terça-feira, 14 de dezembro de 2010

‘Governos continuam indiferentes ao aquecimento do planeta’




Via Campesina - Declaração de Cancún
Fórum Global pela Vida, Justiça Social e Ambiental
4 a 10 de dezembro de 2010



Os membros da Via Campesina de mais de 30 países de todo o mundo juntamos milhares de lutas em Cancún para exigir da Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP 16) justiça ambiental e respeito à Mãe Terra, para denunciar as ambiciosas intenções dos governos, principalmente do Norte, de comercializar todos os elementos essenciais da vida em benefício das corporações transnacionais e para apresentar as milhares de soluções para esfriar o planeta e para frear a devastação ambiental que hoje ameaça muito seriamente a humanidade.


No Fórum Alternativo Global pela Vida, Justiça Social Social e Ambiental, o principal espaço de mobilização, celebramos oficinas, assembléias e reuniões com nossos aliados e uma ação global, chamamos os milhares de Cancún e tivemos repercussão em todo o planeta e até nas salas do Palácio da Lua da COP 16.

A ação do dia 7 de dezembro teve como expressão da nossa luta uma marcha de milhares de membros da Via Campesina, acompanhados por indígenas maias da península mexicana e milhares de aliados de organizações nacionais e internacionais.

A mobilização para Cancún começou desde o dia 28 de novembro, com três caravanas que saíram de São Luis Potosí, Guadalajara e Acapulco, que percorreram os territórios mais simbólicos da devastação ambiental, mas também de resistências e lutas das comunidades.

O esforço das caravanas foi um trabalho conjunto com a Assembléia Nacional de Afetados Ambientais, o Movimento de Libertação Nacional, o Sindicato Mexicano de Eletricistas e centenas de povos e pessoas que nos abriram as portas de sua generosidade e solidariedade. No dia 30 de novembro chegamos com nossas caravanas na Cidade do México, celebramos um Fórum Internacional e uma marcha, acompanhados de milhares de pessoas e centenas de organizações que também lutam pela justiça social e ambiental.

Na nossa jornada para Cancún, outras caravanas, uma de Chiapas, outra de Oaxaca e uma de Guatemala, depois de muitíssimas horas de viagem, se uniram em Mérida para celebrar uma cerimônia em Chichen Itza e finalmente chegar a Cancún no dia 3 de dezembro para instalar nosso acampamento para a Vida e a Justiça Social e Ambiental. No dia seguinte, 4 de dezembro, abrimos nosso fórum para assim darmos início a nossa luta em Cancún.

Por que chegamos a Cancún?

Os atuais modelos de consumo, produção e comércio têm causado uma destruição do meio ambiente, da qual os povos indígenas, camponeses e camponesas somos as principais vítimas. Assim nossa mobilização para Cancún e em Cancún é para dizer para dizer aos povos do mundo que necessitamos de uma mudança de paradigma de desenvolvimento e economia.

É necessário transcender o pensamento antropocêntrico. É necessário reconstituir a cosmovisão de nossos povos, que se baseia no pensamento holístico da relação com o cosmos, a mãe terra, o ar, a água e todos os seres viventes. O ser humano não é dono da natureza, mas faz parte do todo que tem vida.

Frente a essa necessidade de reconstituir o sistema, o clima, a Mãe Terra, denunciamos:

1. Os governos continuam indiferentes frente ao aquecimento do planeta e em vez de debater sobre as mudanças de políticas necessárias para o resfriamento, debatem sobre o negócio financeiro especulativo, a nova nova economia verde e a privatização dos bens comuns.

2. As falsas e perigosas soluções que o sistema capitalista neoliberal implementa, como a a iniciativa REDD+ (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação), o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Livre), a geoengenharia representam comercialização dos bens naturais, compra de permissões para contaminar com créditos de carbono, com a promessa de não cortar bosques e plantações no Sul.

3. A imposição da agricultura industrial através da implementação de produtos transgênicos e acumulação de terras que atentam contra a Soberania Alimentar

4. A energia nuclear, que é muito perigosa e que de nenhuma maneira é uma verdadeira solução.

5. O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio por facilitar a intervenção de grandes transnacionais em nossos países.

6. Os impactos que ocasionam os tratados de livre comércio com países do Norte e da União Européia, que não são mais que acordos comerciais que abrem mais as portas de nossos países a empresas transnacionais para que se apossem de nossos bens naturais.

7. A exclusão dos camponeses e povos indígenas das discussões dos temas transcendentais da vida da humanidade e da Mãe Terra.

8. A expulsão dos companheiros e companheiras do espaço oficial da COP 16 por sua oposição aos planejamentos dos governos que apelam por um sistema depredador, que apostam por exterminar a Mãe Terra e a humanidade.

Não estamos de acordo com a simples idéia de "mitigar" ou "adaptar" à mudança climática.

Precisamos de justiça social, ecológica e climática, por isso exigimos:

1. Retomar os princípios dos acordos de Cochabamba de 22 de abril de 2010 com um processo que realmente nos leve à redução real da emissão de gases de carbono com efeitos estufa e para atingir a justiça social e ambiental.

