Embora paganizado por muitos, o Natal nos oferece, cada ano, uma extraordinária riqueza espiritual. Desvirtuado por falsas comemorações, continua sendo uma fonte de lições autênticas e bênçãos abundantes. “Mesmo quem não se professa crente pode sentir nesta celebração cristã anual algo de extraordinário e de transcendente, algo de íntimo que fala ao coração. É a festa que canta o dom da vida” (Bento XVI, Audiência Geral, 17 de dezembro de 2008).
Os homens se revoltam e deturpam o plano de Deus, contudo jamais O atingem. Morrem, e Ele permanece. E subsistem aqueles que lhe são fiéis. Assim, nos festejos natalinos, em meio às distorções, perdura inalterada a beleza do Nascimento de Cristo e seu profundo significado para a Humanidade.
A simples apresentação da gruta de Belém, multiplicada em nossos presépios, o conhecimento do fato histórico e suas circunstâncias, fazem avultar a existência de uma pobreza extrema. “E deu à luz seu filho primogênito e, envolvido em faixas, reclinou-o num presépio; porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7).
Em nossos dias, sob outras roupagens, repete-se o ocorrido há mais de dois mil anos. Atualmente, o pobre tornou-se mercadoria de alto preço, pois a miséria é utilizada para justificar muitas posições sócio-políticas e ideológicas. Não dar abrigo ao Menino e aproveitar dessa forma o desvalido encobre, em ambos os casos, o desrespeito à Mensagem do Natal.
Fala-se, com insistência, em opção por “uma Igreja dos pobres”. A expressão é ambígua. Se ela é tomada no sentido de um paradigma – eles, como sinal divino, os preferidos do Senhor – está absolutamente correta. No entanto, não é raro a sua manipulação para propagar um conceito classista na comunidade eclesial, alheio a mais lídima concepção do cristianismo.
Assim, a preferência pelo empobrecido é, no fundo, a aversão ao rico, a escolha de um determinado sistema econômico que leva a propagar, até subliminarmente, uma luta de classes, o oposto à comunhão pregada pelo Salvador.
O injustiçado vem a ser um instrumento para atingir objetivos nada evangélicos. Manipula-se até a Sagrada Escritura: o Êxodo, por exemplo, é interpretado à luz de uma ideologia alheia à pureza da Revelação.
A defesa do oprimido serve, por vezes, para forjar uma pregação e atitudes contrárias aos ensinamentos do Presépio.
A caridade que atende o necessitado é julgada com desconfiança, pois seu exercício protela a mudança de estruturas. No entanto, constitui um crime deixar alguém ficar na miséria para o apressamento de uma “revolução” que levaria a uma utópica igualdade futura. E a isso procura-se rotular com o nome de “autenticidade cristã” ou “cristianismo social”.
O mesmo acontece com uma certa defesa dos direitos humanos quando se circunscreve a interesses bem definidos e escusos. Os demais são entregues ao esquecimento, geralmente pobres e sem rendimento em favor de propósitos ideológicos. E a lista poderia continuar. Sempre subjaz uma hipocrisia.
O Natal, o quadro do Presépio, faz refletir. Diante da gruta, vamos nos despir de uma roupagem fingida e verificar se nós aderimos realmente à sua Doutrina e nos conservamos fiéis à Mensagem evangélica. Ou se, pelo contrário, talvez em boa fé, estamos sendo utilizados para outros objetivos.
Quando falamos em pobre, lutamos em nome de Cristo, por seus preferidos ou emprestamos a essa causa santa outros propósitos alheios ao Menino de Belém?
Reagimos contra o emprego do Natal como simples propaganda comercial. Combatemos o consumismo que leva ao paradoxo de uma multidão que padece fome e uma minoria que esbanja fortunas. Ao condenar essa diferença, muitos se esquecem que também estão profanando o Recém-nascido, quando utilizam a pobreza como mercadoria válida para propagar suas idéias.
O Presépio nos prega uma radical opção, uma fidelidade que exige muito de nós, inclusive o sacrifício da popularidade.
Recordemos as palavras do Santo Padre Bento XVI: “Para procurar abrir o coração a esta verdade que ilumina toda a existência humana, é necessário humilhar a mente e reconhecer o limite da nossa inteligência. Na gruta de Belém, Deus mostra-se-nos como humilde "menino" para derrotar esta nossa soberba. Talvez nos teríamos rendido mais facilmente diante do poder, diante da sabedoria; mas Ele não quer a nossa rendição; pelo contrário, faz apelo ao nosso coração e à nossa livre decisão de aceitar o seu amor. Fez-se pequeno para nos libertar daquela humana pretensão de grandeza, que brota da soberba; encarnou-se livremente para nos tornar deveras livres, livres para o amar” (idem).
O Nascimento de Cristo é resultado do cumprimento integral de uma missão recebida: tem início no Presépio a Redenção. Nestes dias, vamo-nos questionar sobre nossa obediência às lições que emanam da manjedoura de Belém. Assim, teremos um Natal de paz, tranquilidade, rico das bênçãos do Senhor.
Cardeal Dom Eugenio Sales
Cardeal Dom Eugenio Sales
Nenhum comentário:
Postar um comentário