O gosto e o desafio de orar
Marcelo Barros
A Igreja cristã deve viver para o mundo, falar privilegiadamente aos de fora e servir a toda humanidade e não apenas aos próprios crentes. Esta proposta de um modelo de fé, voltado para os outros, continua atual, mas foi lançada pelos bispos católicos da América Latina, há 40 anos em Medellín, Colômbia. Para quem compreende a espiritualidade nesta perspectiva descentrada, o tema que neste ano a Semana se oração pela unidade dos cristãos propõe é, certamente, um desafio. No Brasil, cada ano, esta semana de encontros entre Igrejas diversas, diálogos entre pastores e padres, assim como cultos em comum, se celebra, exatamente, nestes dias, antes do próximo domingo, no qual os cristãos encerram o tempo pascal e recordam a vinda do Espírito de Deus para encher com o seu amor divino todo o universo.
Há exatamente cem anos que os cristãos se reúnem cada ano, nesta semana especial, para orar pela unidade das Igrejas de modo que estas sejam diferentes umas das outras e autônomas, mas unidas no mesmo testemunho de fé e de serviço à paz do mundo e à justiça. Desta vez, o tema que reúne os cristãos na Semana da unidade é a própria natureza e necessidade de oração. É a palavra de Paulo: “orai sem cessar” (1 Ts 5, 18).
Na expressão da fé, a oração é o que há de mais intimo e profundo porque se trata da própria relação pessoal e íntima com Deus. O mistério divino é algo que nenhuma palavra ou explicação pode esgotar. A fé cristã vive a relação com este mistério divino como diálogo com um Tu amoroso que nos chama a viver uma intimidade de amor. Algumas religiões orientais e grupos que delas derivam consideram a divindade como uma dimensão do próprio ser humano. Neste caso, orar é acessar a unidade mais profunda consigo mesmo. Não é algo que se possa definir com facilidade. Para quem tem fé, entretanto, a oração é uma meta importante da espiritualidade, ou seja, da vida, conduzida pelo Espírito.
Quem, como eu, já passou dos 60, e, desde muito cedo, vive a procura do Divino, já atravessou diferentes formas de viver e compreender a oração. Quando criança, eu via minha mãe doente e fazia acordos com Deus para que ele lhe concedesse mais três ou quatro anos e achava que deveria oferecer algo em troca. Mesmo se o que eu tinha a oferecer fosse não tomar sorvete ou não comer doce durante um mês. Desde que me tornei monge, aos 18 anos, muitas vezes aceitei a oração como uma luta com Deus, como a Bíblia conta que o patriarca Jacó viveu durante toda a noite com um anjo misterioso, até ser abençoado (Cf. Gn 32). Assumi as diversas horas de oração litúrgica diária, como sacerdócio de todos os crentes, para santificar o tempo e dar a Deus o sacrifício de louvor em nome de seu filho Jesus. E dava muita importância à intercessão, tanto para obedecer ao que Jesus diz no evangelho: “Pedi e recebereis” (Mt 7, 7), como para me sentir útil e pensar que estava fazendo algo em casos de doenças e necessidades de pessoas queridas.
Hoje, embora respeite todas as expressões de fé e valorize especialmente aquelas que vêm do puro amor, independentemente se suas formas são mais racionais ou menos, o fato é que me sinto interiormente muito mais crítico e por isso mesmo mais pobre. Continuo buscando a intimidade de Deus, mas sei que ele habita no mais profundo do meu ser: “o pensamento nem chega à mente ou a palavra aos lábios e Ele já sabe tudo e me cerca do seu amor” (Cf. Salmo 139). Aí, a oração se torna, não mais apenas uma reza, ou prática externa, mas um pulsar do coração inebriado de amor e em gozo de intimidade com alguém que é mais íntimo a mim do que eu mesmo.
É claro que a oração depende da imagem de Deus que se tenha. Uma visão de Deus, senhor todo poderoso e patriarcal, supõe uma forma de relação determinada. Se o vemos como uma espécie de patrão ou governante que exige tributos e impostos, a oração se torna dever. As Igrejas usam expressões como ofício, trabalho e obrigações. Sobre isso, as palavras de Jesus continuam claras: “Quando orarem, não usem muitas palavras... O Pai de amor sabe tudo o que vocês precisam... Entrem no mais íntimo do seu quarto (ou da sua alma) e o Pai que tudo vê, verá o que vocês precisam”. (Cf. Mt 6, 6-8).
A respeito da unidade das Igrejas, o Evangelho revela que é o próprio Jesus quem mais quer esta unidade. Se somos convidados a orar pela unidade, é para que nós mesmos entremos mais e mais neste projeto divino e nos sintamos em comunhão com a humanidade tão sedenta de unidade e paz.