2. A Soberania Alimentar com base na agricultura camponesa sustentável e agroecológica, dado que a crise alimentar e a crise climática são a mesma coisa, as duas são conseqüência do sistema capitalista.

3. É necessário mudar os estilos de vida e as relações destrutivas do meio ambiente. É necessário reconstituir a cosmovisão de nossos povos originários, que se baseia no pensamento holístico da relação com o cosmos, a Mãe Terra, o ar, a água e todos os seres viventes.

A Via Campesina, como articulação que representa milhares e milhares de famílias camponesas no mundo, e preocupada com a recuperação do equilíbrio climático, chama a:

1. Assumir a responsabilidade coletiva com a Mãe Terra, mudando os padrões de desenvolvimento das estruturas econômicas e acabando com as empresas transnacionais.

2. Reconhecemos governos como o da Bolívia, Tuvalu e alguns mais, que têm tido a valentia de resistir contra a imposição dos governos do Norte e corporações transnacionais e fazemos um chamado para que outros governos se somem à resistência dos povos frente a crise climática.

3. Fazer acordos obrigatórios de que todos os que contaminem o ambiente devem prestar contas pelos desastres e delitos cometidos contra a Mãe Natureza. Da mesma forma, obrigar a reduzir a emissão de gases de carbono onde elas são geradas. Aquele que contamina deve deixar de contaminar.

4. Alertamos aos movimentos sociais do mundo sobre o que acontece no planeta para defender a vida da Mãe Terra porque estamos defendendo o que será o modelo das futuras gerações.

5. Chamamos para ação e mobilização social as organizações urbanas e camponesas, para a inovação, para a recuperação das formais ancestrais de vida, a nos unirmos em uma grande luta para salvar a Mãe Terra, que é a casa todos e todas, contra o grande capital e os maus governantes. Isso é nossa responsabilidade histórica.

6. A que as políticas de proteção da biodiversidade, soberania alimentar, manejo e administração da água, que se baseiem nas experiências de participação plena das próprias comunidades.

7. A uma consulta mundial junto aos povos, para decidir as políticas e ações globais para parar a crise climática.

Hoje!, agora mesmo, chamamos a humanidade para atuar imediatamente para a reconstituição da vida de toda a Mãe Natureza, recorrendo à aplicação do "cosmoviver".
Por isso, desde as quatro esquinas do planeta, nos levantamos para dizer: Não mais dano a nossa Mãe Terra!, Não mais destruição do planeta!, Não mais despejo de nossos territórios!,Não mais morte dos filhos e filhas da Mãe Terra!, Não mais criminalização das nossas lutas!

Não ao entendimento de Copenhague.

Sim aos princípios de Cochabamba.
Redd não! Cochabamba sim!

A terra não se vende, se recupera e se defende!
Globalizemos a luta, globalizemos a esperança



MemóriaVia Campesina apresentou propostas para a COP-16
Os movimentos sociais de todo o mundo se mobilizarão para a 16ª Conferência das Partes (COP-16) da Convenção Marco de Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (CMNUCC), que se realizará em Cancún, de 29 de novembro a 10 de dezembro de 2010.

A COP-15 em Copenhague demonstrou a incapacidade da maioria dos governos para enfrentar as causas reais do caos climático.

O grande exemplo dessa postura foi a pressão dos Estados Unidos para aprovar de forma antidemocrática o chamado "Entendimento de Copenhague", com o objetivo de desconhecer os débeis compromissos de Kyoto e deixar apenas mecanismos voluntários com base no mercado.

As negociações climáticas se transformaram em uma grande feira livre. Os países industrializados, historicamente responsáveis pela maioria das emissões de gases de efeito estufa, estão inventando todos os truques possíveis para evitar reduzi-las.

Por exemplo, o "Mecanismo para um Desenvolvimento Limpo" (MDL), do protocolo de Kyoto, permite aos países seguir contaminando e consumindo como de costume, em troca de pagamentos mínimos para que supostamente os países do Sul reduzam SUAS emissões.

O que na verdade acontece é que as empresas ganham duplamente: por contaminar e por vender falsas soluções.

A Monsanto pretende convencer-nos de que sua soja Roundup Ready pode se qualificar para os créditos de carbono, porque contribuiriam para reduzir os gases que aquecem o planeta mediante acumulação de matéria orgânica no solo.

As comunidades que vivem onde há monoculturas de soja são um exemplo real dos efeitos mortais e destrutivos desses monocultivos. Argumentos falsos similares se utilizam para vender créditos de carbono, com base nas monoculturas florestais, o cultivo de agrocombustíveis ou na pecuária extensiva.

Muitos governos dos países do Sul, deslumbrados pelas potenciais ganhos, estão apostando nessas falsas soluções e negando-se a implementar medidas que efetivamente enfrentem a mudança climática, como o apoio à agricultura camponesa sustentável, orientando a produção para os mercados internos e estabelecendo efetivas políticas de economia de energia por parte da indústria.

