sábado, 4 de dezembro de 2010

Acabar com a miséria e a sensibilidade social

A presidente (ou presidenta?) eleita vai tomar posse em janeiro com a meta social de acabar com a miséria no Brasil. Após um mês da vitória eleitoral, enquanto ela está montando o seu futuro gabinete (com muitas negociações políticas, pressões e outras coisas...), eu penso que vale a pena refletirmos algumas questões ligadas a essa meta.

Em primeiro lugar, há uma diferença grande entre pensar a política econômica e social em função do objetivo de acabar com a miséria e uma outra pensada com o objetivo de geração de riqueza ou do mero crescimento econômico. Pois, para superar miséria e pobreza se exigem políticas econômicas e sociais que podem entrar em conflito e até mesmo em contradição com outras que são necessárias quando se busca simplesmente o aumento da riqueza ou a elevação do Brasil à condição de um país rico.

Tomemos um exemplo bem prático, que provavelmente será objeto de discussão no próximo ano: a volta do CPMF ou a criação de um novo imposto para aumentar verbas para o sistema de saúde público no Brasil. Sem entrar aqui em discussão sobre a forma como é administrado o sistema de saúde público, podemos dizer que em torno dessa polêmica se dividem basicamente dois grupos: aqueles que, em nome da necessidade de um melhor atendimento do sistema de saúde pública para a população (basicamente pobre, porque as classes média e alta possuem planos de saúde privados), defendem o imposto; e outros que são contra, em nome de um Estado menor, com menos gastos, e de menos impostos para os "consumidores".

É claro que os que são contra mais dinheiro para saúde pública não são explicitamente contra a melhoria no atendimento, pelo contrário: também se indignam com o estado atual. Mas, tem como prioridade a defesa do seu direito de pagar menos impostos e a luta pela diminuição do papel do Estado na sociedade.

Em certo sentido, podemos dizer que a sensibilidade com o seu bolso é maior do que a sensibilidade para com o sofrimento das pessoas que esperam meses na fila dos hospitais públicos. Essa insensibilidade é comumente encoberta com a acusação da má administração e corrupção do Estado; e com o argumento de que o aumento dos gastos públicos diminui o ritmo do crescimento econômico.

Com esse exemplo eu quero dizer que o objetivo de acabar com a miséria no Brasil, quando levado à prática no cotidiano do governo, vai entrar em choque com interesses de grupos e pessoas que tem pouca ou quase nenhuma sensibilidade em relação ao sofrimento dos miseráveis e pobres. Este é um campo de luta que as Igrejas, associações, ONGs e outros grupos podem e devem contribuir.

Aumentar a sensibilidade sociedade e, com isso, a pressão sobre o parlamento e o governo para que nas horas "h" das decisões, a balança penda para as necessidades dos mais pobres. Sem esse apoio e pressão da sociedade, os lobbies dos grandes interesses econômicos e dos setores médios e ricos que estão "contentes" com o atual sistema econômico e social, aliados com os setores mais conservadores do mundo político, tomarão a direção da política econômica e social.

Mas as dificuldades não virão somente do lado dos que são insensíveis ou pouco sensíveis aos sofrimentos dos mais pobres. Haverá também aqueles que em nome de soluções "perfeitas", nunca estão satisfeitos com os avanços possíveis dentro das condições econômicas, políticas e sociais dadas, e aumentam o coro da oposição. Por ex., participei de um debate onde uma pessoa elogiava o governo Lula por ter aumentado o poder aquisitivo das camadas mais pobres, e, ao mesmo tempo, criticava porque as empresas ganharam muito dinheiro com esse aumento de compra por parte dos pobres.

Eu respondi que ainda estamos no capitalismo e que por isso quando os pobres compram mais, as empresas vendem mais e ganham mais dinheiro. E uma forma de lidar com isso é aumentar o imposto dos que ganham muito para financiar programas econômicos e sociais em favor dos mais pobres.

Temos diante de nós a tarefa e o desafio de aumentar a sensibilidade da sociedade em relação aos sofrimentos dos mais pobres, sem cairmos no "infantilismo" de exigir soluções perfeitas e imediatas.

Jung Mo Sung
[Autor, em co-autoria com Hugo Assmann, de "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres"].

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