estados (AM, MA, MG, PA, PB, PR, RO, RS, SE e SC) (Cf. Ib., 21/01/11, p. A10).

Só em Santa Catarina , os pagamentos de oito ex-governadores e três viúvas "consomem quase R$ 237 mil por mês ou R$ 3,1 milhão por ano, contando o 13o (Ib., 24/01/11, p. A7). No mesmo Estado (o governo não informa se é por invalidez), "Hercília Catharina da Luz, 89, filha de Hercílio Luz, que governou Santa Catarina por três mandatos na República Velha (1889-1930), recebe atualmente (desde 1992) R$ 15 mil por mês dos cofres públicos” (Ib.). Que ladroagem!

Como se não bastasse, Minas Gerais e outros cinco Estados ( AC, AL, MA, PA e PI) não repassam informações detalhadas sobre os benefícios pagos a ex-governadores. O governo mineiro não só não repassa, mas se recusa a dar estas informações, argumentando que leis de 2004 e lei assinada pelo atual governador Antônio Anastasia no dia 13/01/11 não o permitem.

E ainda, com a maior cara de pau, o senador eleito Jorge Viana (PT-AC), governador entre 1999 e 2006, defende o benefício como uma "salvaguarda”. Com sofismas, o senador afirma textualmente: "Dependendo do perfil de algumas pessoas, que se expõem nas atividades que desempenham, isso pode ser importante. Eu me expus muito quando ocupei o cargo, e acho que é importante hoje eu ter uma salvaguarda, inclusive para me proteger” (Ib., 22/01/11, p. A6). Quem diria! Até o PT, que se considerava o paladino da Ética!

"Desde 2007, o STF (Supremo Tribunal Federal) considera inconstitucional qualquer pagamento de pensão a ex-governadores” (Ib., 20/01/11, p. A4).

Apesar de todos os malabarismos legais usados, a aposentadoria vitalícia de ex-governadores (ou suas viúvas) é, portanto, inconstitucional e injusta; e a aposentadoria vitalícia de ex-governadores com mandatos "relâmpago” - além de ser inconstitucional e injusta - é também uma aberração que causa profunda indignação e revolta.

Enquanto estamos denunciando o descaramento sem limites da aposentadoria de ex-governadores, a imprensa nos surpreende com mais uma notícia, que mostra a desfaçatez e o despudor de nossos políticos. "Além do pagamento de aposentadorias a ex-governadores, há Estados que também dão o benefício para ex-deputados estaduais. O Ministério Público questiona a legalidade destas remunerações em dois deles: Mato Grosso e Santa Catarina”.

No Estado do Mato Grosso, "decisões da Assembleia Legislativa permitiram que 16 deputados e ex-deputados conseguissem a aposentadoria vitalícia desde 1998. Os valores pagos vão subir para R$ 20 mil em fevereiro/11”.

Chega-se ao cúmulo do absurdo. "Entre os agraciados (com a aposentadoria de ex-deputados) estão o conselheiro do Tribunal de Contas Humberto Bosaipo, que governou o Estado por dez dias em 2002 e que também já obteve aposentadoria como ex-governador” (Ib., 23/01/11, p. A5). Que acinte!

Toda essa pilantragem institucionalizada – que parece não ter fim - revela a real motivação (não é certamente o bem comum), que leva muitos de nossos políticos a assumir cargos públicos. São políticos aproveitadores, interesseiros e sanguessugas.

Pedimos a OAB de cada Estado, envolvido nessa falcatrua contra a coisa pública, e a OAB nacional que tomem as providências cabíveis para que o dinheiro roubado seja restituído aos cofres públicos e para que os responsáveis sejam processados, julgados e exemplarmente punidos. É a única maneira de fazer justiça e reparar, de alguma forma, os prejuízos causados ao nosso povo pobre, explorado e excluído.

Enfim, precisamos tomar consciência dessa realidade iníqua e nunca mais votar em candidatos corruptos. Ao expressar a nossa cidadania, devemos ter presente que: "Não basta votar. Não basta mesmo escolhermos uma pessoa de 'ficha limpa' por mais importante e fundamental que ela seja. Nossa missão vai além: levar a pessoa 'ficha limpa' a ser eficaz e a se manter ética durante o mandato a serviço do bem comum. Devemos estar atentos para dar continuidade a outros Projetos de Iniciativa Popular, a exemplo do que resultou na Lei 9.840 e na Proposta denominada 'ficha limpa'.

Algumas experiências de participação popular já se tornaram luz no caminho dos cristãos comprometidos com a política como pedagogia promissora: a) Mandatos coletivos: têm levado a construir estruturas de maior participação dos eleitores e eleitoras durante o caminhar do mandato. O povo organizado pode mais facilmente expressar a sua voz com seus anseios, dificuldades e esperanças diante do Executivo e do Legislativo; b) Os 'Grupos de Acompanhamento ao Legislativo': se tornaram respeitados e eficientes em várias cidades, grandes ou pequenas. Revestem-se de autoridade moral, sendo a consciência coletiva do povo no Parlamento local. Apresentam as prioridades com metodologia criativa” (CNBB – Pastorais sociais e outros Organismos. Eleições 2010: O chão e o horizonte, p. 3-4).

É só com uma efetiva e organizada participação na vida pública que teremos condições de combater as injustiças – como a aposentadoria vitalícia de ex-governadores – e começar a mudar a prática política.

Goiânia, 25 de janeiro de 2011

Fr. Marcos Sassatelli - Frade Dominicano. Doutor em Filosofia e em Teologia Moral. Prof. na Pós-Graduação em DD.HH. (Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil/PUC-GO). Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arq. de Goiânia. Admin. Paroq. da Paróquia N. Sra. da Terra


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