Nos últimos dias antes do início do recesso parlamentar, no apagar das luzes de 2010, a maioria do Congresso acaba de aprovar um novo "trem da alegria": um aumento para os seus próprios salários e de outras autoridades, variando de 60% a 140%. Há um mês e meio, vários setores do governo e da mídia vêm repetindo incansavelmente que é preciso cortar gastos, que 2011 vai ser o ano do aperto, que o salário-mínimo não poderá ultrapassar R$ 540,00 - correspondente à inflação do ano, 5% -, que os funcionários públicos não terão aumento. E, de repente, em um dia, deputados (as) e senadores (as) aprovam este aumento para equiparar todos os seus salários ao mais alto salário do funcionalismo, o dos Ministros do STF - R$ 26 mil.
É um escândalo, para dizer o mínimo! Num país em que o salário-mínimo -embora tenha tido aumentos reais neste governo- corresponde a ¼ do que deveria ser (se a lei de criação do salário-mínimo fosse cumprida, segundo o DIEESE, o salário-mínimo deveria ser de R$ 2 mil), neste país, os parlamentares federais se atribuem um aumento salarial de 60%. Isso sem contar os inúmeros auxílios que recebem: verbas para manutenção de gabinetes, moradia, funcionários, transporte e inclusive vestuário.De onde virão os recursos para pagar esta farra? Dos impostos pagos pelos cidadãos e cidadãs. Inclusive os (as) mais pobres, que pagam impostos sobre o consumo do mesmo modo que os mais ricos, deixando quase metade do que ganham. De sorte que os (as) pobres estão pagando pelo enriquecimento de seus (suas) representantes - enriquecimento decidido pelos (as) próprios (as) beneficiários (as)!
Não podemos admitir que esta decisão, tomada ‘a toque de caixa’, passe por cima dos interesses dos (as) eleitores (as), uma decisão antidemocrática, que desrespeita a vontade da maioria dos (as) cidadãos (ãs), senão todos (as), fique como está. Esta decisão precisa ser revertida, para resguardarmos o interesse público.
Esta decisão injusta demonstra que o Brasil precisa urgentemente passar por uma Reforma Política que, entre outras coisas, estabeleça que o reajuste salarial dos (as) parlamentares deve ser o mesmo concedido ao salário-mínimo. Isto obrigaria deputados (as) e senadores (as) a pensarem primeiro na maioria, naqueles (as) que sobrevivem com até três salários-mínimos, que são ¾ dos (as) trabalhadores (as) assalariados (as). Uma Reforma Política que reveja as relações incestuosas entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, que acabe com as emendas dos (as) parlamentares - forma legal de "compra de votos" de deputados (as). O Executivo concede tais emendas aos (às) parlamentares que votam de acordo com os seus interesses: ou seja, decide sobre a utilização de recursos públicos ("o meu, o seu, o nosso" dinheiro) para fins particulares, para atender aos interesses privados de representantes políticos. Para transformar esses e outros aspectos do atual sistema político, a ABONG integra a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político Brasileiro.
É apenas aparência a ideia de que o Poder em que ocorre mais corrupção é o Legislativo. O Legislativo aprovou a Lei da Ficha Limpa; quem está descumprindo esta lei são setores do Poder Judiciário, que estão "lavando" a ficha de políticos acusados de improbidade administrativa e corrupção. E quem são os corruptores de representantes do Legislativo? São empresas, sem dúvida, financiadoras de suas campanhas - os maiores financiadores, segundo tem divulgado a mídia, são bancos e empreiteiras. Mas também o próprio governo, que dispõe de inúmeros meios para conquistar os votos de parlamentares hesitantes: desde as emendas, já citadas, até a oferta de cargos, que são inúmeros, como se sabe.
Queremos um país que seja governado pela vontade do povo - este é o sentido original de democracia. Para isso, precisamos reformar o nosso sistema político, de modo que esta vontade possa ser expressa e tenha poder de decisão. É preciso garantir o controle social da esfera política. É preciso que as instâncias de participação -conselhos, conferências- tenham poder não apenas consultivo, mas deliberativo, para que possamos caminhar em direção a uma verdadeira democracia participativa.
ABONG: Associação Brasileira de ONGs (Organizações não governamentais)
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