Exigimos a aplicação das milhares de soluções reais dos povos frente a crise climática

Já é hora para a Convenção Marco de Nações Unidas para Mudanças Climáticas propiciar políticas firmes para contribuir na solução do caos climático. É preciso que os países se comprometam concretamente para reduzir de forma radical as emissões de gases e mudar totalmente seu modo de produção e consumo.

A mudança climática também está aguçando a crise da migração.

As secas, as tempestades com terríveis inundações, a contaminação da água e a deterioração do solo, assim como outros impactos destrutivos do desastre ambiental neoliberal, estão provocando um deslocamento de milhares de pessoas, principalmente mulheres e camponeses arruinados, de suas comunidades rurais para as cidades e para o Norte, buscando desesperadamente sua sobrevivência e a de suas famílias.

Calcula-se que cerca de 50 milhões de pessoas já foram forçadas a emigrar por causa dos efeitos climáticos. Esses "deslocados climáticos" engrossaram as filas de mais de 200 milhões de seres humanos que representam a pior crise de migração que enfrentou a humanidade, , segundo a Organização Internacional das Migrações (OIM).

As soluções existem. Mais de 35 mil pessoas se reuniram em abril, em Cochabamba, na Bolívia, para a Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra, ampliando novas visões e propostas para salvar o planeta. São essas milhares de soluções que surgem desde os povos, que enfrentam efetivamente a crise climática.

Exigimos à COP-17 que se adote as demandas do Acordo dos Povos de Cochabamba e que rejeite todas as soluções falsas que se estejam tramando. Entre elas:

>>> Defender os direitos da terra e a floresta: Rejeitamos a iniciativa do Redd (redução das emissões por desflorestamento e degradação). A proteção das florestas e o reflorestamento das florestas degradadas é uma obrigação de todos os governos que deve ser implementada sem limitar a autonomia, os direitos ou o controle dos povos indígenas e camponeses sobre a terra e os territórios. E sem que sirva de desculpa para que outros países e corporações sigam contaminando e semeando monocultura de árvores. Os direitos territoriais e culturais dos povos indígenas e dos camponeses devem reconhecer-se explicitamente em qualquer acordo climático.

>>> Rejeitar a geoengenharia: As propostas em grande escala para alterar o clima, como o biochar e as plantas modificadas geneticamente para alcançar um suposto aumento da reflectividade e resistência às secas, o calor e o sal, a fertilização do mar ou a criação em massa de nuvens só cria novos problemas incontroláveis, mas não soluções. A geoengenharia é só mais um exemplo de como as empresas transnacionais estão dispostas a jogar com o futuro do planeta e a humanidade, a fim de criar novas fontes de lucros.

>>> Rejeitar todos os esquemas de comércio de carbono e os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL): O comércio de carbono provou ser extremamente lucrativo em termos de geração de lucros para os investidores, no entanto falhou categoricamente na redução de gases de efeito estufa. Na "feira livre de carbono", recentemente inventada, o preço do carbono continua caindo em picada, o que fomenta mais ainda a contaminação. As emissões de carbono devem reduzir-se na fonte, em vez de permitir que se pague por ter o direito a contaminar.

>>> Rejeitar qualquer participação do Banco Mundial na gestão dos fundos e políticas relacionadas à mudança climática.

Necessitamos construir e preservar milhões e milhões de comunidades camponesas e territórios indígenas para alimentar a humanidade e esfriar o planeta.

A pesquisa científica mostra que os povos camponeses e indígenas podem reduzir as emissões globais atuais em 75%%, ao aumentar a biodiversidade, recuperar a matéria orgânica do solo, substituir a produção industrial de carne por uma produção diversificada em pequena escala, expandir os mercados locais, parar o desmatamento e fazer um uso integral da floresta.

A agricultura camponesa não só contribui positivamente para o equilibro do carbono do planeta, mas cria também 2,800 milhões de postos de trabalho, para homens e mulheres no mundo inteiro. Esse é o melhor modo de lutar contra o fome, a desnutrição e a crise alimentar atual.

O pleno direito à terra e a recuperação dos territórios, a soberania alimentar, o acesso à água como bem social e direito humano, o direito a usar, conservar e trocar livremente as sementes, o fomento aos mercados locais são condições indispensáveis para que nós, os povos camponeses e indígenas, sigamos alimentando o mundo e esfriando o planeta.

Junte-se a nós organizando milhares de Cancún!

Junto de diversas organizações instalaremos um acampamento em Cancún, que unirá a força e a resistência dos povos camponeses do mundo, que já estamos esfriando o planeta.

Chamamos os movimentos sociais, as organizações populares e os povos de todo o mundo a organizar milhares de protestos e ações contra as falsas soluções e as soluções de mercado. Ficaremos em mobilização permanente até derrotar as negociações de grande feira livre em Cancún em dezembro.

Via Campesina Internacional

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